Foi uma época em que havia esperança no futuro próximo e em que se sentiram os efeitos do liberalismo económico e social num país severamente bloqueado pelas experiências do socialismo (pouco democrático) e da instabilidade política governativa como resposta às décadas de atraso do fascismo bacoco anterior e posterior à “primavera marcelista”.
Já sei que haverá gente a dizer exactamente o contrário. Que tem por ele os piores sentimentos e lembranças. É aquilo que ocorre, somente, com grandes e marcantes personalidades. Ou se adoram ou se detestam. A esses, que dele não gostam, digo desde já que não vale a pena incomodarem-se com argumentos, pois nada há que possam dizer que me convença do contrário daquilo que penso e que, de resto, costumam contrariar sempre os factos. E todos os factos são inequívocos e avassaladores:
1 – Quanto ao exercício de altos cargos políticos de soberania nacional, Cavaco Silva é o campeão da democracia portuguesa. Pois só mesmo em ditadura alguém cumpriu mais anos de mandatos do que ele no desempenho das funções de Presidente da República e de Primeiro-Ministro, ambas durante 10 anos. Para além do cargo de Ministro das Finanças no Governo de Francisco Sá Carneiro.
2 – Do ponto de vista eleitoral – próprio das democracias pluralistas e liberais – basta relembrar aos mais desatentos e esquecidos que Cavaco Silva foi o único político português, de todos os tempos, a vencer, directamente, cinco das seis eleições a que se submeteu, quatro das quais com maiorias absolutas de mais de 50% dos votos dos eleitores, tendo perdido apenas uma eleição com 46% e a que equivaleram os votos de mais de dois milhões, quinhentos e noventa e cinco mil portugueses. Uma derrota eleitoral, porquanto, com mais votos do que qualquer uma das duas vitórias do actual Presidente da República!
3 – Relativamente à acção politica desenvolvida, Cavaco Silva, foi, de longe, o melhor Primeiro-Ministro que Portugal conheceu desde o absolutismo pombalino. Foi com ele que, em democracia, o país mais se liberalizou e se desenvolveu económica e socialmente, com crescimentos económicos anuais que atingiram mais de 7%, como facilmente se comprova pelos índices disponíveis para consulta de quem os quiser ver. Valores esses que, para mal dos nossos pecados, nunca mais voltaram a registar-se após a sua saída do cargo de PM em 1995. A década que marcou os seus três Governos, conhecida por "cavaquismo", foi indiscutivelmente a época de ouro do pós 25 de Abril de 1974.
4 – Em 1985 – apenas onze anos volvidos sobre o 25 de Abril – Portugal contava já com dezasseis Governos, entre provisórios e constitucionais, o que mostra bem a bagunça que era este país com Governos a caírem que nem tordos à média de um por cada nove meses. A palavra "estabilidade" foi trazida por Cavaco Silva ao léxico político nacional em 1987 com a conquista da primeira maioria absoluta de um só partido político e, consequentemente, o primeiro Governo democrático a chegar ao final de uma legislatura. Foi ainda preciso esperar por 1989, para que, à semelhança da queda do muro de Berlim, tivesse caído, também em Portugal, o socialismo terceiro-mundista e absolutamente bloqueador do desenvolvimento do país, constante no espírito e na letra da Constituição da República Portuguesa de 1976 e que a revisão de 1982, apesar da sua utilidade ao mandar recolher definitivamente os capitães “abrilistas” aos quartéis e pôr fim ao "Conselho da Revolução" – esse órgão de soberania tipicamente cubano –, foi ineficaz para abrir Portugal, em tempo útil e bem mais favorável, às coisas mais básicas da vida numa sociedade moderna e liberal. Tais como a existência de iniciativa privada na economia nacional e, imagine-se, na comunicação social, onde não havia televisão privada e onde a rádio e a imprensa eram todas estatais, com excepção da Rádio Renascença e do Jornal Expresso, respectivamente.
5 – Enquanto PR, Cavaco Silva, teve de lidar com uma autêntica "quadrilha" de governantes que atiraram o país para o desastre económico e financeiro, liderados por um PM que está, hoje, a braços com a justiça, acusado de corrupção e da prática de outros crimes, num processo judicial que, independentemente do seu desfecho, só nos pode, enquanto portugueses, deixar tristes e constrangidos por tudo aquilo ter acontecido nas nossas barbas e nada conseguirmos ter feito para o evitar… Pior de tudo foi o que nos custou (e continua a custar) ter de pedir ajuda externa para pagarmos as dívidas de todos aqueles desmandos – que muitos continuam nos dias de hoje a pretender branquear –, tendo atirado milhares de portugueses para a emigração, para o desemprego e para a miséria, ao mesmo tempo exigindo um esforço financeiro em impostos, taxas e mais taxas, aos milhões de pessoas que, mantendo os seus empregos, tiveram de suportar os custos dessa crise e dessa sinistra bancarrota, até ver, politicamente ‘criminosa’ com a distinta marca do Partido Socialista!
Não obstante o reconhecimento que faço do génio político de Aníbal Cavaco Silva, não sou daqueles que entende que nada de errado ocorreu, quer enquanto PM quer, sobretudo, enquanto PR. Claro que cometeu erros como qualquer outra pessoa, sendo o erro um apanágio do ser humano.
Para mim, o grande erro político de Cavaco Silva aconteceu, precisamente, enquanto Presidente da República e no final do seu segundo mandato.
Com a vitória eleitoral da coligação liderada por Pedro Passos Coelho em 2015 e perante os acordos assumidos na 'clandestinidade' – leia-se nas costas dos eleitores portugueses que votaram nessas eleições legislativas – pelos três partidos derrotados nas urnas e que vieram dar lugar à maioria aritmética parlamentar conhecida por “geringonça” (denominação muito feliz do saudoso Vasco Pulido Valente), o Presidente Cavaco Silva negou, porém, indigitá-lo e dar directamente posse ao seu Governo como pretendiam os partidos da esquerda que apoiaram essa solução governativa inovadora, sem antes indigitar como PM, Pedro Passos Coelho, por ter sido quem venceu as eleições, e dar posse ao Governo que ficou na história da democracia portuguesa como o mais curto de sempre.
Eu sei que o Presidente Cavaco agiu no estrito cumprimento dos seus poderes constitucionais que estavam, aliás, reduzidos pela própria constituição, por se encontrar nos últimos seis meses do seu mandato, impedindo-o de dissolver – como gostaria de ter feito – a Assembleia da República perante aquela situação gerada. Mas, por outro lado, não poderia também a AR ser dissolvida nos primeiros seis meses após início de funções, mesmo que os poderes presidenciais estivessem intactos.
Ora, foi precisamente este calendário eleitoral que António Costa percebeu muitíssimo bem e que premeditadamente usou e abusou a seu favor desde o primeiro momento em que, publicamente, num acto de traição partidária interna, desafiou a liderança do PS a António José Seguro…
Por não querer ser acusado por ninguém de colocar interesses partidários acima dos superiores interesses do país e de ficar na história como um elemento de destabilização institucional que – apesar de ser completamente contra aquela solução de Governo e disso mesmo feito saber aos portugueses – Cavaco Silva acabou por se resignar a aceitar tudo aquilo e indigitar António Costa como Primeiro-Ministro e dar posse ao seu Governo.
Eis, pois, o erro político!
Cavaco Silva, simplesmente, não precisava de indigitar o actual Primeiro-Ministro, nem de dar posse àquele seu primeiro Governo. Pois, não concordando com a solução de Governo apresentada, principalmente por a mesma ser do mais absoluto desconhecimento dos portugueses que votaram naquelas eleições legislativas. Não lhe sendo possível dissolver a Assembleia da República por dupla impossibilidade constitucional. Só lhe restaria, em coerência com tudo o que afirmara antes, entender que a decisão a tomar quanto ao assunto em questão, caberia inteiramente ao próximo Presidente da República, mantendo em gestão o Governo de Pedro Passos Coelho.
Com uma tomada de decisão destas, o Presidente Cavaco Silva sairia de Belém em ombros pelos seus eleitores de sempre e deixaria ao seu sucessor Marcelo Rebelo de Sousa a tarefa de decidir sobre o que fazer com aquela situação provocada por António Costa.
Por outro lado, com essa mesma decisão, as eleições presidenciais de 2016 iriam forçosamente ser marcadas pela questão da dissolução ou da indigitação alternativa. Obrigando Marcelo e os restantes candidatos a terem de ser muito claros e objectivos quanto ao que fariam depois de tomar posse. Não haveria qualquer hipótese de “fuga em frente” perante os respectivos eleitorados de cada candidatura. Poupando assim, mais tarde, o país a ter de ser confrontado com episódios dispensáveis em momentos de maior tensão, como por exemplo durante a crise dos incêndios e dos casos de nepotismo e favorecimentos esquisitos verificados ao longo da legislatura anterior, em que, perante um coro generalizado de críticas dos portugueses, o PR ter chegado ao ponto de sacudir, em público, qualquer responsabilidade pela nomeação daquele Governo com o qual, no entanto, andou ao colo durante todo o seu primeiro mandato…
Quanto ao país ficar "em suspenso" e "em duodécimos" durante uns meses, seria, à época, uma óptima solução até para evitar despesas inúteis e disparates orçamentais gritantes como os muitos que vieram a acontecer sob a direcção do Governo da geringonça.
Por fim, com tal decisão tomada em não dar posse àquele Governo do PS que Mário Soares nunca aprovou, muito provavelmente, Cavaco Silva teria ‘destruído’ ou pelo menos abalado seriamente o futuro político promissor de António Costa. E isso não seria necessariamente negativo para o país. Muito pelo contrário!
Jurista
Escreve de acordo com a antiga ortografia.