Aplanada a terra dos campos de arroz que espreito para lá do Sado, espero pacientemente a chegada dos mosquitos, agora que começa a ser tempo de eles surgirem ao lusco-fusco e, sedentos, nos procurarem as veias, logo agora que elas tanta falta nos fazem para absorverem a prometida vacina que nos libertará a todos dos cárceres das nossas próprias casas.
Na Guatemala, nas Honduras, na Costa Rica, atravessei florestas densas cujas árvores choviam de humidade acumulada e nos encharcavam de suor os corpos revestidos com casacos impermeáveis. Desde esse tempo que passou com a velocidade própria dos anos, lembro-me de como os mosquitos ferravam através da roupa deixando inchaços brutos nas costas e nos braços, uma comichão tão grande como essa de aturar gente mesquinha e mal formada que se esconde atrás de famílias pequeno-burguesas a armar ao pingarelho, algo que me coube em sina desde que resolvi lutar com toda a força da minha ternura de pai esbulhado contra um grupelho de aldrabões que se dispôs, com o descaramento próprio dos patifes, a mentir colegialmente numa sala de tribunal perante a passividade de uma juíza cobarde e conivente.
Eu, que como arguido, era o único autorizado por lei a faltar à verdade, senti de novo as pápulas de melgas gigantes a massacrarem-me o corpo e a pachorra. Vem de longe a velha frase. “Hay gobierno? Se hay, soy contra!” Mas, hoje, já não é nenhuma actividade anarquista que nos põe de costas às avessas com o governo e com as suas medidas restritivas que nos tolhem a liberdade e nos aproximam da canalhice de um Pinochet. Políticos e juízes, funcionários do Ministério Público e guardas republicanos incutem-nos o medo. “O medo vai ter tudo/quase tudo/e cada um por seu caminho/havemos todos de chegar/quase todos/a ratos”, escreveu O’Neill. Sim, apenas a ratos. As ratazanas já tomaram conta dos cadeirões do poder, sobretudo desse poder judicial que se queria livre e independente e não consegue esconder a cauda grossa e infecta por debaixo da bainha das becas.