Uma menina no meu peito


Sempre tive um profundo desprezo por gente sem estrutura que se estriba, à força da falsidade, nessa sociedadezinha de irrelevantes do tia para aqui, tio para acolá, com tiques afetados de marqueses mijas-nas-escadas. 


Tenho, no meu peito, uma menina de olhos tão azuis que parece ter fugido do céu. Olhos com que eu nasci, olhos que rodearam a minha infância no Olival, todos azuis, de todos os tons de azul, a começar pelos da sua bisavó Manuela que eram tão absolutamente transparentes que faziam doer. A minha filha pequenina, Francisca, haveria de gostar desta varanda, cheia de pássaros, ela que abria muito os braços quando eu a erguia sobre a cabeça e partíamos os dois à desfilada, assustando os pombos no jardim à beira Tejo.

Uma ternura infinita tomava conta de mim e eu ficava a decorar-lhe os gestos, as tentativas trapalhonas de falar, a curiosidade constante do redor. Cada dia sem ela, dói-me como se me arrancassem um pedaço do que sou. Cada dia que passa fico convicto de que, a pouco e pouco, se entranha nela a maldade e o egoísmo da mãe que ma roubou sem qualquer pingo carácter, morgadinha de uma família Palmeirim que se deslocou, infame, rastejando como um grupo de reptéis a uma sala de tribunal mentir desbragadamente com a colaboração prestimosa de uma grotesca representante do Ministério Público e com a aprovação de uma juíza que, noutros tempos, não iria mais longe do que uma medíocre carreira de oficial de diligências. Somos todos edificados ao ritmo que nos rodeia.

Sempre tive um profundo desprezo por gente sem estrutura que se estriba, à força da falsidade, nessa sociedadezinha de irrelevantes do tia para aqui, tio para acolá, com tiques afetados de marqueses mijas-nas-escadas. A marquesa sua mãe, Filipa de nome e vazia de escrúpulos, roubou-ma, mais uma vez com a colaboração prestimosa do organismo protofascista que se reusa, com um poder supremo que a verdadeira Democracia terá algum dia de controlar, confirmar que o seu sangue e o meu são iguais num simples teste de ADN. O tempo vai passando por nós.

A Francisca não é mais uma pequenina de colo a apontar-me as coisas que há nas flores. Mas vive-me por dentro como um raio de sol. E, como escrevia o Caeiro, dorme na minha alma e brinca com os meus sonhos sorrindo para os meu sono.

Uma menina no meu peito


Sempre tive um profundo desprezo por gente sem estrutura que se estriba, à força da falsidade, nessa sociedadezinha de irrelevantes do tia para aqui, tio para acolá, com tiques afetados de marqueses mijas-nas-escadas. 


Tenho, no meu peito, uma menina de olhos tão azuis que parece ter fugido do céu. Olhos com que eu nasci, olhos que rodearam a minha infância no Olival, todos azuis, de todos os tons de azul, a começar pelos da sua bisavó Manuela que eram tão absolutamente transparentes que faziam doer. A minha filha pequenina, Francisca, haveria de gostar desta varanda, cheia de pássaros, ela que abria muito os braços quando eu a erguia sobre a cabeça e partíamos os dois à desfilada, assustando os pombos no jardim à beira Tejo.

Uma ternura infinita tomava conta de mim e eu ficava a decorar-lhe os gestos, as tentativas trapalhonas de falar, a curiosidade constante do redor. Cada dia sem ela, dói-me como se me arrancassem um pedaço do que sou. Cada dia que passa fico convicto de que, a pouco e pouco, se entranha nela a maldade e o egoísmo da mãe que ma roubou sem qualquer pingo carácter, morgadinha de uma família Palmeirim que se deslocou, infame, rastejando como um grupo de reptéis a uma sala de tribunal mentir desbragadamente com a colaboração prestimosa de uma grotesca representante do Ministério Público e com a aprovação de uma juíza que, noutros tempos, não iria mais longe do que uma medíocre carreira de oficial de diligências. Somos todos edificados ao ritmo que nos rodeia.

Sempre tive um profundo desprezo por gente sem estrutura que se estriba, à força da falsidade, nessa sociedadezinha de irrelevantes do tia para aqui, tio para acolá, com tiques afetados de marqueses mijas-nas-escadas. A marquesa sua mãe, Filipa de nome e vazia de escrúpulos, roubou-ma, mais uma vez com a colaboração prestimosa do organismo protofascista que se reusa, com um poder supremo que a verdadeira Democracia terá algum dia de controlar, confirmar que o seu sangue e o meu são iguais num simples teste de ADN. O tempo vai passando por nós.

A Francisca não é mais uma pequenina de colo a apontar-me as coisas que há nas flores. Mas vive-me por dentro como um raio de sol. E, como escrevia o Caeiro, dorme na minha alma e brinca com os meus sonhos sorrindo para os meu sono.