No passado 2 de abril, a Constituição da República festejou 45 anos de vida.
Foram, com todas as vicissitudes, anos de construção de uma sociedade mais justa e mais humana, que, em muitas ocasiões, só foi possível preservar e aprofundar devido, precisamente, à existência e aceitação popular generalizada desta lei.
Os que a aprovaram, inspirados em diferentes – mas não necessariamente antagónicas – tradições humanistas, conseguiram formular um compromisso magnífico e, por isso, amplamente maioritário.
Foi esse compromisso dinâmico que, desde a sua aprovação, permitiu aos portugueses viver em paz e com esperança num futuro melhor e que, de diversas maneiras, mesmo quando houve paragens ou retrocessos, os mobilizou sempre para vencerem tais bloqueios e alcançarem, depois, mais justiça e maior coesão social.
Por isso a Constituição não é – não pode ser – um objeto inerte.
Ela é vivida e é-lhe dada vida através dos anseios e das lutas desenvolvidas, em cada momento, pelos portugueses que, assim, a vão, também, enriquecendo e fazendo crescer nos seus princípios e valores fundamentais e nos direitos que, por causa daqueles, lhes assistem.
A vida da Constituição dependeu, sempre, da esperança e do ânimo que inspirou aos portugueses e, bem assim, do vigor que estes dela extraíram para a fazer cumprir: tornando-a num texto vivo e vivido por eles.
A nossa Constituição é uma carta de direitos e garantias individuais, mas também, claramente, um programa político de edificação de uma sociedade mais justa e humana.
Claro está que a Constituição não é só integrada por nomas que consagram grandes valores, grandes princípios, direitos fundamentais e liberdades invioláveis.
Ela acolhe também normas de caráter procedimental e mais técnico, que se dirigem, sobretudo, à realização prática de tais princípios, valores, direitos e garantias.
Por outro lado, agora do ponto de vista mais estritamente jurídico, é, também, das diferentes leituras sobre a relevância concreta e circunstancial de uns e de outros normativos, produzidas pelos tribunais, mormente pelo Tribunal Constitucional, que a Constituição é e vai sendo feita.
São os tribunais que, ante as diferentes propostas de interpretação jurídico-política do texto constitucional, adequam a leitura de tais princípios e valores maiores às circunstâncias e exigências sempre novas da vida política, social e económica, dando, ainda, de acordo com estas, e em cada momento, maior ou menor relevância às normas procedimentais que permitem, ou não, concretizar aqueles.
São eles que avaliam da importância relativa de umas e outras normas constitucionais e do interesse ou desinteresse da verificação da sua eventual violação, em função, precisamente, da relevância dos princípios e valores essenciais que enformam o programa da Constituição e que, em cada momento, é essencial, ou não, evidenciar e fazer respeitar.
Por isso, o recurso aos tribunais para a interpretação e ponderação de valores e princípios maiores contidos no texto constitucional tem sido sempre muitíssimo relevante, ao longo da vigência da Constituição.
Muitos foram, com efeito, os recursos e as decisões que moldaram a leitura e a amplitude dos direitos constitucionais e legais que se fundamentam, necessariamente, nos mais vagos princípios e valores acolhidos, implícita ou explicitamente, pela Constituição.
Em regra, quando se apela, por isso, aos tribunais e, em concreto, ao Tribunal Constitucional, não se recorre sobretudo em função da fundamentação dos atos e da aplicação das normas que se quer impugnar: recorre-se, no essencial, do que estes efetivamente estatuem e das consequências que têm.
Se, manifestamente, se concorda com a justiça do ato ou da decisão, com a sua substância, por mais ínvia que seja a fundamentação que a eles conduziu, não se pode – nem se deve – dela recorrer; não há razão útil para isso.
Os recursos não são meros exercícios de estilo jurídico.
Só quando se pretende pôr em causa a justiça substantiva de um dado do ato ou de uma certa decisão ou as suas consequências reais, devem, portanto, invocar-se os aspetos e vícios processuais e técnicos que estiveram na sua origem, pois o que se quer, de facto, é acertar no alvo: reparar a violação dos princípios ou dos valores maiores que tal decisão ou ato terão posto em causa.
Assim, quando se fala da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de um determinado ato, ou da aplicação de uma determinada norma por um tribunal, é sempre preciso esclarecer o que de facto se quer questionar: como se diz em linguagem jurídica, determinar qual o objeto do recurso.
E, se isso é, desde logo, importante para que o tribunal possa compreender o alcance do recurso, mais, muito mais relevante se torna, se tal iniciativa provier de um órgão do poder político que visa uma outra iniciativa ou ato político.
Com efeito, em tal circunstância, o uso do Direito visa, inquestionavelmente também, um fim político; é, em si mesmo, um ato político com um sentido e consequências próprias.
O que, por si só, nada tem de estranho ou abusivo.
O que importa é – porque se trata de um ato político – que os portugueses possam apreender plenamente, neste caso, qual o significado, alcance e efeitos para a sua vida de tal recurso de constitucionalidade.
Só assim tal iniciativa – ela, como dissemos, de natureza iniludivelmente política – pode ser, por sua vez, politicamente julgada pelos portugueses.
Nisso, consiste, também, o respeito pela Constituição.