No quesito corrupção, Portugal – nossa pátria mãe – e o Brasil têm mais semelhanças do que diferenças e uma sinergia de ações, entre os órgãos de controlo, pode trazer muitos benefícios.
Ao abrirmos as páginas dos noticiários português e brasileiro, sempre nos deparamos com notícias sobre algum tipo de caso corrupção, causando consternação aos leitores e parecendo que se trata de algo endêmico. O que não deixa de ser!
Antes de iniciarmos, cumpre esclarecermos que neste texto, quando falarmos em corrupção, estaremos nos referindo em um sentido amplo, englobando casos de outros crimes contra a administração pública, como por exemplo peculato, prevaricação, etc.
Analisando a relação Portugal e Brasil numa perspetiva histórica, podemos dizer que o sistema de colonização a que foi submetido o Brasil (de exploração, extrativista) nos legou uma propensão a cometer atos corruptos. Logicamente, não podemos generalizar e, também, não quero dizer que toda a culpa de nossos problemas tem origem histórica. É evidente que algumas das pessoas expatriadas para o Brasil já possuíam algum tipo de relação com corrupção em Portugal e outros, acabaram se corrompendo por aqui; mas nem todos! Tal facto não é uma exclusividade da colonização portuguesa, pois, de maneira geral, outros países que tiveram este tipo de colonização têm problemas com corrupção, a citar os exemplos da francesa no Haiti e da espanhola na Bolívia.
A historiadora brasileira Adriana Romeiro, em sua obra “Corrupção e poder no Brasil – Uma história, séculos XVI a XVIII” (Editora Autêntica), corroborando o laço histórico mencionado acima, traz um estudo detalhado sobre o período de colonização brasileira, encontrando não só indícios de corrupção, como tráfico de influência, nepotismo, entre outros. Tal pesquisa é fundamentada em diversos documentos da época, principalmente o noticiário, mostrando a exemplo, algumas que mencionam casos de enriquecimento ilícito.
Porém, ainda que o Brasil tenha iniciado e se desenvolvido com este histórico, tivemos a oportunidade de evoluir com o passar desses mais de 520 anos, o que infelizmente não ocorreu.Seria um exagero de minha parte dizer que nada foi ou não está sendo feito, tanto no âmbito público, quanto no privado.
Contudo, os reflexos das ações têm que refletir a perceção das pessoas, mas ao que parece isso não está ocorrendo. Neste quesito, quando comparamos os resultados do Índice de Perceção da Corrupção elaborado pela Transparência Internacional, encontramos um abismo entre nossos países, pois o Brasil ocupa a 94ª posição com apenas 38 pontos enquanto Portugal encontra-se na 33ª posição, como 61 pontos. Lembro que quanto mais próximo de 100 maior a perceção que o país é livre de corrupção. Destaco que Nova Zelândia e Dinamarca são os líderes deste ranking com 88 pontos.
A tendência seria que o Brasil melhorasse essa pontuação, com o advento denossa lei da Anticorrupção (LEI Nº 12.846, DE 1º DE AGOSTO DE 2013.) e os resultados da Operação Lava-jato, que puniu inúmeras empresas e agentes públicos. Todavia, este número se manteve estável. Na realidade, a referida atuação do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, iniciada no ano de 2014, atribuiu apenas um ponto ao relatório da Transparência Internacional (42 para 43), sendo que nos anos subsequentes caíram, chegando ao patamar atual.
Falando ainda da realidade brasileira, quanto a este quesito, a tendência é que caia ainda mais. Primeiro em razão de desvios de verbas públicas por Estados e Municípios, que foram liberadas pelo Governo Federal em caráter emergencial para o combate da pandemia da Covid-19, sendo que tais verbas resultaram em inúmeras ações por parte da Polícia Federal e Ministério Público, inclusive, no caso mais emblemático, com a prisão do Governador do Estado do Rio de Janeiro.
Também, recentes movimentos descentralizaram a atuação da Operação Lava-jato, decisões de nossa Suprema Corte anularam processos já julgados, entre outras medidas que enfraquecem o combate a corrupção. Como o índice da Transparência Internacional trata de perceção, temos aí um claro sinal que perderemos mais alguns pontos.
Falando agora das similaridades dos casos de corrupção, começamos assinalando que ambos países tiveram ex-presidentes presos.
E as semelhanças não param por aí: temos no mundo político nomeações para cargos sem critérios técnicos para gerir orçamentos milionários, temos governadores (autarcas) e outros ex-governantes suspeitos de corrupção que não vão a julgamento por subterfúgios jurídicos e até mesmo problemas graves relacionados a verbas destinadas ao combate do Covid-19 e, acredite se quiser, pessoas valendo-se de posições de poder para “furar” a fila da vacina.
O que mais podemos encontrar de similaridade entre países? Nota-se que os números de denúncias de casos de corrupção têm aumentado, mas em muitos casos a falta de comprovação e uma solução judicial dos factos pode murchar o ímpeto dos denunciantes.
Recentes notícias publicadas em Portugal dão conta de que mais da metade dos casos de denúncias de corrupção são arquivados (https://www.jn.pt/justica/mais-de-metade-dos-casos-de-corrupcao-acabam-arquivados-13466240.html). Por aqui nada muito diferente, a saber que de 1988 a 2015 o Superior Tribunal Federal – STF havia investigado mais de 500 casos de corrupção (Presidente, Ministros, Deputados Federais e Senadores tem foro privilegiado, sendo investigados e julgados pelo STF), porém condenou apenas 16 (https://brasil.elpais.com/brasil/2015/08/22/politica/1440198867_786163.html). Estes números melhoraram um pouco com a Operação Lava-jato, mas não o suficiente para melhorar a perceção de que temos um sistema judiciário extremamente eficiente.
Todos sabemos o empenho que os órgãos responsáveis pela investigação dos casos de corrupção fazem para encontrar uma prova irrefutável do cometimento do crime de corrupção, mas infelizmente nem sempre isso é possível. Por aqui, um dispositivo polémico trazido pela nossa Lei Anticorrupção contribuiu para que os casos de corrupção fossem solucionados de maneira mais rápida. Trata-se da Colaboração Premiada, onde os acusados de corrupção podem fazer acordo com o Ministério Público para que, em relatando todos os crimes praticados e entregando as provas de sua ação e de outros, possam usufruir da isenção ou redução de penas e multas.
Recentemente em Portugal o Ministério da Justiça Português, propôs a utilização deste instituto, facto que vem gerando muito debate quanto sua adoção. A legislação brasileira foi exaustivamente estudada e, serviu para análise de uma legislação apta à realidade portuguesa. Sem detalhar mais a questão, há problemas na aplicação deste instituto. De facto, em muitos casos no Brasil, o delator entregou as supostas provas da participação de agentes públicos, mas, feita a investigação ailicitude não se comprovou. O que fazemos então? Anulamos o acordo homologado judicialmente, em que o delator recebeu benefícios?
Outro ponto a ser discutido é o impacto que isso causa quanto à perceção da corrupção. Um agente público ou empresa, utilizando um termo muito comum por aqui “mamou nas tetas do Estado durante anos”, construíram fortunas, empresas viraram impérios e, quando descobertos, pagam uma multa (por mais milionária que seja), passam alguns meses na cadeia ou em prisão domiciliar, gozadas muitas vezes em confortáveis mansões, fazendas ou casas de praia! Pronto! Parece que nada aconteceu. Uns até voltam à vida pública ou para a atividade empesaria, quando permitido! Fica uma impressão de que a pena foi demasiadamente abrandada.
Mas, por outro lado, há uma reflexão importante a de ser feita: se não existisse a delação premiada, os julgamentos desses crimes levariam anos, poderia não haver condenação e muitos outros crimes ficariam encobertos e nada seria devolvido aos cofres públicos. Digo isso em função das múltiplas estratégias jurídicas utilizada pelas bancas dos acusados, que procuram alcançar a prescrição do processo, facto que é comum no Brasil e Portugal (vide: https://exame.com/brasil/impunidade-950-casos-prescrevem-em-tribunais-superiores-em-2-anos/e https://www.jn.pt/seguranca/crime-de-corrupcao-cometido-por-isaltino-morais-prescreveu-2543438.html).
Como reflexão, deixo a pergunta de até que ponto vale a pena abrir mão de ter uma investigação perfeita e uma condenação inconteste, que pode nunca ser cumprida, ao invés de fazer um acordo e punir os demais agentes que participaram do crime?
Delação premiada é um instrumento que tem que ser aperfeiçoado e melhor aplicado, mas não deve ser usado como tábua de salvação para corrupção, pois trata-se de uma medida reativa e não preventiva.
Outra medida que considero válida, mas que não teremos por aqui tão cedo, está a medida do Governo Português em iniciar a discussão sobre a matéria desde o ensino básico (https://www.jornaldenegocios.pt/economia/politica/detalhe/prevencao-da-corrupcao-vai-comecar-logo-no-ensino-basico). Bom, plantar sementes podem ser benéficas para o futuro.
Quero, por último, tecer comentários quanto ao setor privado no Brasil. A procura pelo Compliance tem crescido nos últimos anos. Queiram ou não, os resultados da Operação Lava-Jato forçaram grandes empresas a implementarem um programa, seja porque cometeram algum crime, seja porque receiam serem descobertos. Os Estados brasileiros (Províncias) de acordo com a Legislação Anticorrupção, fizeram suas regulamentações, para contratar apenas empresas que tenham programa de compliance implementado e efetivo.
Programa de compliance implementado e efetivo, se implementado só para atendimento da regulamentação, pode não ser eficaz, pois podemos estar falando em programas “fake” ou de “papel”. Isso ocorre em qualquer parte do mundo! Mas muitas empresas estão observando os benefícios de um programa de compliance, por real vontade de terem negócios íntegros e, principalmente, para protegerem sua reputação e minimizar eventuais impactos do “tribunal da internet”, pois esse sim causa impactos brutais!
É facto que temos problemas. Mas também é facto que temos ações positivas, em ambos os países, que têm fortalecido o combate à corrupção. Contudo, não tenhamos a ilusão de que veremos, em um tempo breve, nossos países livres de pessoas oportunistas e gananciosos, tão pouco de governantes que se preocupam mais com seu umbigo do que com o desenvolvimento de seupaís.
Mas continuaremos lutando!