Durou dez horas o Conselho de Ministros que decidiu o avanço do país para a última etapa do desconfinamento. António Costa anunciou que há condições para avançar, mas pediu disciplina e anunciou que se mantém o «dever cívico» de recolhimento domiciliário. O Presidente da República já tinha apelado à cautela, independentemente do levantamento do estado de emergência, e o Governo alterou a estratégia: as avaliações passam a ser semanais e não quinzenais como até aqui, mantendo-se a lógica de que ao fim de duas avaliações consecutivas acima dos 120 casos por 100 mil habitantes, os concelhos podem ver as medidas voltar a apertar.
Até aqui o Governo tinha optado por esperar por duas avaliações, o implicava que passasse um mês desde a primeira sinalização. António Costa justificou a decisão, que vai agora ao encontro do que tinha sido proposto pelos peritos, com a necessidade de agir «precocemente».
Com o fim do estado de emergência esta sexta-feira à meia-noite, o país passa a estado de calamidade mas oito concelhos vão manter-se com as mesmas regras que vigoravam até aqui, por continuarem com mais de 120 casos por 100 mil habitantes e já virem sinalizados da última avaliação. 27 ficam de pré-aviso e se a situação não melhorar, o que António Costa disse recear que venha a ser o caso em alguns concelhos, poderão recuar no desconfinamento já na próxima semana. As medidas mais duras, que António Costa classificou como «excecionais», são aplicadas em duas freguesias de Odemira, que vão ser alvo de uma cerca sanitária. Focos em explorações agrícolas das freguesias de São Teotónio e Almograve justificam a decisão, anunciou o primeiro-ministro, impondo que as empresas passem a pagar testes diários aos trabalhadores agrícolas e avançando com medidas para alojamento dos trabalhadores que vivem em condições insalubres.
«Este é um problema de fundo que tem de ser resolvido no médio de longo prazo, e trabalharemos com o município de Odemira, mas necessitamos de uma solução de emergência», disse, anunciando a requisição de equipamentos para alojar os trabalhadores, maioritariamente migrantes, um problema há muito sinalizado nas explorações agrícolas do Alentejo.
Restaurantes e esplanadas até às 22h30
O resto do concelho de Odemira avança para a última etapa do desconfinamento. «Era uma situação muito claramente associada a duas freguesias_[…] o que nos levou a dizer que não faz sentido manter as medidas o resto do município».
Respaldo legal para aplicar estas medidas? António Costa considerou que existem, descartando a feitura de uma nova lei de emergência sanitária. «Não acrescentaria nada relativamente ao dispositivo legal que temos ao nosso dispor fora do estado de emergência».
Na maioria do país, o fim de semana será de regresso a uma maior normalidade. Restaurantes, esplanadas e similares passam a funcionar até às 22h30, tanto aos dias de semana como ao fim de semana. Ainda assim, isto não inclui bares e discotecas. António Costa não deu previsões quanto à reabertura, que era reclamada pelo setor. As salas de espetáculo também podem funcionar até às 22h30, quer dizer que ainda não é desta que voltam sessões da meia-noite nos cinemas.
Novas regras para junho mas máscaras até ao fim do verão
António Costa anunciou que pediu à equipa da ARS Norte liderada por Raquel Duarte e Óscar Felgueiras, que apresentaram a proposta de plano de desconfinamento que serviu de base ao Governo, uma segunda proposta de novos critérios a aplicar no país quando for atingida a meta de vacinar todos os maiores de 60 anos, o que a task-force de vacinação prevê que ocorra até ao fim de maio (23 de maio).
Atualmente vigora como linha vermelha para o travão do desconfinamento a nível concelhio ser excedida a incidência cumulativa de 120 casos por 100 mil habitantes e em causa estarão questões como perceber se o patamar pode ser elevado quando os maiores de 60 estiverem vacinados.
Questionado sobre se o uso de máscaras deixará de ser obrigatório, António Costa remeteu essa questão igualmente para o trabalho que vai ser desenvolvido com os peritos, antecipando no entanto que se tivesse de apostar, há 99,9% de hipótese de se manter até ao final do verão quando for atingida a «imunidade de grupo», disse António Costa – um conceito epidemiológico que tem sido associado pelo Governo ao momento em que 70% da população adulta estiver vacinada e que não é consensual que se aplique no contexto da atual pandemia. Em entrevista ao Nascer do SOL nesta edição, Helen Johnson, técnica do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, afirma que essa meta não será atingida no verão e não é o «objetivo primário» das campanhas de vacinação em curso. Para já ainda com o foco no presente mais do que em planos a longo prazo, terminam esta sexta-feira 173 dias em estado de emergência, o segundo em democracia e três vezes mais prolongado do que o primeiro período de emergência em 2020, numa fase inicial da pandemia e que em nada se compara com o impacto dos últimos meses quer em hospitalizações quer em mortalidade.
Quando o país desconfinou a 4 de maio de 2020, terminando o estado de emergência logo nessa ocasião – desta vez foi prolongado até à última etapa de reabertura – tinham sido registadas 1007 mortes por covid-19 no país. O balanço é agora de 16 974 óbitos, 10 mil nos primeiros meses deste ano. Só até fevereiro, de acordo com dados disponibilizados ao Nascer do SOL pela Direção Geral da Saúde, houve quase 40 mil internados nos hospitais com diagnóstico de covid-19 desde o início da epidemia, dos mais de 800 mil casos diagnosticados no país. António Costa sublinhou que é importante que o país se congratule com a «evolução muito positiva» das últimas semanas mas recorde que «nada está adquirido para o futuro». É uma «luta diária que teremos de continuar a travar, tal como conseguimos chegar aqui, não podemos perder aquilo que conquistámos».
Desta vez, ao contrário do ano passado, não ficou no ar nem nas palavras a expectativa de que o segundo estado de emergência seja o último. Termina agora, mas a situação de pandemia no país não está ainda ultrapassada.
País a várias velocidades
Concelhos com regras de 15 de março
Freguesias de São Teotónio e Longueira/Almograve em Odemira (concelho continua acima dos 240 casos por 100 mil habitantes mas o problema centra-se apenas nestas freguesias) e Portimão
Concelhos com regras de 5 de abril
Aljezur, Resende e Carregal do Sal. Pioraram a situação epidemiológica e recuam.
Concelhos com regras de 19 de abril
Paredes, Miranda do Douro e Valongo. São três concelhos dos 13 que tinham ficado em pré-aviso na última avaliação por já estarem na altura com mais de 120 casos por 100 mil habitantes e onde a situação não melhorou, por isso não avançam para a última etapa
do desconfinamento.
… e em risco de recuar na próxima semana
São 27 ao todo os concelhos que na avaliação desta semana estavam pela primeira vez acima do patamar dos 120 casos por 100 mil habitantes e que ficam agora em pré-aviso para a avaliação da próxima semana, podendo ter apenas uma semana de novas regras. O grupo inclui Alijó, Alpiarça, Arganil, Batalha, Beja, Boticas, Cabeceiras de Basto, Castelo de Paiva, Celorico de Basto, Cinfães, Coruche, Fate, Figueiró dos Vinhos, Lagos, Lamego, Melgaço, Oliveira do Hospital, Paços de Ferreira, Penafiel, Peniche, Peso da Régua, Ponte da Barca, Póvoa de Lanhoso, Tábua, Tabuaço, Vidigueira e Vila Real de Santo António.
Os piores meses da pandemia
173 dias em estado de emergência
O segundo estado de emergência foi declarado a 9 de novembro e termina à meia-noite de hoje. Durou 173 dias. O primeiro, em 2020, 45. O aumento de casos que se verificava em novembro, sobretudo no Norte, foi controlado mas a epidemia voltou a escalar após o Natal e em especial no início de janeiro.
O país voltou a confinar a 18 de janeiro, um cenário afastado ao longo de 2020. A 22 voltaram a fechar as escolas.
Recorde de infeções e mortes em janeiro
O mês de janeiro, marcado também por uma vaga de frio, foi o mais duro da epidemia. Até ao final de dezembro, tinham sido registados 420 629 casos de covid-19 no país e 6972 mortes. Só em janeiro foram diagnosticados 305 692 casos e morreram 5785 pessoas infetadas. Esta semana foram atingidas as 10 mil mortes por covid-19 neste ano, um balanço mais negro do que 2020, elevando para 16 974 o total de vítimas desde o início da pandemia. Tenha sido pelo frio, pela covid-19 ou por atrasos na assistência, foi o janeiro com mais mortes no país no último século (mais de 20 mil). Nos últimas semanas a mortalidade total no país tem estado abaixo dos últimos anos mas continua a verificar-se um excesso de 9 mil mortes neste ano. Portugal chegou a ser o país com mais mortes por covid-19 por milhão de habitantes e maior excesso de mortalidade na UE. Desde o início da pandemia morreram perto de 4 mil idosos infetados em lares.
SNS sob pressão
O descontrolo da epidemia voltou a perturbar a resposta habitual do SNS. Na 1ª vaga tinham estado internados no máximo nos cuidados intensivos 270 doentes com covid-19. No pico da 3ª vaga, chegaram a ser 904. Até fevereiro a covid-19 motivou mais de 37 mil internamentos no SNS, mais de 3 mil em UCI, com impacto na restante atividade. Depois de em 2020 ter havido menos 11 milhões de consultas nos centros de saúde, menos 1,3 milhões de consultas hospitalares e menos 126 mil cirurgias no SNS, os primeiros meses de 2021 acabaram por não ser de recuperação, que se começa a notar só em março. No 1º trimestre foram feitas menos 9 mil cirurgias do que nos primeiros três meses de 2020 e há um ligeiro aumento nas consultas hospitalares. Nos centros de saúde houve menos 1,6 milhões de consultas presenciais.
Testar, testar, testar
A testagem aumentou e apanharam-se mais infeções do que no início da pandemia. A segunda fase do inquérito serológico nacional revelou que 13,5% dos portugueses já estiveram infetados, entre 1,35 a 1,4 milhões. Dado que só foram diagnosticados até ao final de março 822 324 casos, terão sido 550 mil infeções não detetadas. No primeiro inquérito, que refletiu a 1ª vaga, tinha havido 6x mais infeções do que as diagnosticadas. Apesar do aumento dos testes, agora PCR + testes rápidos, as últimas semanas têm sido de sobe e desce: na semana passada bateram recordes, nesta desceram. Ainda assim, testa-se mais do que quando o país desconfinou em 2020. Na altura faziam-se cerca de 15 mil testes por dia. Esta 2ª feira foram feitos 53 mil.
Vacinados
25,9% da população já tem a 1ª dose da vacina e 9,6% as duas. Juntando à prevalência de anticorpos naturais, quase 40% dos portugueses terão já alguma proteção. Mais de 93% dos idosos com mais de 80 anos já têm a 1ª dose, 76% as duas. A vacinação de maiores de 60 anos, que representaram 96% das mortes, deve ficar concluída a 23 de maio, ficando por chamar quem já teve covid-19.