Tapetes Vermelhos


No episódio de apreciação e encaminhamento do pacote dos apoios sociais Marcelo atuou como primeiro-ministro e o primeiro-ministro fez o papel do PR.


Em maio de 2020 numa visita realizada enquanto primeiro-ministro à Autoeuropa em Palmela, António Costa estendeu um tapete vermelho à recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa à Presidência da República. Em finais de março de 2021 ao deixar para o Governo a tarefa de garantir a constitucionalidade de um pacote legislativo aprovado ao arrepio da designada lei travão para a proteção da integridade dos Orçamentos do Estado, foi a vez de Marcelo estender um tapete na mesma direção a António Costa.  

As evidências que descrevi no parágrafo anterior escondem muitas variáveis que desconheço e explicitam algumas hipóteses sobre as quais eventualmente nem os próprios citados ainda refletiram. Não sei qual foi o nível de premeditação de António Costa na intervenção que fez na Autoeuropa, ou mesmo se houve alguma premeditação e desconheço o nível do contributo que essa declaração teve para a decisão de recandidatura de Marcelo. Também não estou certo de que o endosso de Marcelo a Costa para ser o guardião da Constituição, tenha tido subjacente qualquer raciocínio sobre o impacto dessa decisão num processo sucessório que só ocorrerá daqui a quase cinco anos e não faço a mínima ideia se António Costa tem como eventual projeto político ser Presidente da República. Tudo pode ter sido apenas fruto das circunstâncias e não mais do que isso.

No entanto o que ocorreu, independentemente das circunstâncias, é factual. No episódio de apreciação e encaminhamento do pacote dos apoios sociais Marcelo Rebelo de Sousa atuou como primeiro-ministro e o primeiro-ministro fez o papel do Presidente da República. Este jogo de tapetes, no momento em que se assinalam os 45 anos da Constituição da República merece reflexão porque não deixará de ter algum impacto na evolução da política portuguesa, mesmo que o difícil contexto em que todos vivemos aconselhe à desdramatização e ao privilégio das leituras que não favoreçam o dissenso. 

Dito isto, e estando longe de ser um especialista em questões constitucionais, julgo que não é necessária argumentação sofisticada para fundamentar a afirmação que fiz de que ao enviar os diplomas para a fiscalização sucessiva do Tribunal Constitucional, o primeiro-ministro fez o que o Presidente deveria ter feito antes. Um pouco mais de reflexão merecem os argumentos que o Presidente usou para não o fazer, de entre os quais avulta a possibilidade de as despesas geradas poderem ser acomodadas através de uma gestão orçamental criativa.

O pressuposto de que a designada “lei travão” serve apenas para garantir a integridade quantitativa dos orçamentos parece-me insuficiente. Sempre a entendi como um garante da integridade quantitativa e qualitativa. Se um Governo se vir forçado a fazer realocações, deixará de governar em nome próprio para passar a governar em nome alheio. Em nome de um “primeiro-ministro” de ocasião, emergindo no Parlamento ou fora dele.

Não devemos abrir a porta a esta possibilidade, por mais que não seja, porque esta Constituição de que agora celebramos o 45.º aniversário, já demonstrou ser uma boa garantia de proteção para assegurar o normal funcionamento da democracia representativa em Portugal.

 

Eurodeputado do PS


Tapetes Vermelhos


No episódio de apreciação e encaminhamento do pacote dos apoios sociais Marcelo atuou como primeiro-ministro e o primeiro-ministro fez o papel do PR.


Em maio de 2020 numa visita realizada enquanto primeiro-ministro à Autoeuropa em Palmela, António Costa estendeu um tapete vermelho à recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa à Presidência da República. Em finais de março de 2021 ao deixar para o Governo a tarefa de garantir a constitucionalidade de um pacote legislativo aprovado ao arrepio da designada lei travão para a proteção da integridade dos Orçamentos do Estado, foi a vez de Marcelo estender um tapete na mesma direção a António Costa.  

As evidências que descrevi no parágrafo anterior escondem muitas variáveis que desconheço e explicitam algumas hipóteses sobre as quais eventualmente nem os próprios citados ainda refletiram. Não sei qual foi o nível de premeditação de António Costa na intervenção que fez na Autoeuropa, ou mesmo se houve alguma premeditação e desconheço o nível do contributo que essa declaração teve para a decisão de recandidatura de Marcelo. Também não estou certo de que o endosso de Marcelo a Costa para ser o guardião da Constituição, tenha tido subjacente qualquer raciocínio sobre o impacto dessa decisão num processo sucessório que só ocorrerá daqui a quase cinco anos e não faço a mínima ideia se António Costa tem como eventual projeto político ser Presidente da República. Tudo pode ter sido apenas fruto das circunstâncias e não mais do que isso.

No entanto o que ocorreu, independentemente das circunstâncias, é factual. No episódio de apreciação e encaminhamento do pacote dos apoios sociais Marcelo Rebelo de Sousa atuou como primeiro-ministro e o primeiro-ministro fez o papel do Presidente da República. Este jogo de tapetes, no momento em que se assinalam os 45 anos da Constituição da República merece reflexão porque não deixará de ter algum impacto na evolução da política portuguesa, mesmo que o difícil contexto em que todos vivemos aconselhe à desdramatização e ao privilégio das leituras que não favoreçam o dissenso. 

Dito isto, e estando longe de ser um especialista em questões constitucionais, julgo que não é necessária argumentação sofisticada para fundamentar a afirmação que fiz de que ao enviar os diplomas para a fiscalização sucessiva do Tribunal Constitucional, o primeiro-ministro fez o que o Presidente deveria ter feito antes. Um pouco mais de reflexão merecem os argumentos que o Presidente usou para não o fazer, de entre os quais avulta a possibilidade de as despesas geradas poderem ser acomodadas através de uma gestão orçamental criativa.

O pressuposto de que a designada “lei travão” serve apenas para garantir a integridade quantitativa dos orçamentos parece-me insuficiente. Sempre a entendi como um garante da integridade quantitativa e qualitativa. Se um Governo se vir forçado a fazer realocações, deixará de governar em nome próprio para passar a governar em nome alheio. Em nome de um “primeiro-ministro” de ocasião, emergindo no Parlamento ou fora dele.

Não devemos abrir a porta a esta possibilidade, por mais que não seja, porque esta Constituição de que agora celebramos o 45.º aniversário, já demonstrou ser uma boa garantia de proteção para assegurar o normal funcionamento da democracia representativa em Portugal.

 

Eurodeputado do PS