Portugal foi alvo de grandes obras e infraestruturas na década de 90 e no início do milénio. Entre o Parque das Nações, as várias autoestradas por todo o país, e outras empreitadas, a cidade do Porto não ficou atrás nos investimentos, com, por exemplo, a construção da Casa da Música e o plano do Metro do Porto, que começou a ser desenhado já na década de 90. Nesse momento, uma coisa ficou clara: a Ponte superior da mítica obra batizada com o nome de Luiz I ia deixar de servir o trânsito rodoviário, e passaria a ser utilizada para permitir a travessia às composições do metropolitano.
Como tal, e como a ponte inferior não seria suficiente para acarretar com o fluxo de trânsito, as cidades viram-se obrigadas a construir mais uma ligação. Assim, tal como acontece atualmente, com o lançamento do concurso para a ponte do Metro, vizinha à ponte da Arrábida, já na passagem do milénio as cidades precisaram de construir uma ponte como fruto das necessidades levantadas pelo Metro.
Se é certo que a travessia do Freixo tinha sido inaugurada em 1995, o facto de se localizar longe do centro da cidade, bem como a falta de espaço para transeuntes, levou os projetistas e engenheiros da cidade do Porto a lançar a sexta e mais jovem ponte a cruzar o Douro na cidade Invicta: a ponte Infante D. Henrique.
Começada a sua construção no ano 2000, e inaugurada em 2003, é ainda demasiado jovem para contar com fábulas e histórias de reis e rainhas, mas não deixa, por isso, de ser um dos pontos mais fulcrais da mobilidade na cidade, a ligar o centro de Vila Nova de Gaia à baixa da cidade do Porto.
Bastará olhar para o arco da ponte para perceber que esta não é só mais uma obra de engenharia, ou pelo menos assim explica António Adão da Fonseca, engenheiro responsável pela projeção e construção da ponte batizada com o nome do Infante D. Henrique, um nome que, confessa, foi mais escolhido pelas autarquias envolvidas do que pelos membros envolvidos na construção da ponte. Ao i, o professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto explicou a história por trás da construção da travessia, as ligações internacionais e os dilemas de criar uma ponte de tais dimensões com um arco praticamente horizontal, uma empreitada “nunca antes feita”, e que, segundo o mesmo afirma, foi mesmo uma realização inédita neste tipo de infraestruturas.
O desenho da ponte, tão especial e único graças ao seu arco ao estilo do engenheiro suíço Robert Maillart, nasce, recorda Adão da Fonseca, de uma das necessidades que se prendiam com a construção desta infraestrutura. “Era importante, ao construir esta ponte, que não deixasse de ser possível ver uma das pontes metálicas a partir da outra”, explica. Ou seja, estando a ponte do Infante localizada entre a ponte Luiz I e a ponte Maria Pia, esta não poderia tapar a vista de uma ponte metálica à outra, de forma a manter o panorama urbanístico e tão icónico da cidade do Porto. Daí a necessidade específica de criar um dos maiores arcos horizontais do mundo, com 280 metros de comprimento.
Foi uma construção “difícil”, confessa Adão da Fonseca, e a sua inauguração, defende, foi “ridícula”. As fracas relações entre as autarquias de cada margem – lideradas, na altura, por Rui Rio e Luís Filipe Menezes, que deverá ser o candidato de Rio à Assembleia Municipal de Gaia em 2021 – levaram a uma cerimónia de inauguração “pobre”, com uma festa em cada ponta da estrutura, que “entretia mais os jornais do que outra coisa”. A ponte, reforça, “é internacionalmente muito mais reconhecida do que em Portugal, sendo um recorde mundial naquele tipo de ponte”. “É uma obra que embeleza a cidade, e isso não tem suficiente valor”, lamentou ainda, aponta a ironia de ter duas autarquias a inaugurar uma ponte, com duas festas individuais de cada lado.
Nem tudo foi fácil, conforme recordou o professor universitário. Durante a fase de construção, um susto atingiu as equipas quando uma das barras provisórias da ponte partiu, augurando mesmo que, “se a segunda partisse, a ponte toda ia abaixo”. Tratava-se de um defeito de fábrica das barras. Uma dor de cabeça, “o normal”, no entanto, como o mesmo confessou, referindo-se às lutas com os fabricantes para decidir de quem tinha sido a culpa. No fim, no entanto, como o mesmo revelou, “tudo correu bem, apesar de terem sido obras muito difíceis”, realçando ser “uma obra muito importante que marca imenso as cidades” do Porto e de Vila Nova de Gaia.
Adão da Fonseca explica ainda a origem da parceria ibérica que se deu na construção da ponte. “Na altura, lançou-se o concurso de conceção-construção, e era uma pena não haver ninguém do Porto a candidatar-se”, começou por explicar o engenheiro. “Quem tinha alguma obrigação era eu mesmo, mas não tinha experiência para concorrer com essa gente muito experiente pelo mundo fora”, confessou.
A vontade, no entanto, não desapareceu, e Adão da Fonseca partiu à procura de um empreiteiro para o acompanhar na projeção da atual ponte do Infante. “Tinha de encontrar um construtor, e percebi que havia uma condição para a pessoa ser autora do projeto que eu estava a meses de concluir, mas que não iria conseguir a tempo, então precisava de encontrar alguém”, começou por relembrar. “Os portugueses que cumpriam essas condições estavam comprometidos”, continuou Adão da Fonseca, lamentando não ter encontrado um compatriota para o acompanhar no concurso, mas não baixando, ainda assim, os braços. Como conta, numa viagem a Paris, o engenheiro cruzou-se com José Antonio Fernández Ordóñez, um projetista de pontes espanhol que era curador de uma exposição no Centro Pompidou.
Estava feito o primeiro contacto que levaria à estrutura que hoje em dia surge sobre o Douro, entre a zona das Fontainhas e Gaia. “Vi que era professor de estética, e percebi que tinha sido projetista de uma grande ponte em Sevilha. Era curador daquela exposição, ensinava estética, portanto vou-me entender bem”, augurou logo Adão da Fonseca, que prontamente o contactou e lhe propôs a ideia de se lançarem ao concurso para a ponte Infante D. Henrique.
A sociedade deu-se, e após uma série de reuniões entre o Porto e Madrid, a aliança ibérica partiu para o concurso, que acabaria por vencer, dando vida àquela que é a sexta travessia entre Vila Nova de Gaia e o Porto. “Era importante que ele gostasse da solução que tinha em ideia”, reforçou ainda Adão da Fonseca, que concluiu com uma curiosa história com o projetista espanhol: “Combinámos um encontro no Porto e íamos ver o sítio, mas ninguém dizia o que pensava, para livremente estudar qual seria a melhor solução, e assim aconteceu. Uma semana depois fui a Madrid encontrar-me com ele. Comecei a explicar qual a ponte que queria, com um arco alto e esbelto, mas com dimensões com as quais nunca tinha sido feito nada parecido. O José António tinha exatamente a mesma solução. Livremente encontrámo-nos na mesma esquina”, revelou o engenheiro.
O fechar do Círculo A ponte do Freixo, por outro lado, veio fechar o círculo rodoviário que é a Via de Cintura Interna, e serve como porto de entrada e distribuição de trânsito na zona oriental da cidade do Porto. É também um símbolo para os adeptos do Futebol Clube do Porto, que utilizam em massa esta ponte para chegar ao Estádio do Dragão, situado a poucos quilómetros após a travessia, existindo uma ligação emocional entre a infraestrutura e os fãs do clube.
A ponte do Freixo, apesar de ser uma infraestrutura com pouco mais de 25 anos de vida, é icónica na cidade por uma simples razão, como recorda o historiador Helder Pacheco: é a única ponte no Porto com cota baixa. Ou seja, das seis travessias sobre o Douro que marcam o panorama da cidade, a ponte do Freixo é a única que se encontra num nível relativamente baixo, o que para alguns poderá ser ideal, mas outros criticarão, já que leva a um problema de funcionalidade: ao chegar à margem norte do rio, os veículos menos potentes sofrem para manter a velocidade necessária para viajar numa autoestrada, devido ao declive da estrada. Pouco se sabe sobre as histórias da ponte do Freixo, que Helder Pacheco considera ser “desprezada”, apesar da sua caraterística única no panorama entre o Porto e Vila Nova de Gaia.