Quem tudo quer


Se enganar os outros é em si uma tarefa desonesta, enganar-se a si próprio é ainda mais corrosivo, lamentável, deplorável.


A propósito de uma notícia que dava conta da existência de novas burlas contra os mais fragilizados, ocorreu-me falar sobre honestidade. Honestidade que é inerente ao caráter e que está implícita na nossa forma de pensar, de agir, de ser.

Se por um lado a vida parece ensinar-nos que “quanto mais esperto melhor”, o tempo revela que a esperteza – característica dos fracos – nada pode contra a sabedoria. Aliás, a esperteza revela ser a maior fraqueza dos que se julgam fortes.

Mas se enganar os outros é em si uma tarefa desonesta, enganar-se a si próprio é ainda mais corrosivo, lamentável, deplorável. Porque os políticos também nos contam histórias, há um em particular – Teófilo Braga – de quem me recordo e que imortalizou uma pérola da tradição popular portuguesa:

Era uma vez um cego que tinha ajuntado no peditório uma boa quantia de moedas. Para que ninguém lhas roubasse, tinha-as metido dentro de uma panela, que guardava enterrada no quintal, debaixo de uma figueira. Ele lá sabia o lugar e quando ajuntava outra boa maquia, desenterrava a panela, contava tudo e tornava a esconder o seu tesouro. Um vizinho espreitou-o e, vendo onde é que ele enterrava a panela, foi lá e roubou tudo. Quando o cego deu pela falta do dinheiro ficou calado, mas começou a dar voltas ao miolo para ver se arranjava uma estratégia para reaver o seu dinheiro. Pôs-se a considerar quem seria o ladrão e achou lá para si que era por força o vizinho. Tratou de ir à fala e disse-lhe: — Olhe, meu amigo, quero-lhe dizer uma coisa muito em particular, que ninguém nos oiça. — Então que é, senhor vizinho? — Eu ando doente e isto há viver e morrer. Por isso, quero dar-lhe uma parte de algumas moedas que tenho enterradas no quintal, dentro de uma panela, mesmo debaixo da figueira. Já se sabe, como não tenho parentes, há de ficar tudo para vossemecê, que sempre tem sido um bom vizinho e me tem tratado bem. Ainda tenho aí, num buraco, mais umas moedas de ouro e quero guardar tudo junto, para o que der e vier. O vizinho, ao ouvir aquilo, agradeceu-lhe muito a intenção. Naquela noite tratou logo de ir enterrar outra vez a panela de dinheiro onde ela estava, com a intenção de apanhar o resto do tesouro.

Quando bem o entendeu, o cego foi ao sítio, encontrou a panela e trouxe-a para casa e então é que se pôs a fazer uma grande caramunha ao vizinho, dizendo: — Roubaram-me tudo! Roubaram-me tudo senhor vizinho.

Daí em diante guardou o seu dinheiro num lugar onde ninguém, por

mais pintado que fosse, conseguiria dar com ele.

Assim concluímos que enquanto formos espertos, facilmente encontraremos quem o seja mais do que nós. Já falar de sabedoria é outra história.

 

Professor e investigador


Quem tudo quer


Se enganar os outros é em si uma tarefa desonesta, enganar-se a si próprio é ainda mais corrosivo, lamentável, deplorável.


A propósito de uma notícia que dava conta da existência de novas burlas contra os mais fragilizados, ocorreu-me falar sobre honestidade. Honestidade que é inerente ao caráter e que está implícita na nossa forma de pensar, de agir, de ser.

Se por um lado a vida parece ensinar-nos que “quanto mais esperto melhor”, o tempo revela que a esperteza – característica dos fracos – nada pode contra a sabedoria. Aliás, a esperteza revela ser a maior fraqueza dos que se julgam fortes.

Mas se enganar os outros é em si uma tarefa desonesta, enganar-se a si próprio é ainda mais corrosivo, lamentável, deplorável. Porque os políticos também nos contam histórias, há um em particular – Teófilo Braga – de quem me recordo e que imortalizou uma pérola da tradição popular portuguesa:

Era uma vez um cego que tinha ajuntado no peditório uma boa quantia de moedas. Para que ninguém lhas roubasse, tinha-as metido dentro de uma panela, que guardava enterrada no quintal, debaixo de uma figueira. Ele lá sabia o lugar e quando ajuntava outra boa maquia, desenterrava a panela, contava tudo e tornava a esconder o seu tesouro. Um vizinho espreitou-o e, vendo onde é que ele enterrava a panela, foi lá e roubou tudo. Quando o cego deu pela falta do dinheiro ficou calado, mas começou a dar voltas ao miolo para ver se arranjava uma estratégia para reaver o seu dinheiro. Pôs-se a considerar quem seria o ladrão e achou lá para si que era por força o vizinho. Tratou de ir à fala e disse-lhe: — Olhe, meu amigo, quero-lhe dizer uma coisa muito em particular, que ninguém nos oiça. — Então que é, senhor vizinho? — Eu ando doente e isto há viver e morrer. Por isso, quero dar-lhe uma parte de algumas moedas que tenho enterradas no quintal, dentro de uma panela, mesmo debaixo da figueira. Já se sabe, como não tenho parentes, há de ficar tudo para vossemecê, que sempre tem sido um bom vizinho e me tem tratado bem. Ainda tenho aí, num buraco, mais umas moedas de ouro e quero guardar tudo junto, para o que der e vier. O vizinho, ao ouvir aquilo, agradeceu-lhe muito a intenção. Naquela noite tratou logo de ir enterrar outra vez a panela de dinheiro onde ela estava, com a intenção de apanhar o resto do tesouro.

Quando bem o entendeu, o cego foi ao sítio, encontrou a panela e trouxe-a para casa e então é que se pôs a fazer uma grande caramunha ao vizinho, dizendo: — Roubaram-me tudo! Roubaram-me tudo senhor vizinho.

Daí em diante guardou o seu dinheiro num lugar onde ninguém, por

mais pintado que fosse, conseguiria dar com ele.

Assim concluímos que enquanto formos espertos, facilmente encontraremos quem o seja mais do que nós. Já falar de sabedoria é outra história.

 

Professor e investigador