Foi notícia esta semana que a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde detectou num “relatório preliminar” várias falhas no plano de vacinação contra a Covid-19, e que das 272 entidades de saúde fiscalizadas, designadamente autarquias, lares, segurança social, INEM, e hospitais, 169 levantaram suspeitas de vacinação indevida. Nesse caso, a Inspecção-Geral considerou como indevidas a administração de doses da vacina a membros de conselhos de administração de serviços de saúde, administradores de entidades do sector privado e social e profissionais de saúde não envolvidos na assistência a doentes, os quais se traduziram num efectivo prejuízo para doentes prioritários que necessitavam da vacina e que tinham direito a recebê-la na primeira fase. Desses casos, apenas 41 teriam sido remetidos para o Ministério Público.
A primeira questão a colocar é porque é que o referido “relatório preliminar” não é integralmente disponibilizado ao público pela Inspecção-Geral das Actividades de Saúde. Na verdade, perante o enorme alarme social que causou a sucessiva denúncia de casos de vacinação indevida, o mínimo que se exigiria é que se respeitasse o princípio da transparência da administração no âmbito da saúde pública e houvesse um conhecimento integral de todos os casos de desvio de vacinas e a explicação de como ocorreram. Na verdade, qualquer desvio de vacinas da primeira fase colocou em risco utentes prioritários, tendo o público o direito de saber o que se passou.
A segunda questão a colocar prende-se com o elevadíssimo número de entidades de saúde em que se verificaram casos suspeitos de desvio de vacinas, a saber 62% das entidades fiscalizadas. Trata-se de um número enorme, que nos faz recear que se tenha generalizado a prática de desvio de vacinas nas entidades de saúde no nosso país. Ora, perante dados desta ordem torna-se absolutamente essencial que seja imediatamente explicado quais as situações suspeitas, que consequência todas elas tiveram e que medidas foram adoptadas para que tal não se volte a repetir.
Ao contrário do que tem sido referido, o processo de vacinação em Portugal encontra-se muito atrasado, estando apenas integralmente vacinada 8,1% da população. Habitualmente efectua-se a comparação com os outros países europeus, mas essa comparação é enganadora. Na verdade, a própria União Europeia tem a vacinação muito atrasada, e ainda assim o nosso país está abaixo da sua média. Estamos em qualquer caso muito longe de países como Israel (com 57,9% da população integralmente vacinada), Estados Unidos (27,8%) e Reino Unido (17,8%). Por esse motivo, qualquer irregularidade no processo de vacinação é extremamente grave e deve ser denunciada e esclarecida, não podendo os relatórios que as referem ficarem sem divulgação.
A situação dramática que neste momento atravessam países como a Índia ou o Brasil relativamente à pandemia Covid-19 demonstram bem os riscos de não termos o processo de vacinação conduzido de forma eficaz e concluído rapidamente. O Estado tem por isso o dever de informar adequadamente os cidadãos sobre a forma como este processo de vacinação está a decorrer, que irregularidades ocorreram e de que forma foram sancionadas. E para isso é fundamental que todos os relatórios elaborados pelas entidades fiscalizadoras do processo de vacinação sejam divulgados publicamente.