Quando saio de Alcácer, pelo lado poente, levo o rio lamacento à minha esquerda, passo a rotunda que tem um camarão gigante em pé e, depois, pela estação de caminhos de ferro e por um cavalo. O cavalo está lá sempre. É um cavalo tristonho, magro, branco sujo, com ares de Rocinante de algum cavaleiro de triste figura que deixou de ter vontade de montá-lo. Não é, apesar de tudo, tão triste como a estação abandonada onde já não param os comboios. Está à venda. Não o cavalo; a estação.
Tem um cartaz numa janela a dizer TRATA, com o respectivo número de telefone. Um edifício bonito, em branco, com ombreiras pintadas de azul vivo. Imagino que se houvesse um ou dois comboios de Lisboa a Alcácer e vice-versa por dia, muitos seriam os que aproveitariam para cá vir, turistas ou não. Infelizmente, a estação de Alcácer não tem aquele cheiro inconfundível das estações de todo o mundo, o odor do ferro quente das linhas acabadas de pisar. Não tem o movimento apressado ou lento dos viandantes, cada um regulando as suas horas. Não tem as tabelas onde se consultam as partidas e as chegadas.
Não tem o ritmo inconfundível dos tirantes. Andei de comboio por todo o mundo, de Moscovo à Sibéria, na travessia de Java, em todas as cidades da Índia, pela Europa sem descanso desde tempo do interail, no Vale do Urubamba, de Oulan Bator a Pequim, de Eirol a Oronhe. Gosto de comboios. São animais tranquilos, como elefantes dispostos a todos os sacrifícios que resfolegam de vez em quando. Mas na estação de Alcácer não há comboios nem elefantes e ninguém resfolega.
É apenas um edifício vazio que sofre de abandono e tem, uns metros mais à frente, um cavalo magricelas do outro lado da estrada. Um e outro estão sozinhos. Perdidos no tempo. Uma sem comboios, o outro sem cavaleiro. E uma melancolia paira no ar onde as abelhas já voam numa ânsia de pétalas. Essas sim, atarefadas, sem medo da monotonia que, às vezes, conduz à morte.