A base europeia de notificações adversas a medicamentos EudraVigilance lista milhares de medicamentos e substâncias e o relatóro anual de 2020, divulgado na semana passada, resume a dificuldade que é mergulhar pelos dados: no final do ano passado passou-se a barreira dos 18,6 milhões de casos de segurança reportados, referentes a 10,5 milhões de casos individuais de reações adversas. A base europeia de farmacovigilância, lê-se, é uma das maiores do mundo.
Em 2020 foram reportados a nível europeu 1,8 milhões de casos suspeitos de reações adversas a medicamentos, 143 958 comunicações feitas pelos próprios doentes – uma das vertentes que os sistemas de farmacovigilância têm procurado reforçar. Alguns estudos já sugeriram que até 94% das reações adversas não são reportadas. Por outro lado, a nível europeu há pouca análise sobre o seu impacto. Um estudo de 2015 sobre a “epidemiologia das reações adversas” estimou, com base na revisão de 47 artigos, que na Europa as reações secundárias a medicamentos são a causa de 3,5% dos internamentos hospitalares. O mesmo artigo lembra que, com base nos estudos nos EUA, já foi estimado que reações adversas graves causam por ano 197 mil mortes na Europa, admitindo que o número possa ser menor. Conclusão: faltam análises.
Voltando ao relatório da EudraVigilance, em 2020 foram sinalizadas 1888 situações como exigindo mais investigação, o processo agora desencadeado na vacina da AstraZeneca. Ao todo o comité PRAC investigou 81 dossiês e em 37 o resultado foram atualizações na informação a doentes e profissionais de saúde. Em dois casos foram dadas novas orientações sobre prescrição e em 16 manter a monitorização foi considerado suficiente. Num ano normal e apesar de milhares de notificações, não é assim habitual que um medicamento saia do mercado nem é provável que isso acontece com a vacina inglesa.
A base de dados europeia mostra que o reporte de reações adversas é feito nos mais diversos medicamentos, incluindo os mais comuns. A ficha do paracetamol revela que na última década foram reportadas 64 mil casos de suspeita de reação adversa, 55% por mulheres e 32% por homens. Intoxicações, problemas gastroentestinais e reações cutâneas têm o maior peso. Já o ibuprofeno motivou ao longo da última década 54 mil reportes de reações adversas. Há também uma lista com informação sobre reações adversas a substâncias. Já foram por exemplo reportados a nível europeu 1588 casos de suspeita de reação adversa à cafeína, de bebés a idosos. O canabidiol, substância ativa da canábis que começa a ser usada em medicamentos, motivou até à data 2283 comunicações de reações adversas, a maioria no ano passado.
O relatório anual do Infarmed, que o i também consultou, mostra que no ano passado foram reportados em Portugal 8.131 casos de reações adversas a medicamentos, 63% pela indústria farmacêutica, 33% pelos profissionais de saúde e apenas 4% (300 casos) pelos próprios doentes. Cerca de metade foram reações graves. O número de reações reportadas atingiu um valor recorde em 2019, com mais de 10 mil notificações, mas em ano de atenções e trabalho focado na pandemia também caiu.