“Peço desculpa” é uma frase proibida?


Merkel não hesitou em assumir a culpa: ‘‘Esse erro é um erro somente meu. Um erro deve ser chamado de erro e, acima de tudo, deve ser corrigido e, se possível, isso tem de ser feito a tempo”.


“Pedir desculpa é uma expressão que não é do léxico da diplomacia”
Diplomata não identificado, citado por Bárbara Reis, Público

A chanceler alemã, Angela Merkel, pediu publicamente desculpa aos seus concidadãos quando cancelou o confinamento geral de cinco dias que tinha anunciado para a Páscoa, justificando que “a ideia de uma paralisação na Páscoa foi elaborada com as melhores intenções, porque precisamos urgentemente de conseguir desacelerar e reverter a terceira onda da pandemia. No entanto, a ideia foi um erro. Havia boas razões para isso, mas não pode ser implementada bem o suficiente neste curto período de tempo”.

Merkel não hesitou em assumir a culpa: ‘‘Esse erro é um erro somente meu. Um erro deve ser chamado de erro e, acima de tudo, deve ser corrigido e, se possível, isso tem de ser feito a tempo”.
Não sendo caso inédito, a forma clara como a chanceler alemã assumiu o que considerou um erro, merece ser realçada.
O assumir das culpas, em política, é, demasiadas vezes, um exercício de cinismo e até mesmo uma forma subtil de responsabilizar terceiros.

Na sequência dos incêndios trágicos do verão de 2017, que causaram a morte a mais de uma centena de pessoas, o primeiro-ministro António Costa, num debate parlamentar, a muito custo, afirmou, dirigindo-se ao líder parlamentar do PSD: “Se me quer ouvir pedir desculpas, eu peço desculpas. A palavra desculpa uso na minha vida privada. Enquanto primeiro-ministro uso a palavra responsabilidade”.

Em maio de 2010, Passos Coelho, líder do PSD, que apoiara as medidas adicionais de austeridade no Programa de Estabilidade e Crescimento, aprovado pelo Governo de José Sócrates, veio pedir desculpa aos portugueses: “Peço desculpa, não por me sentir responsável pela situação internacional que justificou estas medidas, mas porque são medidas duras para os portugueses e para o país”.

De José Sócrates não se ouviu nenhum pedido de desculpas nesta ocasião, mas, quando foi apanhado a fumar num voo da TAP para a Venezuela, teve de fazer mea culpa: “Não pode acontecer. Não vai voltar a acontecer. Não podia ter acontecido. Foi o meu Governo que fez essa lei, tenho responsabilidade pessoal e obrigação de dar o exemplo. Decidi, por isso, deixar de fumar”. 

Ignoro se mantém a promessa. 

Em política, o pedido de desculpas não é comum, de facto. 

Mas, mais grave, é o erro camuflado, o constante passa culpas. Os governos anteriores, de outros partidos, são sempre os responsáveis por todos os males. 

Em vez de assumir humildemente culpas, a generalidade da classe política tenta encontrar justificações para tudo, escondendo, enganando.

Este jogo perverso, ao contrário do que pretendem os seus autores, apenas contribui para o descrédito e o afastamento dos cidadãos.

O exemplo de Merkel merece, por isso, ser destacado. Até porque, como disse Benjamin Franklin, “pessoas que são boas em arranjar desculpas raramente são boas em qualquer outra coisa”.

Jornalista