1. António Costa é certamente o primeiro-ministro europeu que mais entrevistas e aparições mediáticas multiplica. Não há dia sem uma conferência de imprensa, uma declaração ao país, uma inauguração com direito a resposta a perguntas que não foram feitas ou, até mesmo, marcha acelerada para evitar manifestantes incómodos, agora que estamos em maio e regressam às ruas as manifs do PCP e sucursais sindicais. São inúmeras as proclamações costistas. A propaganda e a política Pinóquio são uma estratégia. Alternam eventos ocos, discursos vagos com mentiras descaradas, como agora se descobriu com o famoso plano PRR de que só se conhecia metade e as falcatruas na nomeação do procurador europeu. Na torrente palavrosa dos últimos dias, há que reter a afirmação de Costa (feita numa entrevista coletiva ao grupo JN/DN/TSF) de que não tenciona remodelar o Governo. É sinistro. Significa que vai manter Cabrita, um hino à incompetência que produz trapalhadas em catadupa bissemanal, no mínimo, Pedro Nuno Santos, Matos Fernandes, Van Dunen e aquelas ministras que fazem discursos tipo Miss Mundo. Costa defendeu a estabilidade, afirmando que seria uma insanidade total haver uma crise política. Nisso pode ter razão. Mas mudar ministros incompetentes não é instabilizar. É o contrário. António Costa sabe que o timing político lhe é favorável e tem margem de manobra, mesmo se pontualmente uma sondagem lhe retira popularidade. Isto porque conseguiu, graças à vacinação e ao segundo e disciplinado confinamento, que a situação sanitária esteja relativamente segura, apesar de se sucederem trapalhadas graves. É o caso de pôr pessoas comuns a decidir se querem ou não correr o risco de tomar certa vacina, assinando um papel. É uma cobardia da DGS. Os espanhóis pensaram nisso e recuaram por razões éticas. Cá, a medida vai para a frente, a avaliar pelo que revelou Marques Mendes no domingo.
2. No cômputo global, estão, portanto, criadas condições mínimas de retoma, com ou sem bazuca. Isso vai favorecer António Costa nas estatísticas propagandísticas de comparação homóloga (obviamente). Por outro lado, já não tendo de ir quinzenalmente prestar contas ao parlamento, Costa sabe que, por mais exigente que Marcelo se torne, não vai ser o Presidente a incentivar o crescimento de um movimento alternativo não socialista. Rui Rio passa a vida metido em embrulhadas, trapalhadas e ódios pessoais. Faz tudo menos liderar e federar o PPD/PSD e o espaço dos moderados de centro/direita. Mesmo assim, pode passar o cabo das tormentas autárquicas e ficar até às legislativas. Dava até um jeitão a António Costa. O CDS é um caso perdido. A Iniciativa Liberal está em fase de afirmação autónoma. Na direita existe o Chega que faz o seu caminho, crescendo ao ponto de poder ser incontornável para soluções futuras, o que seria um problema para todos e para o próprio Ventura. Entre nós, existe inorganicamente uma direita neoliberal e saudosista do “passismo”, cuja voz é amplificada através dos média e é bem recebida em meios sociais saturados de tanto Estado. No entanto, não são geralmente pessoas geradoras de verdadeira riqueza. São sobretudo comissionistas de interesses estrangeiros. São os herdeiros do malogrado António Borges, pai pensador de Passos, Portas, Gaspar e delegado da troika em Lisboa. Esse nicho, que normalmente vive encostado a contratos com o Estado, cresce em termos de influência uma vez que praticamente não temos capitalistas com dinheiro próprio, empresários/patrões de referência internacional, um grande banco português privado, uma empresa industrial ou comercial relevante no espaço mundial. Temos é muitos gestores (alguns excecionais e centenas péssimos). Em síntese, quase tudo o que é grande e dá dinheiro em Portugal é estrangeiro. Em contrapartida, tudo o que é grande e dá prejuízos brutais acaba patrioticamente nosso. Nesta cultura, está à vontade com a suposta direita. Faz dela gato sapato. À esquerda também está relativamente descansado. Tem os comunistas aos berros na rua, mas sabe ser só fruta da época. Confia que a aceleração da economia permita uma retoma que alimentará a gigantesca máquina do Estado através de impostos que, diretos e indiretos, chegam facilmente a 75%. O mais complicado para ele é o Bloco, se estiver mesmo determinado a entrar nas questões da opacidade, da corrupção e das negociatas. Até ver, são mais vozes do que nozes. Mas, se o Bloco persistir, pode tirar o tapete a Costa e alterar-lhe os planos, obrigando-o a enfrentar a tal crise política que ele não quer. Mas isso são cenários. De momento, e ao contrário do que alguns julgam, a geringonça subsiste.
3. Tão ou mais grave do a medida estapafúrdia da ministra Leitão de criar alojamentos estudantis para filhos da casta dos funcionários públicos, é o escândalo da transferência do Ministério da Educação, feita vai para três anos, da avenida 5 de Outubro para a 24 de julho, em Lisboa. Na altura, anunciou-se que iam ali nascer instalações para estudantes a baixo custo. Havia até o plano de as alugar no verão a turistas estrangeiros. Foi mais um momento Pinóquio do Governo. A oposição também meteu o assunto na gaveta.
4. Está espalhada a confusão à volta das contas do grupo Montepio. Ninguém se entende lá dentro, cá fora e na vasta periferia daquele universo, que tem um banco e 600 mil associados. As contas são controversas, como se prova pelo facto dos auditores externos (historicamente pouco atentos em Portugal) não engolirem certos números. Vem aí uma Assembleia Geral que cheira a esturro. Vêm aí eleições na mutualista, cuja transparência não está garantida. Todo aquele universo é controlado por um grupo concreto que vem de Tomás Correia e que Vieira da Silva acarinhou. Os reguladores andam às aranhas. O Governo finge que não vê.
5. Por falar em Governo fingidor, é bom que saiba que vai haver festa rija na mais que provável festa do título do Sporting, depois de 19 anos de jejum. Vai ser perigoso para a saúde pública, mas é inevitável. Há tempo para medidas de pedagogia e algumas limitações. O assunto é delicado. A agitação não se vai circunscrever a Lisboa e não se resolve com polícia de choque. Ao cuidado do ministro Cabrita!
6. A situação infra-humana em que vivem os migrantes de Odemira é conhecida, há muitos anos, de todos os políticos, sejam autarcas ou governantes nacionais, de todos os média, de todas as autoridades sanitárias, de todos os governos. Ninguém fez o que devia, a não ser a comunicação social. Há situações semelhantes noutros pontos do país. O SEF (lá está Cabrita!) e a Inspeção de Trabalho têm aqui responsabilidades partilhadas com as redes de exploração.
Escreve à quarta-feira