Há muito que o tempo superou o espaço em relevância efetiva para as vivências. Há muito que organizamos a nossa vida em função do tempo que precisamos para fazer, percorrer ou conseguir algo, mais ou menos material. O tempo ganhou uma centralidade que não tem correspondência nos modelos de Organização do Estado e da sociedade para o seu funcionamento.
Há um desfasamento entre o tempo real, das necessidades, das dinâmicas das comunidades ou das empresas e o tempo dos processos, das decisões ou dos calvários burocráticos, tantas vezes pressupostos de manutenção de pequenos e grandes poderes, de quintinhas e de herdades de interesses particulares. A realidade positiva ou negativa é muito mais dinâmica do que a capacidade de acompanhamento e de resposta dos decisores e dos poderes instituídos.
É por isso que a decisão tarda para o cidadão ou empresário, que a criminalidade muitas vezes tem recursos que as autoridades não dispõem, que permanecem limitações assentes em direitos desfasados da realidade, que surgem as oportunidades para a burocracia, os chico-espertos e as incansáveis habilidades lusas para o desenrasca, quantas vezes em contorno da lei vigente.
A pandemia coartou boa parte das dinâmicas que existiam numa sociedade com perfil de moderna em muitas vivências, das individuais às empresariais ou institucionais, mas profundamente retrógrada na conceção e modo de funcionamento e de concretização de respostas. A pandemia, que condicionou as realidades existentes no espaço, mas ampliou as dimensões digitais e a criatividade no contorno das regras, recoloca-nos na rota da importância do tempo e das pequenas coisas para dinâmicas mais harmoniosas e consequentes.
Ainda que não interiorizado por todos, o atual contexto sublinhou a importância de cada um para os resultados globais, numa vertigem de dependência geral uns dos outros, que precisava de outros paradigmas de relacionamento dos indivíduos, das instituições e das nações. A base não é a melhor e o problema é que cada um conta mesmo, como contam os pormenores com potencial de impacto geral.
Um pequeno vírus tornado grande pelas dinâmicas da globalização, um encalhe no Canal do Suez, um golo não validado porque o árbitro não quis e a tecnologia é inexplicavelmente inexistente ou o entrave do Tribunal Constitucional Alemão à aprovação nacional do pacote europeu de recuperação e resiliência são apenas alguns exemplos de como as pequenas coisas do nosso tempo assumem grande relevância para as grandes questões das sociedades e das vidas das pessoas.
Este é o tempo em que não ter apenas lideranças de turno, comprometidas com o imediato, a sobrevivência política, o agrado a alguns, a manigância do discurso sem nexo com a ação ou com a coerência, faria toda a diferença. Era preciso mais critério, visão, vontade de transformar, desburocratização, proximidade aos territórios e capacidade de execução, em vez dos afagos às circunstâncias, aos interesses particulares e à atualidade. O problema é que não há em Portugal e escasseia na Europa e no mundo.
Sem respostas estruturadas e estruturantes aos desfasamentos que existem, em que o do tempo da decisão com o tempo real e da realidade é apenas uma das expressões existentes, havendo outras mais gritantes como a pobreza emergente, as desigualdades ou os milhares cobertos por horizontes de desencanto, incluindo os mais jovens fustigados por sucessivas crises no início da vida ativa.
Sem respostas para o reforço da capacidade de decidir e executar no menor tempo possível, num quadro de transparência e escrutínio, em véspera de chegada de uma “pipa de massa” e de crescentes fenómenos concretos que exigem outra capacidade de agilização de respostas para as pessoas e para os territórios.
Sem tudo isto, o tempo e as pequenas coisas, as muitas variantes do processo de decisão e da realidade vão continuar a fazer das suas, bloqueando, atrasando, respondendo ao lado e não fazendo o que era preciso para mudar de paradigma no que releva para as vivências individuais e comunitárias. O gerúndio utilizado reflete o arrastar das respostas perante uma realidade que é ultrapassada pela realidade em demasiadas ocasiões. Quando o tempo está à frente da decisão, da resposta ou do impulso de fazer, resta correr atrás do prejuízo. Mesmo com a redução das intensidades gerais impostas pela pandemia, é pouco, é insuficiente para recuperar o tempo perdido e os atrasos civilizacionais e de desenvolvimento de Portugal.
Sem rasgo, o tempo do tempo e das pequenas coisas continuarão a ditar a sua lei e os desfasamentos a aumentar, para gáudio dos instalados e revolta dos marginalizados das órbitas e respostas do poder.
Notas Finais
Currículo. A tolerância face às situações é moldada pela conjugação dos valores de educação com as circunstâncias concretas. Os níveis de tolerância geral estão a baixar e os populistas a aproveitar. Povoar o imaginário mediático com os milhões da bazuca, as ajudas de milhões para a TAP, as injeções de milhões para o Novo Banco e para outros interesses parcelares, num quadro de dificuldades individuais, só pode gerar um caldo de cultura propício à fermentação de uma crescente contestação e à emergência de atos desesperados. E a expressão desta intolerância com os desmandos pode até ser dada por via do voto como já aconteceu no passado em algumas autarquias, com obra, mas com muitas situações que a penúria de dinheiro no bolso dos munícipes projetou para o domínio do intolerável. Currículo é aprender com o passado.
Cadastro. O deputado Manuel Pizarro deu uma entrevista ao Observador em que perguntado sobre o facto de José Luís Carneiro ter apoiado no passado António José Seguro resolveu catalogar essa realidade nos seguintes termos: “Do ponto de vista político parece-me que é cadastro.”. Um espécime pode ser configurado com baias no exercício democrático da liberdade de expressão e não evoluir, mas cadastro é outra coisa. Cadastro é ser apanhado a vasculhar o computador do chefe de gabinete de um colega de governo.
Cadastro são determinadas opções em saúde em função de interesses particulares. Cadastro é ter um entendimento de que a liberdade de expressão ou a divergência de opinião se constitui em fator de penalização de quem a exercitou. Mas, afinal tudo é normal para quem vem de uma escola onde tudo é permitido desde que seja de acordo com os ditames do comité. Seja isso o que for. Podes sair do dito, mas não o tiras de dentro de ti. O drama é ninguém cuidar dos princípios e valores de sempre do PS. Cadastro é não aprender com o passado.
Rotina. Vê-se o Sérvia-Portugal e, exibição à parte, nada como ter um Vice-Presidente na UEFA e um representante no Conselho Geral da FIFA.
Fatalismo. A imposição governativa, de supetão, do teletrabalho como regra obrigatória até ao fim do ano é um sinal de pouca confiança no processo de vacinação em curso e no objetivo de obtenção da imunidade de grupo. Para além da crise social e económica decorrente da pandemia, nada tem por agora um horizonte tão longínquo.