Grande(s) Sérvia/Croácia/Albânia ou pequena Europa?


A falta de liderança permite a propagação de ideias perigosas. A vontade de redesenhar as fronteiras políticas nos Balcãs ocidentais voltou em força.


A União Europeia está a perder poder de atracção e perdeu já muita da pouca capacidade tida no influenciar da tomada de decisões por países terceiros, mesmo aqueles com os quais partilha fronteiras. No que respeita aos Balcãs ocidentais, o currículo da UE é mau. Foi a ausência de política europeia comum e eficaz e o reconhecimento precipitado da independência da Eslovénia e da Croácia por parte da Alemanha que serviu, logo em Janeiro de 1991, de pretexto à primeira das guerras que se sucederam no território da ex-Jugoslávia. A solução, manu militari, para a Bósnia Herzegovina (BH) e para o Kosovo só chegou pela mão dos EUA. No entretanto a Federação Russa desinvestiu na região, abandonando os escombros da “Grande Sérvia” sonhada por Milosevic. Já a Turquia de Erdogan redobrou os esforços para promover a enésima versão da “Grande Albânia” ao mesmo tempo que procurou apadrinhar os muçulmanos nos Balcãs, com destaque para a BH.

Em Fevereiro circulou um non-paper com o inócuo e repetitivo título “Western Balkans – the way forward” mas com um conjunto de propostas explosivas em matéria de modificação de fronteiras. A ideia base do documento é de uma simplicidade assustadora: concluir o processo de desintegração da ex-Jugoslávia, separando as várias componentes da BH cujo conúbio seria tão artificial quanto o das nações que integravam a Jugoslávia de antanho. A Croácia absorveria o sector da BH maioritariamente habitado por croatas, o mesmo acontecendo às regiões de maioria sérvia (a República Srpska) que passariam a integrar a Sérvia. Contentado este Estado seria possível que Belgrado aceitasse a integração do Kosovo na Albânia (sendo provável que algumas zonas do Kosovo, maioritariamente habitadas por sérvios passassem para a Sérvia). A comunidade muçulmana da BH tornar-se-ia um Estado independente. E, suprema glória da UE, todos poderiam viver felizes para sempre e integrar a UE, juntando-se à Eslovénia e à Croácia.

A simplicidade do plano esquece as agruras da história, os acordos internacionais em vigor (a começar pelo de Dayton) e a extrema dificuldade da concretização, supostamente pacífica, deste redesenhar de fronteiras. A grande-Albânia resultante da integração do Kosovo também ambicionaria absorver, no todo ou em parte, a Macedónia do Norte, por sinal um Estado membro da NATO, à semelhança da Albânia e da Grécia. Atenas veria nesta possibilidade o regresso do império otomano (e sim a Turquia também integra, com dificuldade, a NATO). O Sanjaco, território entre o Montenegro (que também integra a NATO…) e a Sérvia tem comunidades albanesas e bosníacas que muito gostariam de se juntar à mãe-pátria. A invocação da cláusula de legítima defesa colectiva que consta do artigo 5º do Tratado de Washington passaria a ser feita contra um outro Estado-membro da NATO…

O non-paper circula com uma marca de água de um site de informação esloveno e muitos consideram que o primeiro-ministro Janez Janza não é estranho à divulgação e menos ainda ao projecto de dissolução pacífica da BH. A Eslovénia ocupará, a partir de 1 de Julho, a presidência do Conselho da UE. Na anterior e primeira presidência, em 2008, Liubliana alimentou o projecto de condenação dos crimes comunistas. A ideia dissolveu-se sob a chuva de Bruxelas. Temo que a re-definição das fronteiras políticas nos Balcãs, um projecto com tradições locais, seja mais duradouro e muito mais perigoso.

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990


Grande(s) Sérvia/Croácia/Albânia ou pequena Europa?


A falta de liderança permite a propagação de ideias perigosas. A vontade de redesenhar as fronteiras políticas nos Balcãs ocidentais voltou em força.


A União Europeia está a perder poder de atracção e perdeu já muita da pouca capacidade tida no influenciar da tomada de decisões por países terceiros, mesmo aqueles com os quais partilha fronteiras. No que respeita aos Balcãs ocidentais, o currículo da UE é mau. Foi a ausência de política europeia comum e eficaz e o reconhecimento precipitado da independência da Eslovénia e da Croácia por parte da Alemanha que serviu, logo em Janeiro de 1991, de pretexto à primeira das guerras que se sucederam no território da ex-Jugoslávia. A solução, manu militari, para a Bósnia Herzegovina (BH) e para o Kosovo só chegou pela mão dos EUA. No entretanto a Federação Russa desinvestiu na região, abandonando os escombros da “Grande Sérvia” sonhada por Milosevic. Já a Turquia de Erdogan redobrou os esforços para promover a enésima versão da “Grande Albânia” ao mesmo tempo que procurou apadrinhar os muçulmanos nos Balcãs, com destaque para a BH.

Em Fevereiro circulou um non-paper com o inócuo e repetitivo título “Western Balkans – the way forward” mas com um conjunto de propostas explosivas em matéria de modificação de fronteiras. A ideia base do documento é de uma simplicidade assustadora: concluir o processo de desintegração da ex-Jugoslávia, separando as várias componentes da BH cujo conúbio seria tão artificial quanto o das nações que integravam a Jugoslávia de antanho. A Croácia absorveria o sector da BH maioritariamente habitado por croatas, o mesmo acontecendo às regiões de maioria sérvia (a República Srpska) que passariam a integrar a Sérvia. Contentado este Estado seria possível que Belgrado aceitasse a integração do Kosovo na Albânia (sendo provável que algumas zonas do Kosovo, maioritariamente habitadas por sérvios passassem para a Sérvia). A comunidade muçulmana da BH tornar-se-ia um Estado independente. E, suprema glória da UE, todos poderiam viver felizes para sempre e integrar a UE, juntando-se à Eslovénia e à Croácia.

A simplicidade do plano esquece as agruras da história, os acordos internacionais em vigor (a começar pelo de Dayton) e a extrema dificuldade da concretização, supostamente pacífica, deste redesenhar de fronteiras. A grande-Albânia resultante da integração do Kosovo também ambicionaria absorver, no todo ou em parte, a Macedónia do Norte, por sinal um Estado membro da NATO, à semelhança da Albânia e da Grécia. Atenas veria nesta possibilidade o regresso do império otomano (e sim a Turquia também integra, com dificuldade, a NATO). O Sanjaco, território entre o Montenegro (que também integra a NATO…) e a Sérvia tem comunidades albanesas e bosníacas que muito gostariam de se juntar à mãe-pátria. A invocação da cláusula de legítima defesa colectiva que consta do artigo 5º do Tratado de Washington passaria a ser feita contra um outro Estado-membro da NATO…

O non-paper circula com uma marca de água de um site de informação esloveno e muitos consideram que o primeiro-ministro Janez Janza não é estranho à divulgação e menos ainda ao projecto de dissolução pacífica da BH. A Eslovénia ocupará, a partir de 1 de Julho, a presidência do Conselho da UE. Na anterior e primeira presidência, em 2008, Liubliana alimentou o projecto de condenação dos crimes comunistas. A ideia dissolveu-se sob a chuva de Bruxelas. Temo que a re-definição das fronteiras políticas nos Balcãs, um projecto com tradições locais, seja mais duradouro e muito mais perigoso.

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990