Chelsea. Em Fulham Road não havia hipótese de o gordo não ir à baliza

Chelsea. Em Fulham Road não havia hipótese de o gordo não ir à baliza


Há muito em comum entre os dois clubes que se encontram esta noite em Sevilha para os quartos de final da Liga dos Campeões, a começar pelos três treinadores que estiveram nos dois lados: Tommy Docherty, Mourinho e Vilas-Boas.


No meio da realeza vinda de vários cantos da Europa, dos latinos aos anglo-saxões, que podiam ter tocado ao FC Porto nestes quartos-de-final da Liga dos Campeões, surgiu uma espécie de marquês. Digamos desde logo que não marquês de sangue e longos laços familiares, mas marquês que teve de carregar aos ombros a sua dose plebeia para que, um dia, o rei do futebol lhe atribuísse o título. No tempo em que os irmãos Mears, Henry Augustus e Joseph, resolveram juntar umas libras para comprarem o Stamford Bridge Athletics Ground, em Fulham, um bairro no sudoeste de Londres, não longe de Hammersmith, que uma semente de grandeza alimentou o clube que nasceu a 10 de março de 1905: Chelsea Football Club. O nome do bar em que foi fundado, que se encontra hoje, completamente diferente à entrada da Fulham Road, também parecia jogar a favor dos aventureiros: Rising Sun Pub.

Por entre pints de ale e de stout, os manos enfrascaram-se como bons ingleses que eram e prometeram um futuro radioso. Inesperadamente, tudo começou até a correr bem demais. Afastados da inscrição na Southern League por embirração e influência do Fulham e do Tottenham, o Chelsea entrou diretamente na poderosa Football League. Dois motivos serviram de caução à sua candidatura: o facto de, graças à Great Western Railway Company, propriedade dos Maiers, serem um clube com estabilidade financeira, e terem garantido a contratação de William Henry “Fatty” Foulke, o maior guarda-redes de Inglaterra, um rapazinho que media 2,06m e pesava 136 quilos, e era o menino bonito dos adeptos de todos os clubes, vindo do Sheffield United onde ganhara duas Taças de Inglaterra. O primeiro jogo do Chelsea foi contra o Liverpool – 4-0 num amigável fortemente festejado.

Prestígio. Não seria certamente com a sua vida de iô-iô, sempre a descer e a subir, entre a I e II Divisão, que o Chelsea se destacaria como um dos grandes do association inglês. E ainda hoje o clube paga por esses anos iniciais durante os quais concitava a simpatia dos adeptos do país pelo seu futebol alegre e ofensivo mas não ganhava coisa nenhuma.
Reparem que foi preciso chegar a 1954-55 para vermos o Chelsea tornar-se campeão de Inglaterra. E só em 1969-70 conquistaram a sua primeira Taça de Inglaterra. Era difícil levá-los a sério. Sobretudo quando só cinquenta anos mais tarde, com a chegada de Mourinho para gerir mais inteligentemente a fortuna do novo dono do clube, o russo Abramovich, voltaram a ganhar o título. Em termos de medalhas, há que reconhecer que Chelsea e FC Porto têm algo de forte em comum: demoraram muitos anos a atingir o topo do futebol nacional e internacional. Dos seis títulos de campeão de Inglaterra, os moços de Stamford Bridge ganharam cinco de 2004-05 para cá; com as Taças de Inglaterra sucede praticamente a mesma coisa, só começando a acumulá-las no final dos anos 90 – tem 8 nas vitrinas. Na Europa, há a vitória meio solta da Taça das Taças em 1970-71 e, depois, nova Taça das Taças em 1997-98, duas Taças UEFAS/Liga Europa em 2012/13 e 2018/19 e, finalmente, a tão ansiada Liga dos Campeões em 2011-12. Quando vemos a carreira europeia do FC Porto, a diferença não é grande. Só a partir de 1984 surgiu numa final, a da Taça das Taças, e ganhou a sua primeira Taça dos Campeões em 2003-04. Para um clube que participava nas competições desde o final dos anos-50, reconheça-se o toque de parvenu, como dizem os franceses.

Treinadores. Outra matéria que portistas e londrinos têm como ligação é através dos treinadores. Thomas Henderson Docherty, conhecido por Tommy Docherty, ou Tommy Doch, foi o primeiro. Entrou no Chelsea em 1961, pouco depois de ter terminado a carreira de jogador, e durante sete anos conseguiu alguns momentos festivos. Como era hábito em Inglaterra, resolveu mudar o equipamento do clube que era composto por camisola azul e calções e meias brancas. Os calções passaram a ser azuis. Doch sentia que era visualmente mais agressivo, tal como Bill Shankly fez no Liverpool, mudando os calções de brancos para vermelhos. Ganhou a Taça da Liga, atingiu a final da Taça de Inglaterra e as meias finais da Taça das Feiras, deu a conhecer jogadores como  Terry Venables, Bobby Tambling, Peter Bonetti  e Peter Osgood. Em 1970 estava no FC Porto. Nunca conseguiu manter a equipa ao nível de Benfica e Sporting, entrou em zaragatas com a direção e com alguns jogadores, demitiu-se ao fim de 16 meses.

Nos anos 2000, foi a vez do Chelsea entregar dois projetos a treinadores que tinham passado pelo FC Porto como vencedores. José Mourinho levou o clube ao título de campeão cinquenta anos depois. Saiu e voltou para ser campeão outra vez. A contratação de André Vilas-Boas, que fora adjunto de Mourinho também no Chelsea, revelou-se uma tentativa falhada de imitação do que fora feito antes. Vilas-Boas não se aguentou mais do que uma época.

Hoje, em Sevilha, por causa da malfadada doença que teima em não nos largar os calcanhares, FC Porto e Chelsea estarão frente-a-frente para começarem a decidir quem vai estar presente nas meias-finais da Liga dos Campeões. Com muito mais em comum do que o azul que lhes pinta os equipamentos…