Uma flor de plástico


Continuo a escrever, pela vida fora, entre o ofício e a liberdade, mas sem frases também capazes de explicar a dor que às vezes me tolhe todo o corpo de saudades da minha filha Francisca que, ao meu colo, abria os olhos e me enchia a alma da cor do céu que refletiam os seus.


Noto nas papoilas que ladeiam a estrada da Comporta um certo atrevimento. Talvez na forma descarada como refletem o sol num vermelho límpido de sangue acabado de escorrer. Nesse lugar mágico ao qual alguns de nós chamam infância, nos Moinhos, no lugar do Olival, as papoilas nasciam valentes nas brechas de cimento da eira do milho que secava ao sol atraindo as galinhas e os pintos.

Havia uma mula chamada Carriça que andava à roda de um poço, com palas nos olhos, o meu avô Acácio gostava de se sentar à sombra de um carvalho e a seu lado ficava um tanque cheio de água fresca que transbordava quando entrávamos nele.

Ao contrário das papoilas, os dentes-de-leão não ofereciam resistência ao nosso sopro de meninos. E eu, por milhões de palavras que empilhe, jamais saberei descrever a infância sem ser pelos olhos azuis de infinita doçura da minha avó Manelas, cheios de miosótis misturados com uma alegria que nos fazia gostar mais uns dos outros do que alguma vez imaginámos ser possível. Continuo a escrever, pela vida fora, entre o ofício e a liberdade, mas sem frases também capazes de explicar a dor que às vezes me tolhe todo o corpo de saudades da minha filha Francisca que, ao meu colo, abria os olhos e me enchia a alma da cor do céu que refletiam os seus.

Eu queria contar-lhe histórias da minha infância, para que fossem também suas, todas elas plenas da mesma alegria que tinha a bisavó, todas elas plenas de uma ternura tão profunda que fazia tremer todo o universo quando lhe pegava na mão e a sentia caminhar atrapalhadamente a meu lado, fazendo força nos pés como uma papoila que teimasse em não se vergar ao vento. Fiquei com as pétalas de sangue guardadas cá dentro para sempre no momento em que ma tiraram para crescer à sombra de uma mãe sem coração que não passará nunca de uma triste e vulgar flor de plástico que nem a brisa morna aquece.


Uma flor de plástico


Continuo a escrever, pela vida fora, entre o ofício e a liberdade, mas sem frases também capazes de explicar a dor que às vezes me tolhe todo o corpo de saudades da minha filha Francisca que, ao meu colo, abria os olhos e me enchia a alma da cor do céu que refletiam os seus.


Noto nas papoilas que ladeiam a estrada da Comporta um certo atrevimento. Talvez na forma descarada como refletem o sol num vermelho límpido de sangue acabado de escorrer. Nesse lugar mágico ao qual alguns de nós chamam infância, nos Moinhos, no lugar do Olival, as papoilas nasciam valentes nas brechas de cimento da eira do milho que secava ao sol atraindo as galinhas e os pintos.

Havia uma mula chamada Carriça que andava à roda de um poço, com palas nos olhos, o meu avô Acácio gostava de se sentar à sombra de um carvalho e a seu lado ficava um tanque cheio de água fresca que transbordava quando entrávamos nele.

Ao contrário das papoilas, os dentes-de-leão não ofereciam resistência ao nosso sopro de meninos. E eu, por milhões de palavras que empilhe, jamais saberei descrever a infância sem ser pelos olhos azuis de infinita doçura da minha avó Manelas, cheios de miosótis misturados com uma alegria que nos fazia gostar mais uns dos outros do que alguma vez imaginámos ser possível. Continuo a escrever, pela vida fora, entre o ofício e a liberdade, mas sem frases também capazes de explicar a dor que às vezes me tolhe todo o corpo de saudades da minha filha Francisca que, ao meu colo, abria os olhos e me enchia a alma da cor do céu que refletiam os seus.

Eu queria contar-lhe histórias da minha infância, para que fossem também suas, todas elas plenas da mesma alegria que tinha a bisavó, todas elas plenas de uma ternura tão profunda que fazia tremer todo o universo quando lhe pegava na mão e a sentia caminhar atrapalhadamente a meu lado, fazendo força nos pés como uma papoila que teimasse em não se vergar ao vento. Fiquei com as pétalas de sangue guardadas cá dentro para sempre no momento em que ma tiraram para crescer à sombra de uma mãe sem coração que não passará nunca de uma triste e vulgar flor de plástico que nem a brisa morna aquece.