Os leitores continuam a sentir o apelo da sua leitura mordaz da vida portuguesa. Desapareceu há pouco mais de um ano este historiador empenhado, tão cáustico na sua intervenção pública, um intelectual que se desmanchava, aquele que mais angustiadamente exprimiu ao longo das últimas décadas a desolação diante de um país que via alegremente entregue à sua deriva, desprovido de um destino ou até de um sentido trágico. Na sua posição sobranceira, VPV soube imprimir o tom de um leal antagonista, elegendo inimigos para, ao opor-se-lhes de forma indómita, traçar esse contraste que permite ler por dentro da desilusão uma outra coisa, uma esperança nesse país que não fica tão longe assim deste, mas no qual viveríamos todos melhor. Foi um dos grandes e mais cativantes personagens secundários da nossa vida pública nas últimas décadas. E, ao longo de 15 meses, até à sua saúde se ter deteriorado no final de 2019, o jornalista João Céu e Silva extraiu-lhe a sua derradeira crónica. Através de uma série de entrevistas, o balanço da investigação histórica a que VPV se dedicou emerge para uma revisão da matéria dada, aprofundando alguns temas e detendo-se mais alongadamente sobre figuras a quem não chegou a dedicar a atenção que sentia ser-lhes devida. Nem a História é uma bengala, nem a biografia se intromete de forma descabida, nem o gancho da atualidade se impõe desaforadamente. Sem excessos de intimidade, neste livro o leitor é convidado a juntar-se ao cronista na casa de Lisboa onde cresceu e à qual regressou muitos anos depois, para que as opiniões sejam examinadas e fundamentadas, para que não se diga que VPV era apenas essa inteligência treinada para fugir em sentido contrário. O ressentimento tem, assim, a oportunidade de se explicar, de nos falar de um país que se foi esvaziando de qualquer promessa, fugindo a responsabilidades, tornando-se a sua própria viúva, orgulhosa do seu luto, mas incapaz de guardar a memória do que foi exatamente que se perdeu.
Em que período decorreram estas 43 entrevistas?
De novembro de 2018 a janeiro de 2020. Foi um período de uns 15 meses.
Surpreendeu-o o tipo de atenção de que VPV foi alvo na imprensa após a morte?
Como é costume sempre que entre nós morre uma figura de relevo, todos fazem obituários fabulosos, derramam memórias, recordam momentos passados com a figura, que assim passa a vulto. Aconteceria no final desse ano com Eduardo Lourenço algo semelhante. Embora me pareça que a maioria das pessoas desconhecem a sua obra – uma obra crucial –, mas quando morre descobre-se que, afinal, era uma figura muito lá de casa – de todas as casas.
Como soube da notícia?
Estava fora do país quando soube da morte do Vasco. Telefonaram-me do Diário de Notícias a pedir um obituário e eu disse que não o iria fazer porque não conseguia. Demorei uma semana a preparar o texto que sucederia ao obituário… Entretanto, surpreendeu-me todos os elogios de que foi alvo. Não é que não fossem merecidos.
Como é que o justifica?
Apesar de ele ser um homem de direita, as suas posições dividiam-se de forma lúcida pelo espectro político, e quando era preciso elogiar alguém, mesmo que fosse uma figura política como o António Costa, por exemplo, que não era do seu quadrante, ele fazia-o. Mas compreendo que tenham sentido a sua morte, pois as pessoas estavam a despedir-se de uma personagem forte, que sabia agitar as águas. E parece-me que disso até os portugueses gostam – de alguém polémico, que não tem medo de dizer o que pensa.
A memória acaba por ser benevolente com as personalidades mais duras, mas o certo é que, hoje, no espaço do comentário, o que parece predominar são os jogos florais do bom-senso, e há uma certa tibieza que não associamos ao perfil do Vasco Pulido Valente.
Para usar uma expressão do próprio – quando comentava programas como o Eixo do Mal ou o Governo Sombra –,esses comentadores vão até onde é possível, até a um ponto que não deixe de ser cordato segundo os ditames sociais, como se tudo se passasse num grande salão, e ninguém quisesse que o chá fosse virado sobre o colo de ninguém. São presenças que observam sem ultrapassar qualquer linha vermelha. Mas se compararmos esses comentadores com o que foi fazendo o Vasco, até mesmo no seu último ano, no Diário que escreveu para o Público, parece-me que ele recorta um perímetro à parte.
Qual era a principal diferença na sua intervenção?
Muitas vezes se ouvia das pessoas a acusação de que ele estava afundado no século XIX, e que era dali que ia buscar todo o seu quadro de referências e exemplos. Mas se o fazia não era por acaso. O que lhe importava era mostrar que muitos dos acontecimentos com que lidávamos estavam engatilhados ou repercutiam acontecimentos ocorridos há algumas ou até várias décadas. Mesmo neste livro, Uma Longa Viagem com Vasco Pulido Valente, o maior capítulo é dedicado ao Salazar, uma figura que, sendo embora decisiva no nosso século XX, só tinha merecido dele um artigo de umas 15 páginas, um pequeno ensaio, tendo ficado para depois um estudo mais profundo. Aproveitou esta oportunidade para desenvolver a sua aproximação a este protagonista, e sobretudo quis explicar como a sua ascensão foi promovida pela Igreja, para defender os interesses desta, e também pelos ex-monárquicos, por todo um sector que desejava que os momentos de intempestividade da República tivessem um fim, e que houvesse alguém que impusesse um rumo e a paz no país.
E quanto aos comentadores que nos restam?
Acho que o maior problema é terem-se transformado em tudólogos, comentando tudo, todos os assuntos, sem grande pudor. Vemos isso acirrado agora pela pandemia, em que há vários transformados em epidemiologistas, especialistas da pandemia. O Vasco morre a 21 de fevereiro, e a questão só viria a impor-se a partir de março, mas eu gostaria de ter lido um texto dele sobre o que foi esta pandemia entre nós. O traço que quanto a mim o diferenciava mais dos restantes comentadores era ter uma perspectiva histórica que lhe permitia traçar paralelos de forma mais abrangente e saber antecipar a forma como as coisas se saldariam.
Conta no livro que a sala onde entrevistava VPV além de muito quente tinha um ambiente irrespirável por causa dos cigarros que fumava em sucessão, e conta ainda que ele ia sempre mandando abaixo alguma garrafa de whisky… Como foi, a nível do trato pessoal, relacionar-se com ele durante os últimos meses?
Deixe-me fazer uma ressalva. O Vasco tinha sempre um copo de whisky ao lado. (Bushmills era a marca que preferia ultimamente.) Mas não bebia assim tanto. Era uma espécie de companhia, um apoio ou um amigo que tinha ali ao lado, o cão que lhe dava ânimo. Fumar sim, fumava uns atrás dos outros. Mas não me lembro de o ter visto beber mais do que meio copo de whisky nas três horas que passávamos juntos. Metade das entrevistas decorreram no Inverno, ele tinha a casa aquecida, e fumava imenso. Às tantas eu já levava rebuçados de mentol para me impedir de passar o tempo todo a tossir. Não me sentia à vontade para lhe pedir que fumasse menos, mas a sala ficava de facto irrespirável. Não estou a usar a expressão de um ficcionista; ao fim daquelas três horas o ambiente era esse.
Como decorriam as sessões?
Começavam às cinco e meia e terminavam pelas oito e meia da noite. Inicialmente, perdíamos um quarto de hora com as questões da actualidade, coisas da vida política. Ele gostava de falar no que se estava a passar no país, no estrangeiro, como o Brexit, e o que ficava gravado era o que se seguia, normalmente entre as seis e as oito. A maior parte das gravações têm entre pouco menos de duas horas e duas horas e meia. Ele já organizava o pensamento para terminarmos pelas oito e depois repegava certos temas e afinava alguns aspectos. Quanto ao nosso relacionamento, considerando que nos dávamos bem, nunca quero que haja um trato íntimo. Desde logo, havia entre nós uma diferença geracional, e ele considerava-me alguém mais novo… Mas se foi fácil o relacionamento entre nós foi porque ele percebeu o meu interesse em falar de História. No final de cada sessão, discutíamos os temas e períodos sobre os quais nos debruçaríamos na seguinte, e eu preparava-me. Ia estudar a época, as figuras. Não admitia que ele me fizesse alguma pergunta e que eu não estivesse a par dos protagonistas ou dos eventos. Assim, refrescava sempre o meu conhecimento histórico antes dos nossos encontros.
Como caracteriza a relação que tinham?
Embora me tenha confidenciado pormenores e estórias da sua vida pessoal, das suas relações, e ainda que tenhamos rido muito com algumas coisas, algo que eu não antecipava, não entendo a nossa relação como algo que resvalou para a intimidade. Desde logo porque sabia qual era o meu papel, e esse era o de questioná-lo. Não queria aparecer como o tipo simpático, que tem a mão nas costas do outro. Queria ter margem para exercer o contraditório, se fosse preciso. Portanto, não nos tornámos amigos. Não iríamos beber um copo agora que o trabalho ficou feito. E ele, apesar dos seus 76 ou 77 anos, não se prestava a um falso entendimento sobre o que ia ali fazer aquela pessoa que queria entrevistá-lo. A lucidez foi sempre o traço que cerzia o seu carácter.
A entrevista, enquanto género, define regras que, embora um tanto artificiais, são bastante produtivas, pois definem os papéis – o de quem se dispõe a ouvir e faz as perguntas e o de quem se dispõe a revelar-se e a responder. Sente que este género abre caminho a um tipo de relacionamento que no âmbito social é muito difícil de ocorrer, com a definição dos papéis a estabelecer uma confiança muito particular? Como vê o seu papel enquanto entrevistador ao longo dos anos e o que é que descobriu sobre este formato?
Esta série – Uma Longa Viagem com… – nasce por acaso. Entrevistei o Álvaro Cunhal três vezes, e surgiu depois uma data que servia como pretexto para que lhe fizesse uma nova entrevista, mas ele recusou-se. Na altura, eu ia fazer um trabalho para o antigo suplemento DNa, e quando ele me diz que não eu decidi pegar nos romances e contos que ele assinava com o pseudónimo Manuel Tiago e, lendo-os, ir buscar neles as grandes linhas narrativas. Ao mesmo tempo, fui para o Alentejo, onde passei três dias, entrevistando pessoas que pudessem ser os protagonistas daquelas histórias. Como ele não me dava a entrevista, fui ver se encontrava a gente que o havia inspirado. Falei com operários, camponeses, ex-parlamentares, figuras que tinham alguma relação com o Partido Comunista, e que tinham conhecido ou tido alguma relação com o Cunhal. Ao ouvi-lo tive uma sensação de fantasmagoria, como se as pessoas que estava a entrevistar estivessem capturadas em certos momentos dos livros dele. Quando regressei, ao começar a escrever a reportagem, pedi autorização à Editorial Caminho para reproduzir parágrafos dos livros do Manuel Tiago intercalados com a reportagem. Assim, aquela sensação fantasmagórica ficou plasmada na reportagem, em que, a par das perguntas e respostas que eu obtive, havia aquelas passagens dos contos ou romances, as quais surpreenderam os leitores, ao ponto de se questionarem se eu não tinha andado a recolher testemunhos que reflectissem os excertos do trabalho literário do Cunhal. O trabalho que deveria ter ocupado quatro páginas, foi-se alargando, e o Pedro Rolo Duarte, que era o responsável pelo suplemento, disse-me para escrever à vontade. Dos trinta mil caracteres inicialmente pedidos, acabei por ir aos 160 mil caracteres. E o Pedro limpou todo o suplemento, toda a edição dessa semana, e, usando desenhos do Álvaro Cunhal, publicou o texto na íntegra. O suplemento ficou ocupado pelo texto, o que foi uma enorme surpresa para mim. No dia em que o suplemente saiu recebi convites de duas editoras para reproduzir a reportagem em livro. É assim que começa esta série “Uma Longa Viagem”. A partir daí, esqueci a reportagem e comecei a procurar os protagonistas para os entrevistar. E porquê? A grande dificuldade é encontrar pessoas que considero que justificam uma longa viagem. A ideia é que a viagem seja suportada pelas obras que o escritor tenha escrito. São os livros que definem o trajecto, e a vida do entrevistado vai aparecendo, ganhando dimensão, mas na relação com a obra. Assim, misturo crítica literária e reportagem, a entrevista e a crónica… Há uma hibridização dos géneros que dá origem a estes livros.
Depois de Cunhal, como foi escolhendo os protagonistas que se seguiram?
O segundo trabalho foi sobre o Miguel Torga. Era um autor um pouco esquecido e que eu quis investigar, até pelo interesse que sentia em entender melhor a figura e a obra. A seguir foi o José Saramago, depois o António Lobo Antunes, seguido do Manuel Alegre e, por fim, chega agora o VPV. Em todos estes trabalhos a relação com o entrevistado manteve-se dentro de um registo bastante profissional. No caso do Lobo Antunes, para dar um exemplo, as sessões decorriam à sexta-feira, das três às cinco e meia, e a seguir íamos lanchar num café do outro lado da rua. Nesses momentos, dava-me folga para deixar o posto do entrevistador, e as nossas conversas iam ao futebol ou andavam pelas generalidades que a mesa do café permite. Mas durante as sessões nunca me dei margem para abandonar o meu papel. Já com o Saramago era de todo impossível passar para um registo mais pessoal, transigir no que toca ao guião daqueles encontros. Ele nunca facilitou, e era, nesse aspecto, uma pessoa que se levava muito a sério. O próprio VPV não transigia muitas vezes. O que ele fazia, e isso até me facilitou a vida, era interromper, pedindo para abrir um parêntesis, e então lá contava uma história que se relacionava de algum modo com aquilo de que estávamos a falar. É normal que os jornalistas queiram tornar-se próximos dos autores e das pessoas que entrevistam. É normal que gostem de cultivar essa proximidade, e que possam até acreditar que se gera algum grau de intimidade, mas eu defendo-me disso. Prefiro que o trabalho seja o foco, para não perder a capacidade de distanciamento e ser tão objectivo quanto possível no interrogatório que faço. A entrevista parte do meu desejo de saber as respostas para perguntas que me parecem importantes. À margem disso, se formos tomar um café, então posso abandonar a posição do investigador, mas isso já não é o mais importante. E na próxima sessão isso não interfere com o meu trabalho.
O VPV vai dando a entender que a liberdade que tem enquanto colunista se deve a não ter nada a perder. De resto, desde muito cedo há uma certa desilusão na forma como vê o seu próprio percurso, como parece acumular fracassos ou sentir que não esteve à altura das oportunidades que lhe foram dadas. Depois há também uma certa dose de fatalismo, lamentando a morte de Sá-Carneiro e uma espécie de vida interrompida ou de projectos que ficaram pelo caminho. Por fim, entende que frustrou a sua vocação de historiador por andar metido com o jornalismo, como se fosse uma amante que conseguiu sempre desviá-lo. Entende esta desilusão como algo que lhe dá força na hora de ter uma intervenção polémica?
A expressão “não tenho nada a perder” não é completamente justa. Ninguém lhe perdoaria que numa crónica ou num comentário político desse um passo em falso. Em certo sentido, acho que se diz isso é porque entende que o seu percurso, a partir de certa altura, o colocava à margem desses cálculos e dessas jigajogas que fazem os comentadores que pretendem insinuar-se nas esferas do poder.
O que ele não tinha então era nada a provar?
Sim, ele tinha uma posição em que não estava a deitar a rede para apanhar os leitores, porque eram os leitores que queriam saber o que ele pensava disto e daquilo, e isto porque levavam em conta o seu juízo. De resto, ele gozava daquele que é o maior privilégio ao alcance de qualquer jornalista, que é ter quatro dias ou mais para escrever uma coluna de jornal. Então, pode escrever uma frase manhã, outra à tarde, e de véspera podia burilar aquilo tudo até a coisa ficar como ele quer, pronta a servir. Ele passa a mão pela espuma dos dias e encontra ali qualquer coisa, e quando se lança na crónica não o faz de ânimo leve, pois, ainda que não tenha nada a perder, faz questão que o que escreve reflicta o seu pensamento, e, por isso, há ali tanto um exame das questões como do seu discernimento. Pensa cada texto como uma lição. A certa altura questionei-o sobre essa frustração que ele arrastava de não ter realizado este ou aquele projecto, e, designadamente no que toca à vida política, ele diz-me que as suas duas lutas a seguir ao 25 de Abril foram contra o comunismo e contra o militarismo. E diz também que é um personagem secundário, mas que as zaragatas em que se meteu não eram secundárias, mas foram conflitos decisivos. Assim, embora considere que não tem a estatura ou o perfil, até o espírito de sacrifício ou a atitude de subserviência necessários a desempenhar um papel protagónico, esse carácter e compromisso que precisam de ter figuras de primeiro plano, como Mário Soares, como Sá Carneiro, ele não consegue acatar os códigos e as regras, e sendo, para ele, a obediência algo tão difícil, sente que falhou a carreira na política que chegou a ambicionar. Ainda assim, conseguiu estar na segunda linha, nomeadamente, ao lado de Sá Carneiro, e foi a morte deste que impediu que tenham desenhado um horizonte para a direita neste país, um contributo e formação ideológica que não ficasse assombrado pelo Antigo Regime. No geral, ele olha para a sua vida, para os tempos que passou em Oxford, tendo chegado a sonhar ficar por lá, olha e sente que houve algo de sentimental nele que o impediu de ir mais longe. No caso, foi a saudade da sua terra. E depois houve os desencontros, não só a morte de Sá Carneiro, mas com Mário Soares. E esse olhar perde-se entre coisas que foi apenas pela metade, como o tempo que passou como secretário de Estado da Cultura, ou a breve passagem pela Assembleia da República… Mesmo enquanto jornalista, o tempo em que esteve no Independente, em que escreveu os textos que ninguém perdia, o seu olhar lançava-se sobre o passado e havia um misto de orgulho e de embaraço.
E, chegando aos nossos dias, o que pensava ele do espaço mediático?
Ele via um grande conflito neste espaço que ele dominou. Entendia que, hoje, a opinião impressa tinha perdido força e alcance, ao passo que qualquer comentador que dissesse umas alarvidades na televisão adquiria um certo estatuto e ganhava destaque. Ao mesmo tempo, as redes sociais assustavam-no, porque entendia que se tratava de um fenómeno incontrolável e do qual nunca se extraía um juízo. Ninguém tinha já capacidade de estar à frente ou sequer à margem, mas destacando-se, pensando sobre os temas, sobre estas dinâmicas que fazem das redes sociais um território que engole tudo, mas não digere nada. Preocupava-o ver como atrás de uma opinião podia formar-se um batalhão, mas que, cada um, há só maneira, acabava por desentender e diluir a ideia. Estava a assistir ao que lhe parecia ser a derrocada do senso crítico. Era como se gestão dos problemas já não passasse por um exercício de inteligência, ficando tudo entregue às emoções.
E a idade nisto era um factor?
Era naquele sentido do já não ter nada a perder. Uma pessoa com setenta e tal anos, ao confrontar-se com a actualidade digital, em que vê tudo quantificado em milhares likes, sente que se perde a perspectiva, e ele, já não tinha pé neste contexto. Mas se pensarmos nisso, ao longo dos anos, a sua intervenção pública, se fosse transferida para os actuais modelos digitais, traduzir-se-ia em milhões de likes, e não num momento passageiro, mas ao longo de décadas. Ele não tinha nada a perder porque ele vinha de trás e percebia como actual já não tinha grande coisa para lhe oferecer.
Entre nós há uma tendência dos autores, dos escritores, políticos ou figuras públicas para se engrandecerem, falarem do seu percurso em tom grandioso. Mas VPV fazia o contrário. Dava a entender que tinha andado um pouco aos trambolhões pela vida, e se tinha algum orgulho, dizia ele, era de, na sua vida pessoal, ter tido conquistas decisivas, como o ter-se casado com uma mulher muito bonita… E, nas entrevistas consigo, quando o foco se volta para ele, se valoriza as causas, raramente se atribui a si mesmo altos valores.
Tenho a certeza que ele se tinha em alta conta. Simplesmente, não achava necessário andar a pavonear-se. A maior parte das figuras da nossa cultura, não me parecem tão preocupadas em falar de um trabalho em que estão envolvidas, mas querem passar logo que possível a falar de si mesmas, colocar-se em evidência, exigindo reconhecimento público a todos os momentos. O Vasco não estava para isso. Ele queria realmente discutir o trabalho, a sua investigação, ir ao fundo das questões, não andar com rodeios. E distinguia-se pela forma como aceitava a crítica e se mostrava disponível para o confronto, sem sentir que estava a ser posto em causa. Nisso ele era muito diferente. Em grande medida o conflito dele prende-se com nunca ter conseguido conciliar as tantas pulsões que havia nele num único percurso, e, por isso, sentia que se tinha perdido algures no caminho. Mesmo enquanto historiador, se a grande ambição dele era escrever uma grande obra sobre o nosso século XIX, e se se penitenciava por não o ter conseguido fazer, eu não estou de acordo. Acho que todos os livros dele, contando com mais alguns artigos que foi escrevendo e publicando de forma algo dispersa, dão-nos essa vasta perspectiva do século XIX. Mas isto não está de acordo com os parâmetros que ele definiu, e nem lhe foi possível estar vários anos dedicado exclusivamente a investigar e escrever essa obra. O que ele fez foi ir cercando essa presa em vários momentos, atacando-a em fascículos, em diversas abordagens com o foco em diferentes épocas, e foi assim que acabou derrubando o animal. Já como mentor ideológico da direita, ele falhou em implantar esses fundamentos, primeiro por causa da morte de Sá Carneiro no acidente em Camarate, depois porque a evolução do PPD para o PSD e depois a evolução deste nunca lhe deu margem para substantivar as políticas que foram sendo seguidas, nomeadamente por Cavaco Silva, segundo qualquer orientação ideológica. Assim, dos vários caminhos que ele tentou, acabou por se destacar como colunista, triunfando dentro de uma certa indefinição. Ora, o que ele lamentava era que os livros de História tenham aparecido quase como acidentes fortuitos que marcaram o seu percurso em vez de serem as traves mestras da sua intervenção. Há, assim, uma constelação de fantasmas que o atravessam e se vão cruzando com ele, pessoas que ele podia ter sido, mas que foi desapontando enquanto o desejo de intervir através do comentário político era aquilo que o tinha preso à mesa e numa atitude de vigilância constante ao presente. Talvez porque, no fim, ele precisava dessa relação mais imediata, mais próxima, o que não quer dizer que fosse como ver-se ao espelho, deixando-se enganar pelas reacções que tivesse. Olhava para o que fazia como a expressão do seu pensamento e isso podia ir contra o que a generalidade das pessoas pensavam, mas não era um cálculo feito de antemão apenas para ser provocador.
Fala-se do desejo que ele teve a certa altura de ser mentor de uma direita que ultrapassasse a sombra do Estado Novo. Curiosamente, nas reacções de aproximação e distanciamento face a VPV vemos configurar-se a direita portuguesa nos seus diferentes modos. Se VPV se considerava um rato de biblioteca, temos por cá os ratos de sacristia, as figuras mais conservadoras e que gostam de representar a sociedade lisboeta mais queque, as famílias e os seus nomes e tradições, depois temos uma direita mais militantemente reacionária, na qual ele não se revia, pois sempre foi capaz de dar o braço a torcer quando sentia que a esquerda assumia uma posição mais sensata, e depois há esta direita um tanto à deriva, a direita liberal que vai atrás da última réstia de esperança do capitalismo como o melhor dos modelos para uma sociedade mais justa. Neste balanço, em que a direita de VPV parece não vingar, como é que o enquadra na própria crise das direitas e que deu margem ao aparecimento da extrema-direita?
Pode ser uma expressão um pouco forte, mas acho que para o VPV a actual direita era um vómito. Todas elas. E a grande frustração dele ao não ter conseguido construir um pensamento de direita em Portugal, era ter ficado por estabelecer uma base ideológica e cultural em que ele se pudesse rever. Ele saía muito pouco de casa e via muita televisão. Lembro-me de vários comentários que ele fazia a coisas a que tinha assistido nos noticiários, as opiniões dos comentadores, etc., e percebia-se que se sentia extremamente desagradado com a baixeza a que tem descido a direita. Não é que ele estivesse do lado de António Costa, com o Bloco de Esquerda ou o PCP, mas considerava que esta visão de esquerda e até de extrema-esquerda defendiam melhor o país na sua actual situação do que as formações de direita. Dou um exemplo. Há uns três anos, esteve internado com um problema de saúde grave, e quando deixou o hospital tinha a plena consciência de que aquele pessoal médico, e sobretudo os enfermeiros, não eram já os enfermeiros de há 40 anos, que pouco ou nada sabiam da profissão, que não eram profissionais mal formados… Saiu de lá com a sensação de que a estes enfermeiros, que se especializaram, que estavam a prestar cuidados, muitas vezes com grande sacrifício pessoal, pessoas com uma imensa experiência e que eram fundamentais para a vida dos hospitais, não podia dar-se um salário miserável sem nem lhes dar a possibilidade de se sentarem à mesa das negociações onde se discutem os orçamentos para os cuidados de saúde. Ele considerava que a direita não acautelava estas situações, e que eram partidos como o Bloco de Esquerda e o PCP, ou até a facção mais à esquerda dentro do PS, que davam voz a estas pessoas. Ele considerava que a classe política não tinha compreendido que os tempos haviam mudado, não olhando lá para fora, vendo como os populismos estavam a vingar, como o Partido Socialista francês tinha desabado e tantas outras forças políticas tradicionais estavam em crise, e não percebia que não analisassem a realidade política tendo em conta essas transformações. A visão dele, e designadamente do PSD e do seu actual líder, Rui Rio, era de que o partido se tinha conformado com uma liderança sem visão, a qual vinha já do tempo do Cavaco Silva, que, segundo ele, era um homem que tinha tido imensas oportunidades de reformar o país e que apenas tinha sido capaz de o dotar de infraestruturas. Ele sentia, assim, que a direita já não representava os anseios das classes profissionais que estruturam a nossa sociedade.
Um dos aspectos curiosos deste livro é a forma como, através das opiniões de VPV, vai revisitando outras figuras, algumas das quais foram protagonistas destas suas viagens, como o Álvaro Cunhal, o José Saramago, o Lobo Antunes… Como é que foi este livro para si enquanto balanço do seu próprio trabalho, no confronto com a visão de VPV?
Em relação a uma figura como Álvaro Cunhal eu nunca poderia rebater as afirmações de VPV sobre ele pois tratava-se de uma visão muito própria e, enquanto jornalista, não estou interessado em entrar num debate e tentar convencer o entrevistado. Da mesma forma que, se entrevisto o Álvaro Cunhal, o que tentei foi dar aos leitores as respostas para as perguntas que eles possam ter sobre assuntos relevantes. A dada altura, VPV diz-me que as obras do Saramago não prestavam, e que tinha ido até ao “Evangelho Segundo Jesus Cristo”, porque toda a gente falava dos livros e ele se sentia na obrigação de os ler, mas que depois desse tinha desistido. Questionei-o sobre o “Memorial do Convento”, e ele achava o livro uma coisa horrível, comparando a arquitectura literária do Saramago à arquitectura do Tomás Taveira. Quando conhecia um assunto com mais profundidade sentia-me à vontade para o confrontar com opiniões que me pareciam descabidas. Conheço a obra toda do Saramago, conheço a obra toda do Lobo Antunes, como a da Agustina, e, portanto, era normal que o questionasse sobre estas, mas tirando a do Saramago, que me senti compelido a defender da devastadora visão do VPV, o que sentia era que não estava ali para pôr em causa as opiniões dele sobre literatura, ou mesmo até sobre certas figuras políticas, como o Ramalho Eanes. O contraditório é para ser exercido, mas não de tal modo que estivesse a impor a minha visão. Não quis sair destes encontros a sentir-me bem comigo mesmo por ter tentado convencer VPV de que o Saramago era um grande escritor. Seria ingénuo pensar assim. Evidentemente, VPV era um homem de opiniões fortes e não seria eu a mudar a sua percepção das coisas. Só pessoas ingénuas ou parvas é que acham que durante uma entrevista vão alterar o pensamento dos outros. O que lhe disse, e acho que foi isso que o seduziu, era que queria começar em 1807, com a saída de D. João VI para o Brasil e as invasões francesas, e que viríamos até à actualidade, tentando perceber como é que isso nos formou, que aspectos é que foram decisivos para sermos hoje quem somos. E, tirando as vezes em que o questionava sobre o Passos Coelho, pessoa sobre a qual se recusava a falar, nunca houve nenhuma outra figura ou tema que ele tenha evitado.
No livro há três momentos da história recente em que a visão dele incide de forma bastante acutilante e contrária à perspectiva geral que se tem destes. Primeiro, temos o 25 de Abril, que ele diz ter sido uma precipitação dos militares, que depois concluíram que só com reformas profundas ao nível do regime é que garantiam que eles próprios não ficavam na berlinda, sofrendo represálias, e que foi por conveniência que houve uma aproximação ao PCP, para marcar esse corte decisivo com o antigo regime. O outro momento é a forma como encara a chegada de Álvaro Cunhal, falando numa reencenação da chegada de Lenine à Estação Finlândia, e fala depois do desejo dele de realizar por cá uma revolução bolchevique. Por fim, há um terceiro momento em que o testemunho dele se afasta da percepção que hoje temos do que aconteceu em Camarate, recusando que a morte de Sá Carneiro tenha sido outra coisa que não um acidente, o qual, de resto, se deveu à atitude temerária dele, que tinha sido avisado de que o avião estava com uma avaria, tendo ele decidido mesmo assim desafiar o destino e embarcar. Considera que o livro é importante para reabrir estas feridas ou olhar de forma diferente para elas?
Sim, concordo com essa perspectiva. As afirmações de VPV são muito importantes para limparmos certas ideias que trazemos na nossa cabeça, que de algum modo desenvolveram a sua infecção no processo histórico e que nos impedem de olhar de forma distante e fria para os acontecimentos. Vamos ao 25 de Abril. Ele considera que se tratou de um pronunciamento militar, e tinha-me já antes falado de 120 pronunciamentos militares desde 1807, tendo o século XIX sido fértil nestes, alguns mal outros bem sucedidos, com algum peso ou absolutamente irrelevantes. Nesta análise histórica e fundamentada que ele faz, VPV defende que foi depois desse pronunciamento que, no dia a seguir, saiu à rua o povo português, tomando conta desse pronunciamento, e transforma-o numa revolução. É então que os militares ficam sem saber o que fazer. Ele que era muito entendido em questões militares, considera que os Capitães de Abril não têm preparação ideológica e não sabem o que hão de fazer àquilo. É aí que entram os partidos, as organizações de esquerda, como é o caso do PCP, com o Álvaro Cunhal a tentar seduzir uma parte dos capitães para o seu lado. Daí essa encenação de que VPV fala. E é curioso que ele confesse que não se tinha dado conta, senão anos mais tarde, de que aquilo trazia à lembrança esse outro momento histórico – a chegada de Lenine à Estação Finlândia. Qualquer historiador gosta de ter um protagonista com o perfil e a dimensão do Cunhal, que era alguém com um grande estatuto intelectual, uma grande preparação política, e que durante aqueles meses, e até ao 25 de Novembro, quase consegue mudar o destino daquilo que tem sido Portugal. Isso revela-se para VPV um objecto de estudo interessantíssimo. No entanto, ele não lhe dá a importância que dá a Mário Soares, considerando que foi este que se afirmou como a grande figura do pós-25 de Abril, e quem realmente instala a democracia. Nenhum outro protagonista foi tão referido por ele nas nossas entrevistas, ninguém lhe mereceu tanta reflexão, não só no que pensava ou dizia como no que fazia.
Voltando ao 25 de Abril, e ao processo revolucionário…
Ele acha que os militares aderem à deriva do Verão quente de 1975 por terem medo de sofrer represálias. Diz VPV que é preciso não esquecer que os militares entregaram um império, e isto não se faz impunemente. Portanto, era certo que alguma coisa acabaria por lhes ser cobrado, que lhes seriam assacadas responsabilidades caso alguma coisa desse para o torto, nomeadamente nas ex-colónias. Assim, era preciso desestabilizar de tal modo o regime, fazê-lo soçobrar decisivamente, instalando o poder popular, promovendo nacionalizações, para que já não viesse a ser questionado o golpe do 25 de Abril.
E quanto a Sá Carneiro?
Na comparação com Mário Soares, Sá Carneiro não tinha, para VPV, a mesma preparação, o mesmo suporte ideológico, mas estava precisamente empenhado em dar esteio a uma nova direita, e uma que se distanciara do antigo regime e que conseguiu rapidamente ganhar terreno nas eleições. Quanto à questão do atentado, a perspectiva aqui é muito interessante, pois se hoje o 25 de Abril é tão glorificado por todas as vozes e não são admitidas grandes críticas, também se criou à volta de Camarate uma espécie de mito, em que a larga maioria das pessoas adere à tese de que houve um atentado, embora depois não seja muito claro quem foram exactamente os responsáveis. Já VPV considera que se tratou tudo de uma idiotice, da húbris do Sá Carneiro que escolheu ignorar os avisos que lhe foram feitos e se meteu no avião. Mas não vale a pena, por outro lado, ir muito além nesta exploração pois este é um caso que foi já alvo de imensa especulação e o que há é que aguardar para que se dissipem as dúvidas que persistem e venha a ficar claro o que de facto ocorreu. Mas acho importante que uma pessoa que presenciou aquilo, e que manteve uma perspectiva lúcida e crítica diga sem rodeios que tudo não passou de um acidente, desmistificando a coisa.
Estes vossos encontros estenderam-se a mais de 40 sessões, com três horas cada, e isso dá mais de 120 horas de conversa, o que certamente dava para um livro com o triplo da extensão deste… Assim sendo, qual foi o critério que usou no processo de edição, e que dificuldades ou conflitos sentiu na preparação desta versão final?
As gravações das conversas que fomos tendo deixaram um arquivo gigantesco e que não cabe num livro. Hoje as editoras querem livros até 300 páginas, e isso já é uma aposta bastante generosa. Para poder ser vendido a um certo preço, o livro não deve ultrapassar um certo número de páginas. Não é que estes entraves me tenham sido colocados, mas havia a ideia de que o livro do Lobo Antunes, que tinha 500 páginas e saiu em 2007, hoje em dia teria um número de páginas exagerado para uma obra deste género. Foi à medida que fui transcrevendo as entrevistas que se me foi sugerindo um fio, uma organização para o livro, sendo que, desde cedo, quis privilegiar um factor cronológico. Se não queria fazer uma biografia de VPV, não queria que o livro deixasse de o integrar na cronologia dos eventos históricos, designadamente a partir de 1941, que é quando ele nasce. No início, ele mostrou grande oposição a que ele fosse aparecer no livro, mas expliquei-lhe que não se trataria de fazer dele um personagem ou um protagonista, mas apenas alguém que está a seguir a história, e, em certos momentos, a acompanhá-la ou até a participar nela. Quando eu estava a gizar a organização do livro, a iniciar o trabalho de edição, ele morre. As nossas sessões estavam praticamente a chegar ao fim. Podíamos ter prolongado o processo. Tinha-se tornado um hábito para nós. Ele gostava de conversar e eu de o ouvir, e podíamos ter encontrado mais dez segundas-feiras para rever em maior pormenor alguns aspectos deste trabalho, ou mesmo para seguirmos pintando fora dos contornos deste. Mas depois da morte, a minha grande preocupação era conseguir, nas 300 páginas, reproduzir a voz dele, para que os leitores sentissem que estavam naquele sofá, a ouvi-lo, sendo importante para mim representar os grandes acontecimentos do século XIX, e, no seguinte, dar o devido destaque ao capítulo dedicado a Salazar, tendo VPV feito questão de arrumar as suas ideias sobre ele. E estou satisfeito com o que fiz, pois julgo que o leitor pegará no livro e o lê sem parar. Julgo que a história ficou bem contada. A história com h pequeno e a História com H grande. E porque é que as coisas estão a correr bem, tendo tido a notícia que chega hoje às livrarias a segunda edição? Porque é que os eleitores esgotam uma primeira edição em três semanas? Porque sentem que estão a ouvir aquela voz que conheciam, sentem que voltam ao seu convívio e lhes é dada a oportunidade de também o questionarem como eu fiz. As minhas perguntas foram pensadas nesse sentido. É certo que tinha material para 700 páginas, mas aí creio que teria perdido muitos leitores a meio. Mesmo os mais interessados, os leitores mais apaixonados, mesmo esses acabariam por sentir uma perda de entusiasmo. O que quis foi reproduzir linha fundamental do pensamento e da investigação de VPV e, ao mesmo tempo, contar também a história dele. Afastarmo-nos um pouco da sombra mais polémica e saber o que está lá atrás, falar do ambiente em que cresceu, de que sonhou ser espião, que quis ter um Aston Martin como a Françoise Sagan, que abandonou a escrita de um romance embora não tenha abdicado inteiramente das suas pretensões literárias, de que, noutro momento, chegou a ambicionar ter sido um arqueólogo… Assim, aquela figura tão séria, tantas vezes dura, mostra um outro lado, dá-se a si mesmo folga para alguns desabafos, e estando já a viver um confinamento imposto pela sua saúde, confessa que aquilo de que mais gostaria, pouco antes do fim, era de ter liberdade para se meter no carro e ir a Évora para ir a um bom restaurante de comida alentejana.