Entre trocadilhos sagazes e observações humorísticas do dia-a-dia, PZ, alter-ego musical de Paulo José Pimenta, autor de músicas tão idiossincráticas quanto hilariantes como Cara de Chewbacca, Bestas, Croquetes ou Neura, tem alguns pensamentos que precisa de desabafar com os seus ouvintes. Motivado pela pandemia e o sentimento de repetição da rotina de quem está trancado em casa em confinamento, PZ decidiu criar Selfie-Destruction, o seu mais recente disco, lançado na última quinta-feira, onde o músico e produtor decide “declarar guerra a si próprio” e exorcizar alguns demónios que estavam a tomar conta de si. Em entrevista ao i, Paulo José Pimenta explica como conseguiu ficar em Paz Na Sua Guerra, fala sobre projetos futuros e explica por que não consegue colocar PZ nas “mãos” de outros produtores.
Quando surgiu a vontade de criar um sucessor para o seu último disco, O Outro Lado (2019)?
A vontade surgiu no início do primeiro confinamento, nessa altura lancei um single com videoclipe, a música Vão Ser Milhões, quando era obrigatório ficar confinado em casa. Comecei a desenvolver músicas no estúdio que tenho montado no meu quarto, a procurar beats antigos e, entretanto, achei que estava na altura de fazer um álbum, não havia muito mais para fazer (risos). Tinha vontade de deitar cá para fora as minhas dúvidas, os meus receios e sinto que algumas músicas refletem os tempos que estamos a passar. De repente comecei a trabalhar em letras com os instrumentais e quando dei por ela começou a formar-se um disco. Não estava muito à espera de fazê-lo, mas, à medida que as músicas começaram a aparecer, comecei a vislumbrar um novo álbum.
Estava a dizer que este disco fazia transparecer os sentimentos de viver durante uma pandemia, mas também existe uma sensação de declarar guerra a si mesmo, é um disco muito confessional e de confronto pessoal.
Sim, exponho-me bastante neste disco, por exemplo, na música Incompatibilidades, em que choco contra as várias personalidades que habitam dentro de todos nós. A Pareces Defunto também representa uma fase mais trágica da minha vida. Este disco tornou-se mais confessional e introspetivo, andei às voltas sobre mim mesmo e foi uma maneira de lidar com toda esta situação, com o facto de estar mais sozinho e de desabafar tudo aquilo que tinha para dizer.
Essa sensação surge logo no título do disco, Selfie-Destruction, como é que chegou a esse nome?
O título também está ligado com a capa, que é uma selfie que tirei no meu quarto, o ambiente que uso para fazer as minhas músicas. Depois de ver essa fotografia surgiu-me esse trocadilho, entre selfie e self-destruction. É também uma alusão ao facto de termos todos imigrado para as redes sociais, onde expomos as nossas neuras e tudo aquilo que se passa à nossa volta, e é também uma maneira de destruir a minha memória e aos bocados para depois ver o que é que vai acontecer. Acho que o título reflete bem o estado de espírito em que estava a fazer este álbum.
Pode descrever o momento em que tira a selfie?
Tirei-a no meu estúdio, fiz uma cara de alucinado e tirei a selfie (risos). Cheguei a publicar a fotografia no Instagram com a legenda: “Capa do próximo álbum?”. Foi um momento quase de catarse em forma de fotografia, achei que devia ser a capa do álbum e inspirou-me também para o título.
Nessa fotografia é possível ver alguns dos seus instrumentos, como os samplers, os sintetizadores, o baixo. Considera-se um nerd dos instrumentos musicais?
Em certa medida sim, gosto muito de estar online a ler reviews de sintetizadores ou procurá-los no eBay. Há sintetizadores que me dizem muito, mas misturo de tudo um bocado, também toco baixo e guitarras acústicas neste álbum. Mas em termos de sintetizadores e groove boxes sou um nerd e interesso-me bastante pela maneira como as maquininhas funcionam. Muitas delas inspiram-me a fazer música.
Entre os instrumentos que tem no seu estúdio, qual é a menina dos seus olhos?
Se calhar é este SH-101 [sintetizador analógico da marca Roland, utilizado por músicos como Aphex Twin, Boards of Canada ou The Prodigy]. Tenho também várias caixas de ritmos da Roland. Gosto muito do material que produziram nos anos 1980, tenho um TR-808 [primeira caixa de ritmos programável que revolucionou a música eletrónica e o hip-hop]. São coisas que comprei há muito tempo e que agora já valorizaram o preço.
Todas essas máquinas contribuem para criar o som minimalista que tanto o carateriza. Ponderava criar um álbum que fosse completamente o oposto?
Tenho um projeto, que ainda não saiu, que é com uma banda de jazz, é algo novo, que até já está feito, mas ainda não foi lançado porque estou em candidaturas para fazer um filme em torno dessa música. É algo antagónico a PZ, apesar de também ser cantado em português. As bases são acústicas, tem piano, contrabaixo, bateria, voz, trombones e guitarra. É um projeto que também está na gaveta porque ainda não é o momento certo para ser lançado. PZ não é a minha única forma de me expressar musicalmente, também gosto de me expressar de outras maneiras, mas quando estou sozinho comigo mesmo o PZ toma conta de mim (risos).
Imagino esse projeto quase como os A Tribe Called Quest.
Não, imagino mais como uma música dos anos 1920, mais corridinho, é muito diferente, mas ainda não está cá fora e não sei quando é que sairá.
Continuando ainda neste cenário hipotético, em PZ ocupa o cargo de produtor, ponderava trabalhar com outro produtor?
Em PZ sou um bocado egoísta, gosto de construir as músicas à minha maneira. Como tem um aspeto um bocado confessional quero que esse sentimento passe para os instrumentais. Por isso, nunca ponderei dar PZ a outro produtor, não penso nisso. Agora, gosto de participar noutras músicas, há pouco tempo participei na música Sapatilhas dos Dirty Bungalow, também fiz com o David Bruno a música Cara De Chewbacca e Tu És a Minha Gaja, o instrumental foi feito por ele, também participei na Perdido na Variante do seu projeto, Conjunto Corona. Gosto de dar a minha voz a outros produtores, mas como participação, nunca imaginei fazer um álbum inteiro com outros produtores. Como tenho um certo historial em PZ, este já é o meu sexto álbum, vai ser difícil dar a produção a outra pessoa.
Já tínhamos tocado em como este disco fala da rotina de viver durante uma pandemia. Acha que este álbum foi uma maneira de exorcizar essa frustração?
De certa maneira, sim, por exemplo na Em Paz Na Minha Guerra tem esse aspeto de purga e de exorcizar alguns demónios que nos atacaram durante a pandemia. Nem todo o álbum é assim, mas tens razão, foi uma forma de exorcizar alguns demónios que se apoderaram de nós e deitar cá para fora toda a frustração que todos nós sentimos neste período.
Acha que o humor também ajudou neste processo?
O humor, a ironia, uma pessoa tem que se tentar rir não só da nossa condição humana, mas, neste caso, do que se está a passar com a pandemia, se não começamos a dar em loucos. Rir é algo que ajuda sempre a ultrapassar estes momentos mais difíceis.
Espero que esta não seja uma pergunta que já tenha ouvido muitas vezes, mas quando escreve a letra de uma música já sabe as piadas, trocadilhos e ironias que vai utilizar? Parte para uma música a pensar que esta tem que ficar engraçada?
Tento sempre ter um tom de conversa nas músicas e muitas vezes o beat ou o instrumental é que me leva a um certo tema ou uma certa ironia. Algumas músicas neste disco não são tão humorísticas quanto isso, outras dependem mais do tom que utilizo. Claro que existe uma linha de PZ com que me identifico e que tento explorar, mas cada álbum representa fases diferentes da minha vida, que gosto de ironizar e tentar rir-me. Para mim, faz sentido certas músicas terem doses de humor mais vincadas do que outras.
Acho muita piada à música Pareces Defunto, apesar de ser uma das mais sérias. A escolha da expressão defunto para descrever alguém com o coração partido tem a sua piada.
Essa também é uma das minhas favoritas deste disco. Não se percebe bem se estou ou não a ser sério, mas gosto de ter alguma ambiguidade no tom que uso nas minhas músicas.
Uma música que também gosto muito é a Dona Elisa, dedicada à sua avó.
É sobre as tardes de domingo que passava em casa da minha avó, deve ser das mais pop e divertidas do álbum, também gosto muito dela. Era uma música que tinha há muito tempo na gaveta e que neste álbum fazia todo o sentido lançá-la.
Entre as músicas do Selfie-Destruction aquela que parece mais óbvia no tópico de “lançar uma guerra a si próprio” é a Frutas e Canivetes, onde inclusive faz uma referência a uma das suas músicas mais conhecidas, a Croquetes, onde diz “dantes era só croquetes, agora é só frutas e canivetes”. Esta foi uma forma de apagar a sua imagem antiga?
É uma música autorreferencial. Ela tem uma história, cheguei a fazer música para uma peça de teatro que estreou em 2011, chamada Could Be Worse: The Musical, existem duas músicas deste álbum que foram baseadas nas músicas que fiz para o musical. Uma delas é a Podia Ser, a primeira faixa, e a outra é a Fruta e Canivetes. Durante um brainstorming para fazer uma música em específico, a atriz Paula Nogueira, lembrou-se dessa frase: “dantes era só croquetes, agora é frutas e canivetes”. Peguei nessa frase e construi a música à volta dela.
Este disco tem estas conversas com o seu eu do passado. Se pudesses falar com o PZ do passado que conselho é que lhe dava?
Tem cuidado com o futuro (risos). Eu estou sempre a deixar mensagens para mim próprio e são autorreferenciais com a minha vida, mas às vezes… eu não me oiço.
Se calhar não é a melhor pessoa para dar conselhos a si próprio?
Se calhar não (risos).