TGV deixa Bragança mais longe de Lisboa

TGV deixa Bragança mais longe de Lisboa


Pedro Nuno Santos prometeu ligação ferroviária moderna do Porto para Vila Real e Bragança, mas especialistas ‘desconfiam’ do projeto. Com o fim da ‘ponte aérea’, a melhor alternativa de Trás-os-Montes para chegar à capital é… ir a Espanha e apanhar comboio rápido para Madrid. Em Aveiro, estações fazem ‘estalar’ polémica.


«Para nós é claro que o comboio tem de chegar às capitais de distrito (…) esperamos levar o comboio a Vila Real e Bragança porque Portugal não é só Lisboa e Porto». A ambição nas palavras do ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, para o futuro ferroviário da região de Trás-os-Montes esbarra na «desconfiança» dos especialistas. No âmbito do Plano Ferroviário Nacional (PFN) – apresentado na última semana –, o Executivo colocou em cima da mesa a construção de uma linha moderna e rápida capaz de ligar Porto a Vila Real e Bragança (sem se recorrer às antigas linhas de via estreita do Corgo e do Tua). Utópico? Manuel Margarido Tão, doutorado em economia de transportes pela University of Leeds e docente e investigador na Universidade do Algarve, é um dos que considera esta possibilidade, «no mínimo, pouco realista». 

Ao Nascer do SOL, o especialista explica que  «se trata de um projeto muito complicado» e admite que tem «muitas reservas que possa vir a acontecer». «É muito difícil… Estamos a falar de um projeto feito de raiz, que precisa de profundas e demoradas avaliações, autorizações, intervenções, que poderiam demorar até várias décadas. Já para não falar da questão topográfica, dificílima de contornar, sobretudo na ligação entre Porto e Vila Real», descreve Manuel Margarido Tão. É possível, hoje, tirar alguma conclusão? «Pelo investimento que é necessário, por questões técnicas, pelo próprio retorno desta aposta (ou, neste caso, a falta dele), arriscar-me-ia a dizer que essa ligação não vai acontecer, pelo menos nos próximos 30/40 anos», afirma.
O PFN aponta 2030 para a conclusão da Linha de Alta Velocidade (LAV) que vai ligar Lisboa e Porto em 1h15 (sem as paragens previstas em Leiria, Coimbra e Aveiro); segue-se uma nova linha Aveiro-Mangualde (com passagem por Viseu) – que abre as portas a uma ligação internacional via Vilar Formoso – e, por último, Vila Real e Bragança. Quando, isso, não se sabe. 

A visão ambiciosa de Pedro Nuno Santos refere uma «rede ferroviária nacional muito para lá de 2030 e cujas obras serão lançadas conforme houver orçamento». A meta: « ligar todas as capitais de distrito e as cidades com mais de 20 mil habitantes», garante o ministro. 

Bragança cada vez mais perto da capital… espanhola

Considerando que o comboio não vai chegar a Bragança nas próximas décadas – a não ser pelo Pocinho e Moncorvo (uma ligação à rede por sul que poderia eventualmente ser mais rápida) –, significa que a capital do nordeste português vai perder na próxima década o meio de ligação mais rápido e eficiente ao centro e sul do país: o avião. O PFN pretende decretar ponto final  nas pontes aéreas entre Lisboa e Porto, Lisboa e Bragança e Faro e Bragança, tal como confirmou Pedro Nuno Santos: «[Quero que] as viagens de avião com menos de 600 quilómetros desapareçam da Europa», indo ao encontro das metas ‘verdes’ comunitárias. 

A ser assim, Bragança ficará cada vez mais isolada. Dando-se o caso curioso de a cidade transmontana estar cada vez mais próxima de Madrid e cada vez mais longe de Lisboa. A partir do segundo semestre de 2021, para a capital espanhola basta apanhar o comboio AVE(Comboio de Alta Velocidade espanhol) na novíssima estação de Otero de Sanabria – que só aguarda os pareceres das vistorias técnicas para começar a funcionar (e  é convenientemente denominada Porta Sanabria/Trás-os-Montes) –, uma pequena aldeia do outro lado da fronteira, a 35 quilómetros da cidade portuguesa. Daí, Madrid fica apenas a menos de duas horas. Lisboa continua a cinco de carro. O melhor para chegar à capital portuguesa, será, pois, ir apanhar o comboio a… Espanha. E comprar bilhete para Lisboa.
Entretando, a construção da nova linha ferroviária de alta velocidade entre Lisboa e Porto encontrou uma ‘pedra no sapato’ em Aveiro.

Polémica em Aveiro

Desde que o projeto surgiu,  Aveiro tem lutado para que a sua estações possa receber o comboio. Com os avanços do PFN, a Plataforma Cidades, um movimento cívico que reúne personalidades da cidade para debaterem assuntos da região, tem dedicado várias sessões à ferrovia na região. Numa delas, foi convidado Carlos Fernandes, vice-presidente da Infraestruturas de Portugal (IP), que anunciou os diferentes planos para criação e reformulação da ferrovia a nível nacional. O responsável abordou a criação da ligação de alta velocidade entre Aveiro e Mangualde (com paragem em Viseu), que serviria no futuro para conectar a rede portuguesa com Espanha, via Vilar Formoso e Salamanca, até Madrid, e a posição de Aveiro na LAV entre Lisboa e o Porto. E foram precisamente as declarações sobre a LAV que fizeram ‘estalar’ a polémica na região.

Apesar de Carlos Fernandes garantir, em várias ocasiões, que a IP pretende que o comboio de alta velocidade passe no centro da cidade de Aveiro, através de uma ligação entre a nova linha e a linha do Norte, Alberto Souto de Miranda, antigo autarca da cidade e antigo secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, discordou do plano e criticou as sugestões da IP, num artigo de opinião publicado no Diário de Aveiro, onde alertou que a cidade, conforme os planos assinalados pelo vice-presidente da IP, ficará sem estação CAV. «Ao contrário do que a narrativa apresentada pelo Sr. Eng. Carlos Fernandes anuncia, Aveiro não vai ser uma ‘estação CAV’. Pelo contrário: Aveiro fica despromovido para um ramal da velha linha do norte», pode-se ler no texto, depois replicado em outros jornais regionais. O ex-autarca aproveitou ainda para referir que «Aveiro ficará entre Oiã e Canelas, não entre Lisboa e o Porto», uma realidade que, garante, é «má […] quer para Aveiro, quer para o próprio CAV». O Nascer do SOL tentou falar com Alberto Souto, mas o político não quis prestar declarações.

Em causa está a proposta da IP, anunciada por Carlos Fernandes, de construir uma estação da LAV na zona de Canelas, 20 quilómetros a norte de Aveiro (que, para já, só tem garantida a ‘viabilidade técnica’), que teria uma dupla função: primeiro, de atravessamento, e segundo, servir como local de embarque e desembarque de cruzamento entre os comboios vindos de Mangualde (e eventualmente Espanha) e a LAV entre Lisboa e o Porto – o que foi interpretado por alguns atores locais como estando a colocar em causa os planos que preveem que as paragens do comboio de alta velocidade ocorram na estação no centro da cidade (com o TGV português a lá chegar pela linha do norte, transformada em via de acesso). Acontece que, se a linha de Mangualde cruzará com a linha entre Lisboa e Porto em Canelas, a estação central de Aveiro pode deixar de receber os comboios da LAV, já que isso obrigaria a uma paragem dupla na região. 

O responsável da IP vincou, ainda na sessão da Plataforma Cidades, que seria «quase impossível levar esta linha, em caraterísticas de traçado de alta velocidade, até à estação central de Aveiro sem ter impactos brutais sobre o território. […] Seria muita expropriação, além de viadutos e túneis com impacto fortíssimo sobre o território», o que, garante, levou a IP a preferir optar por um desvio pela Linha do Norte para permitir a entrada dos comboios de alta velocidade no centro de Aveiro. A utilização das mesmas linhas utilizadas pelos comboios Intercidades, Alfa-Pendular e Urbanos pode, no entanto, custar alguns minutos à travessia, não estando disponível em todas as viagens de alta velocidade entre Lisboa e o Porto (embora não especificando Carlos Fernandes qual seria a frequência de passagem destes comboios no centro de Aveiro).