“Devíamos estar seguros antes de desconfinar a 19 de abril”

“Devíamos estar seguros antes de desconfinar a 19 de abril”


Epidemiologista Manuel Carmo Gomes considera calendário apertado para avaliar etapas do desconfinamento e defende que decisão de 19 de abril devia ser tomada uma semana mais tarde para haver indicadores mais sólidos. 


“Devíamos estar com um espírito mais aberto para ter de pausar, se necessário for, ou adiar a decisão de dia 19 por mais uma semana ou 15 dias”. O alerta é do epidemiologista Manuel Carmo Gomes, um dos peritos ouvidos regularmente pelo Governo desde o início da epidemia de covid-19 e que participou no grupo de trabalho que propôs linhas vermelhas para o desconfinamento. O especialista que deixou de participar nas reuniões do Infarmed e integra a comissão técnica de vacinação considera que o país precisa de “ganhar tempo” para acelerar a campanha de vacinação da covid-19, o que é esperado que aconteça este mês e o próximo, e defende que o mês de abril é decisivo para prevenir uma quarta vaga de contágios: “Podemos resvalar para um ressurgimento da epidemia como tivemos depois do Natal ou conseguir manter a epidemia controlada. Neste momento estamos ainda num limbo: existe ainda população suscetível o suficiente para termos um aumento de casos e mesmo de hospitalizações”, diz ao i o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que há duas semanas publicou os resultados de uma modelação que alertava que o atual ritmo de vacinação não evita uma quarta vaga no país em maio caso o desconfinamento esta primavera leve a um aumento de contactos na população ao nível do que se verificou no outono, quando se deu o regresso de toda a comunidade escolar ao ensino presencial.

Carmo Gomes diz que ajustando o modelo ao calendário atual de vacinação e de desconfinamento, o risco de um recrudescimento da epidemia permanece e sublinha que no imediato é preciso esperar pelo final da semana para perceber melhor a situação epidemiológica do país. “À semelhança do que aconteceu no Natal, houve um período de sombra de dois ou três dias em que não sabíamos bem o que estava acontecer porque os laboratórios estiveram fechados e houve um atraso na notificação de resultados”, recorda Manuel Carmo Gomes. Ultrapassado este efeito da “semana santa” nos diagnósticos e reporte por parte dos laboratórios – este domingo foram reportados no país metade dos novos casos do domingo passado, uma evolução pouco provável dada a atual tendência de transmissão – um possível aumento de infeções quer durante na última semana quer nesta nova etapa de desconfinamento que se iniciou esta segunda-feira só será passível de avaliar pelo menos daqui a 15 dias, alerta o investigador, o que coincidirá já com a data prevista para continuar a reabertura do país e regresso às aulas dos alunos do secundário e ensino superior. “O terceiro passo do desconfinamento é muito forte e devíamos ser capazes de estar mais seguros antes de o dar. Não vejo que a janela temporal dê para isso. Se estamos a abrir dia 5, daqui a 15 dias quando formos avaliar podemos não ter informação suficiente”, diz Manuel Carmo Gomes, defendendo por isso que fosse ponderado o adiamento de uma semana na decisão de prosseguir para a terceira etapa.

 

Reunião do infarmed na próxima semana

Segundo o i apurou, a reunião no Infarmed prévia à terceira etapa de desconfinamento está prevista para a próxima semana, não estando ainda oficialmente marcada. A última teve lugar a 23 de março, pelo que desta vez haverá um intervalo de três semanas entre reuniões, acertando-se o timing do encontro com a semana de decisões. Ainda assim, como aconteceu na última reunião em que não havia dados para avaliar as primeiras semanas de desconfinamento, o problema poderá voltar a colocar-se.

 Para já, o RT voltou a cruzar o limiar de 1 e a Páscoa foi vivida com o país a mudar a agulha da tendência de descida de contágios para um planalto/subida, mantendo por agora a taxa de incidência mais baixa da UE – na Europa, apenas a Islândia regista uma incidência de novos casos inferior. Carmo Gomes salienta que nos últimos dias já se verifica um aumento da incidência de novos casos nas crianças com menos de 12 anos e que apesar de haver uma maior proteção dos idosos vacinados, a maior parte da população em idade ativa, que contribui para a propagação das cadeias de contágio, ainda não foi vacinada.

Na metodologia seguida pela equipa da FCUL, o RT a nível nacional voltou a passar a barreira de 1.0 a 28 de março e está agora em 1.06 – significa que, grosso, modo, 100 casos hoje dão origem a 106. Já nos cálculos do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, que faz as estimativas oficiais deste indicador para o Governo usando dados mais consolidados, o RT é de 0,98 a nível nacional nos últimos cinco dias e de 1 quando se cinge a análise ao continente, isto de acordo com os dados divulgados ontem no boletim da DGS, que não referem a janela temporal analisada.

O que falta clarificar, e só ao longo dos próximos dias será possível fazê-lo, é se está num planalto de casos em que o número de pessoas diagnosticadas com covid-19 se mantém estável ou se se entra numa trajetória de subida mais acentuada de novos casos, como aconteceu na maioria dos países europeus nas últimas semanas. Nos últimos dias houve já um aumento ligeiro da taxa de positividade, de novo acima de 2%, e ao longo da semana é esperado também um aumento da testagem com a reabertura das escolas, com iniciativas de testagem de professores e pessoal não docente um pouco por todo o país. Por outro lado, é também esperado um aumento da mobilidade, numa altura em que a variante inglesa, mais contagiosa, representa já mais de 80%_dos casos no país, o que não acontecia quando se deu a subida de infeções na altura do Natal e início de janeiro, antes de o país confinar. “Com o desconfinamento, o número de contágios vai aumentar. Não podemos é deixar o RT fugir muito para cima e daí a necessidade de uma avaliação permanente e medidas de controlo e identificação de cadeias de transmissão. Com a presença da variante inglesa no nível que está, as infeções podem acontecer com uma dinâmica diferente da que conhecemos até aqui”, alerta o epidemiologista.