A luta contra as desigualdades no mundo


Ao contrário dos ricos, a maioria dos portugueses tem uma relação envergonhada com o dinheiro: não o tendo não o sabe conservar e muito menos multiplicar.


A celebração do dia internacional da poesia também passa pelos actos legislativos. Pela República Francesa a Assembleia Nacional aprovou recentemente, por iniciativa do Governo, um projecto de “lei de programação relativo ao desenvolvimento solidário e à luta contra as desigualdades no mundo”. O artigo 10 deste hino à esperança autoriza, pelo prazo de 12 meses, o Governo a legislar em matéria de privilégios e imunidades que aumentem a “atractividade do território francês” para as organizações internacionais, agências da União Europeia, conferências internacionais, associações e fundações de direito francês ou de direito estrangeiro bem como os funcionários, agentes, peritos e convidados destas pessoas colectivas ou dos Estados que delas façam parte. A solidariedade deve começar em casa e os franceses aprestam-se a ser solidários para com a respectiva economia, procurando atrair um conjunto significativo de imigrantes com elevado poder de compra. O território francês já alberga importantes organizações internacionais, servindo de exemplo, só em Paris, a OCDE e a UNESCO, mas o que é bom (para a economia, o emprego e as finanças) nunca é demais. Almas mesquinhas apressaram-se a considerar esta generosa iniciativa gaulesa como uma declaração de guerra à neutral Suíça, o epítome do albergue para organizações internacionais e afins, responsáveis por um quinhão importante da felicidade financeira dos helvéticos.

Pela Lusitânia bem poderíamos aprender com os franceses a combater as desigualdades no mundo, atraindo ao rectângulo organizações internacionais e respectivas agências. Portugal tornou-se simpático, atraente e, sobretudo, barato para os turistas de fim de semana mas os funcionários internacionais que se transformam em residentes durante a carreira (e quiçá depois da reforma) são, de forma permanente, grandes consumidores de bens e serviços. Melhor ainda será angariar organizações internacionais que se dediquem a actividades com futuro (tecnologias da informação, biotecnologia, saúde, energias renováveis, espaço, oceanos,…) e que sirvam de âncora para empresas criadoras de valor acrescentado em bens e serviços transaccionáveis.

No deve e haver do comércio de estruturas institucionais com as organizações internacionais que integra, Portugal é credor em relação à UE (temos uma agência média, a da segurança marítima, e uma micro, o observatório da drogas e da toxicodependência), à NATO (trocámos um Quartel General por uma escola de pequena dimensão e mantivemos outras pequenas estruturas não obstante termos, finalmente, aprovado um Status of Forces Agreement que dá cobertura à localização em território nacional de muitas outras estruturas) e à ONU (a cujo regime de privilégios e imunidades só em 1998, ex vi Expo 98 e sob protesto do Ministério das Finanças, nos vinculámos mas que não se tem traduzido na vinda de estruturas da ONU para Portugal).

A concorrência entre Estados pela captação de investimento estrangeiro está cada vez mais feroz. Esta ferocidade aumentou durante a pandemia e aumentará ainda mais no pós-pandemia. Não havendo, tradicionalmente, acumulação de capital em Portugal que permita financiar o crescimento da actividade económica, a luta pelo investimento estrangeiro não se deve limitar ao sector privado ou às empresas detidas por outros Estados. Para tornar Portugal mais atractivo para as organizações internacionais é preciso agir e depressa.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990