No que a matéria de justiça diz respeito a comunicação social deve ser considerada um elemento fundamental num Estado de Direito, sendo que através do seu trabalho sério, ético, responsável, empenhado (características da grande maioria dos seus profissionais) permite revelar informações e casos que sem a sua ação nunca chegariam ao conhecimento da opinião pública e da justiça, garantindo assim o propósito de serviço público e de informação isenta e verdadeira.
No entanto a Comunicação Social está sujeita ao mercado e às dinâmicas próprias do mundo empresarial e agindo num mercado concorrencial, tem de adotar estratégias comerciais que assentem no lucro, conquistando o máximo de espectadores possíveis para garantir a sua viabilidade económica, abrindo a porta a várias perversões na atividade da comunicação.
Algumas dessas perversões estão na celeridade de obter notícias o que leva a que a urgência de dar a notícia antes de todos seja feita em muitos casos à conta da ausência de confirmação dos factos, de fontes inexistentes, ausência de rigor na informação, traduzindo-se por vezes numa atuação que viola os deveres profissionais de rigor, objetividade e verdade, criando na opinião pública a perceção de que a realidade é o que se lê nas notícias, quando nem sempre assim é.
Esta conduta é uma forma de alguns meios de comunicação social condicionarem a realidade uma vez que transmitem ideias através da formulação ou divulgação de opiniões, promovem o debate, recolhem e editam as informações, selecionam as notícias (que querem) e que, pela sua difusão, irão constituir tema de discussão mediático, representando este o grande poder da comunicação social, poder esse sujeito a muito pouco escrutínio.
Assistimos por vezes a condutas criticáveis de alguns órgãos de comunicação social quando abordam casos relacionados com a justiça sem critério, usando a constante e permanente especulação e o uso de sugestão opinativa que acaba por representar danos tremendos para os envolvidos e para a própria justiça, lesando irremediavelmente direitos como a honra, a reputação, o bom nome, a presunção de inocência, a reserva da vida privada ou o simples direito à verdade.
Quando a comunicação social aborda matérias da esfera da Justiça deve considerar o princípio fundamental de que a investigação judicial exige provas concretas e não basta apenas a probabilidade de existência de factos de que se tenha conhecimento por fontes, validadas muitas vezes pelo critério subjetivo de quem pretende fazer a notícia que vende mais.
Quem divulga as notícias exige urgência na sua difusão e esta pressa nem sempre garante um critério apertado na recolha e confirmação dessa informação, podendo perverter o objetivo de informar com verdade e rigor.
No extremo oposto da necessidade urgente de agir temos a justiça que requer serenidade, isenção, ponderação, rigor na apreciação dos factos, tempo para a recolha, apreciação da prova e para a tomada de decisão justa, dentro do enquadramento legal e constitucional.
A justiça, ao contrário da comunicação social, não pode prescindir do exercício do contraditório, de modo a aproximar-se da verdade. A Justiça nunca poderá ser “justa” se tiver como base da verdade o boato, as especulações, conversas relatadas por interpostas pessoas, informações veiculadas por fontes com mais ou menos influência e cuja idoneidade e interesses são pouco claros, como vemos fazer alguns órgãos de comunicação social.
Estas condutas levam-nos a assistir vezes demais a espetáculos perfeitamente criticáveis onde são feitos autênticos julgamentos públicos onde os visados, mesmo que mais tarde venham a ser absolvidos pela justiça, na memória popular já foram condenados aos olhos da população que foi induzida, pela comunicação social, a acreditar numa condenação que, em muitos casos, não teve nem nunca terá lugar.
Não compete à comunicação social ser cúmplice de um qualquer prevaricador ou criminoso. Mas tão pouco lhe compete ser “adjunta” do Ministério Público, “assessora” de um qualquer Magistrado e muito menos ser “parte” de uma qualquer equipa de investigação criminal.
A competência da comunicação é clara e como refere o estatuto do Jornalista, “deve informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo e demarcando claramente os factos da opinião, abstendo-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência.”
Deve ainda procurar ter jornalistas com formação própria quando se fala de matérias de justiça, garantindo assim a função social do jornalismo, da formação e divulgação da notícia com base em preceitos irrebatíveis e assentes na ética e deontologia que sempre se exige às demais profissões.
A comunicação social tem um papel fundamental na relação dos cidadãos com a justiça, mas não lhe compete a ela fazer “a Justiça”. Por outro lado, a justiça deve promover uma relação saudável com os media, mas também ela não deve instrumentalizar a comunicação social, em proveito próprio, para tentar conquistar mediaticamente objetivos que não consegue por via do Direito.
Resta-nos a esperança numa série de competentes profissionais da comunicação social, capazes de mitigar e eliminar as desconfianças e antagonismos que possam existir entre a Justiça e os órgãos de Comunicação Social, garantindo a função social de informar com rigor e verdade, ajudando assim, de facto, ao exercício da Justiça.
Gestor e Mestre em Ciência Política