Exercício físico ao ar livre. “Vir correr de manhã  dá-me anos  de vida”

Exercício físico ao ar livre. “Vir correr de manhã dá-me anos de vida”


Apesar da recente reabertura dos ginásios, muitas pessoas continuam a preferir a prática de desporto ao ar livre e, na maior parte dos casos, de manhã bem cedo. Mas quais as razões que levam as pessoas a madrugar para praticar desporto e porquê a opção de o fazer ao ar livre?


São seis e quarenta e cinco, o sol ainda “não acordou” e não existe muito movimento no jardim da Alameda Dom Afonso Henriques, em Lisboa. Ouvem-se os carros a passar, o barulho de persianas a abrirem, e, ao longe, nas janelas dos prédios, acendem-se algumas luzes enquanto não chega a luz da manhã. A esta hora é possível assistir na primeira fila à abertura dos cafés, às entregas do pão quente e ao passeio matinal dos animais domésticos. Mas, assim que o relógio marca as sete horas, enquanto uns ainda dormem, vêem-se os primeiros desportistas a chegar ao jardim e a ocuparem estes espaços verdes.

A ESCOLHA DA MANHÃ Rita (nome fictício), foi uma das primeiras a chegar. Quando abordada, pede desculpa e diz que não pode parar para conversar, pois não quer perder o ritmo. Com os fones nos ouvidos, dá algumas voltas perto da fonte luminosa e, depois, com um sorriso, aproxima-se: “Não posso parar, mas pode-me acompanhar”, convida a médica dentista e fisioterapeuta de 35 anos.

“Faço desporto todas as manhãs. Acordo por volta das seis horas, faço o meu pequeno almoço, espero um pouco pela digestão e venho correr durante uma hora”, descreve. “Aos domingos alargo o horário mais um bocadinho, já que tenho a agenda mais livre”.

A fisioterapeuta revela que, se não praticar desporto todos os dias, o seu corpo começa a dar sinais de alerta: “Eu acho que ele já sente essa necessidade de movimento, pede-me que venha para aqui e que desfrute deste momento da manhã que acaba por ser só meu”.

E acrescenta que enquanto fisiologista pode afirmar que “de manhã é sempre o melhor horário para praticar desporto’’. Primeiro, porque é a essa hora que “temos uma maior disposição para a energia” e depois, porque “de tarde as pessoas deveriam começar a desligar o corpo”, explica.

A OPÇÃO DO GINÁSIO Do lado oposto do jardim da Alameda, de costas voltadas para o Instituto Superior Técnico, vê-se ao longe um homem vestido com um fato de treino cinzento, aparentando estar familiarizado com o jardim. Os seus passos são menos apressados do que os de Rita. Também ele nos convida para o acompanharmos enquanto caminha: “Moro mesmo aqui e não vou ao ginásio por opção”, declara o gestor José Brito, de 54 anos. “Além de não ter nenhum ginásio aqui perto de casa, sabe sempre melhor fazer caminhadas ao ar livre”, acrescenta.

O fator económico também acaba por influenciar essa escolha: “Por mais que os ginásios já estejam abertos é completamente diferente praticar desporto sem pagar nada, ainda para mais usufruindo de um espaço verde como este e outros tantos que existem na capital, e estar a pagar uma mensalidade”, considera. “Ainda por cima agora, que as pessoas estão com os seus rendimentos condicionados”. 

Para José Brito, a questão da hora está relacionada com a gestão do tempo ao longo do dia – a manhã parece-lhe a hora ideal: “Permite-me bom banho e despachar-me com calma para o trabalho”. E é exatamente isso que vai fazer após a conversa: “Muito obrigado e agora vou despachar-me para iniciar mais um dia de trabalho”.

A INFLUÊNCIA DA PANDEMIA Entretanto, o relógio já marca sete e meia da manhã. O cenário tranquilo da madrugada deu lugar ao alarido da pressa para chegar ao trabalho. Ao contrário do anunciado nas previsões meteorológicas, o céu está azul e coisa mais parecida com nuvens são os rastos deixados pelos aviões. Autocarros passam e pessoas correm para os apanhar. Já se veem cães a correrem ofegantes no jardim e as máquinas de exercício comunitário começam a ser ocupadas. Grande parte dos estabelecimentos começam a abrir e, ao subir a fonte luminosa, destacam-se as cores fluorescentes dos fatos de treino utilizados para as práticas desportivas.

Ao lado da fonte, protege do sol pela sombra de uma árvore, encontra-se Joana Bispo, profissional de saúde, de 24 anos, com o seu personal trainer. Também é madrugadora. “Pratico desporto todos os dias. Levanto-me às seis e meia da manhã para fazer exercício das sete horas às sete e quarenta e cinco e depois vou trabalhar”, explica. 

A prática desportiva é uma prioridade na sua vida: “Contribui não só para o meu bem estar físico como também mental”. Até 2020, frequentava assiduamente o ginásio, até que a covid-19 a obrigou a repensar as suas formas de treino: “Nessa altura, senti que fui forçada a fazer exercício em casa, mas acabei por gostar muito. Depois, comecei a utilizar os jardins como forma também de sair de casa e apercebi-me que praticando desporto ao ar livre, acabamos por perder menos tempo do dia em viagens até ao ginásio”. 
Com a abertura dos ginásios, sentiu um misto de emoções. “Apesar de ficar feliz com esta fase de desconfinamento e de saber que os ginásios estão a cumprir com todas as normas de segurança, não me sinto confortável em estar num espaço fechado com tanta gente”.

O DESPORTO COMO RITUAL Às oito e meia o sol começa a queimar e já há muita gente sentada nas esplanadas a tomar o pequeno-almoço. João Malpique, gestor de contas de 27 anos, não faz parte desse grupo. Com uma t-shirt branca, uns calções pretos e auscultadores nos ouvidos faz flexões no meio do jardim. “A prática desportiva é uma coisa que faz parte de mim, do meu dia a dia”, começa. “Antes da pandemia praticava desporto menos vezes, mas quando a prática desportiva passou a ser uma das únicas opções para sair de casa legalmente, comecei a apostar nisso e agora não quero outra coisa!”, exclama energético. “Faz-me sair de casa, mantém-me em forma e dá-me anos de vida”. Para o gestor de contas, frequentar um ginásio nesta altura é uma “no question”. Depois de tanto tempo fechado em casa, não lhe faz sentido “fechar-se” num ginásio. 

A opção pela parte da manhã surge da vontade de evitar grandes aglomerações, pois apesar de gostar de ver pessoas, ao final da tarde “a confusão é muita e eu não consigo encontrar a tranquilidade que desejo para estes momentos”. Nos dias em que se desloca até ao jardim para treinar, acorda às sete e meia da manhã e o seu objetivo é percorrer três voltas à Alameda e fazer 100 flexões.

“Isto acaba por ser quase um ritual que me faz esquecer um bocadinho tudo aquilo por que estamos a passar. Durante esta meia hora de fones nos ouvidos e com a internet desligada, respiro tranquilidade e isso ajuda-me a ir menos irritado para o trabalho, a esquecer os problemas de ontem e a sentir-me realizado por mais um objetivo cumprido: o de acordar tão cedo e ter vindo fazer desporto, enquanto maior parte das pessoas ainda está a dormir”, diz com uma gargalhada. 
Mas esta nova de “viver” e “fazer” desporto tem sido “redescoberta” em todos os cantos do país. São cada vez mais as pessoas que escolhem locais como a praia, a natureza selvagem, jardins e parques para realizarem as suas práticas desportivas.

O CONVÍVIO COM AMIGOS Rui Soares, comercial de 50 anos residente em Ílhavo, é um apaixonado por corrida. Muito antes da pandemia já se tinha aventurado pelo “mundo das maratonas” e, apesar dos seus treinos terem reduzido aquando das regras impostas pela DGS, a persistência e rigor não desapareceram. Continuou a treinar três a quatro vezes por semana: “Durante a semana corro menos quilómetros e faço-o em estrada. Ao domingo faço mais e opto pela areia da praia”. Tal como João, acredita que treinar de manhã contribui para uma maior tranquilidade no trabalho e, por isso, mantém o hábito de acordar às sete horas para poder aproveitar esse tempo da melhor forma. “Gosto de correr porque trabalho mais relaxado, desfruto do nascer do sol e aproveito melhor o dia. Dá-me a ideia de que o dia é mais longo e por isso tenho mais para viver”, declara.

“E é especial porque esses treinos de manhã permitem-me reunir com amigos que partilham a mesma paixão que eu. Bebemos um café, arrancamos e, depois da corrida, sentamo-nos novamente a confraternizar e a repor energias com bebidas frescas e amendoins”, afirma. “Com a azáfama do dia a dia, provavelmente não poderíamos fazê-lo ao final da tarde”, remata. 

DESPORTO À BEIRA MAR Neuza Silva, empresária de 34 anos, apaixonou-se pelo atletismo há três anos quando procurava alguma coisa que lhe “permitisse ser livre” e a fizesse sentir “distante da pressão do trabalho”. Desde então, pratica trail running como desporto principal e complementa-o com ciclismo, yoga e reforço muscular com pesos, seis vezes por semana. “Correr pela natureza é indescritível e extremamente desafiante e, por ser uma atividade de elevada dificuldade e esforço físico, tenho que praticar outros desportos como complemento para prevenir também as lesões”, explica.

A natureza que descreve como “mágica e maravilhosa” é o seu lugar de eleição para as práticas de exercício físico. A empresária conta que, enquanto corre na natureza, sente que “todas as nossas células ficam predispostas a absorver a energia exterior e há uma produção brutal de hormonas que contribuem para a nossa felicidade e alívio de stresse diário”. Quando é possível, desloca-se até Lousã ou ao Gerês para matar a sede de mais natureza.

A manhã é também a altura do dia escolhida por Neuza para praticar desporto. “Treinar de manhã não nos cansa nada, pelo contrário, produzimos uma energia e uma predisposição para enfrentar um dia de trabalho muito forte”, defende. E, apesar de muita gente não apreciar, a desportista adora chuva e isso é mais uma motivação para sair de casa e ir correr. “Gosto muito de correr longas distâncias. Por enquanto, o confortável para mim são distâncias até os 40 quilómetros”, revela.

O QUE DIZ A CIÊNCIA SOBRE O DESPORTO AO AR LIVRE? Uma investigação realizada em 2011 pela Universidade de Exeter, no Reino Unido, interrogou se “a participação em atividades físicas em ambientes naturais ao ar livre tem um efeito maior no bem-estar físico e mental do que a atividade física em ambientes fechados”. O exercício ao ar livre mostrou-se mais estimulante que o desporto “entre quatro paredes”, potenciando nos participantes do estudo “a maior vontade de repetir”.

Além da motivação que aumenta em espaços ao ar livre, esta opção é mais prática e acessível. Outro estudo, de 2021, levado a cabo pelas universidades da Califórnia e de San Diego, concluiu que “as pessoas que preferem as atividades ao ar livre são mais ativas”. A investigação foi feita com base na monitorização da atividade física de 896 pessoas com mais de 66 anos durante três anos e facilmente se percebeu que “minutos de atividade física moderada e vigorosa foram significativamente maiores naqueles que eram fisicamente ativos pelo menos uma vez por semana ao ar livre em comparação com aqueles que eram fisicamente ativos apenas em ambientes fechados”.

O contacto com a natureza tem um resultado vitalizante no resto do dia, influenciando a maneira como nos relacionamos, como reagimos às situações, como pensamos e como nos sentimos. “Vinte minutos de contacto com a natureza resultam numa melhoria significativa de vitalidade para o resto do dia”, revela um estudo de 2009 da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos.

Já os resultados obtidos pelos investigadores de Glasgow, que em 2012 analisou os hábitos de exercício de duas mil pessoas indoor e outdoor, permitiram perceber que, para além da vitalidade, os benefícios para a saúde mental podem aumentar até 50% quando o exercício físico é feito ao ar livre, ao invés de espaços fechados como o ginásio. Segundo o investigador que liderou o estudo, Richard Mitchell, “o cérebro perceciona o ambiente natural envolvente e desliga mais facilmente, o que ajuda a pessoa a acalmar e aliviar o stresse”.

E quem diz stresse, pode também dizer ansiedade. Os especialistas consideraram a frequência da prática e perceberam que “fazer exercício fora de portas uma vez por semana produz resultados visíveis e os ganhos na prevenção de doenças do foro mental como a depressão são consideravelmente maiores para quem faz desporto ao ar livre duas ou mais vezes”.

A manhã passou “a correr”, os fatos de treino de cores fluorescentes começam a desaparecer e provavelmente cada um dos desportistas foi para casa preparar-se para mais um dia de trabalho. A pandemia da covid-19 levou muitas coisas, mas também ajudou muitos a descobrirem o gosto pelo desporto ao ar livre e rompeu com a ideia de que o treino “à séria” é feito dentro das quatro paredes de um ginásio.