Há uma mensagem diária que tem passado menos do que devia na chamada “praça pública”, porém, a EMA reitera diariamente que os evidentes benefícios da vacina na prevenção da COVID-19, com os riscos de hospitalização e morte provocados pela doença, são claramente superiores aos riscos dos efeitos secundários.
Ainda esta quarta-feira, ontem, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que à data “o balanço entre o risco/benefício está a inclinar-se a favor da vacina AstraZeneca e recomenda que as vacinas continuem a ser administradas”. Por cá, também a Ordem dos Médicos afirmou que “após análise da evidência científica disponível, reafirmamos a confiança nas vacinas aprovadas e apelamos à serenidade de todos”. Passou menos do que devia, mas é facto.
Portanto, vamos à decisão política de anúncio da suspensão da vacina da AstraZeneca, de forma abrupta, também em Portugal. Também sou um dos que pensa que, decidir-se por uma suspensão da vacina para ganhar confiança pode ter exatamente o efeito contrário. Basta ver a força popular dos ditos movimentos Anti-Vacina nas últimas 72 horas. Inacreditável como as palavras erradas de segundos destroem a confiança no trabalho de meses.
Vejamos alguns números e factos que devem ser considerados para quem quiser debater este assunto de forma séria e não demagoga.
Em registos sérios, até ao dia 10 de março foram reportados 30 fenómenos tromboembólicos em cerca de cinco milhões de pessoas administradas com a vacina da Farmacêutica AstraZeneca/Oxford na União Europeia. Estes 30 casos correspondem a uma incidência de 0,000006%, ou seja, a 0,6 casos por cada 100 mil pessoas. Saibamos que na população, em geral, se registam normalmente 16 a 38 casos por 100 mil pessoas a cada ano! Entendamos isto.
Falamos de 0,6 casos por 100 mil (na população vacinada com a AstraZeneca) versos uma média de pelo menos 16 casos por 100 mil (na população em caso normal anual)
Na globalidade, contrariando os movimentos anti-vacina, há uma em cada mil pessoas que vão sofrer de uma trombose venosa ou embolia durante a sua vida. Neste momento, à escala global de 17 milhões de vacinas administradas, estamos a analisar a suspensão de uma vacina por 30 casos. É uma matemática simples: A incidência é inferior também neste ponto à da população em geral.
A suspensão na distribuição da vacina da AstraZeneca e a forma como foi (mal) debatido e explicado à população portuguesa é e foi um erro. Foi uma decisão sobretudo política – não partidária – e não clínica de conclusão, por estudo e evidência, após analise da comunidade científica. Não haja dúvidas disso.
Vamos ao foco de dúvida dos portugueses.
É legítimo a população ter dúvidas após vir a público, que é normal em produtos químicos e uma rápida pesquisa noticiosa traz à memória vários casos de muito maior incidência de casos adversos até em Portugal, um hipotético aumento de incidência de casos de eventos tromboembólicos venosos que, factualmente, continua na vacinação a ser inferior aos casos da população em geral.
Foi um arrojo político de “politicamente correto”, e taticamente à defesa face à comunicação social, aquilo que foi feito. Esta decisão política vem esquecer a dificuldade (que o diga qualquer profissional de saúde) de convencer a população a aderir à vacinação que, só por acaso, significa a única alternativa para atingirmos a imunidade de grupo num curto/médio espaço de tempo.
Vamos a mais números.
São 24 os países que suspenderam, ou estão prestes a fazê-lo, o uso desta vacina vinda de Oxford. 20 são na Europa, estando Portugal incluído por decisão de 48 horas da DGS. Os outros 4 países, por curiosidade, são a Tailândia, a Indonésia, a República Democrática do Congo e a Venezuela.
Claramente, e não deixa de ser irónico, após vários meses em que todos os Governos do planeta tomaram medidas duríssimas de confinamento e severas restrições de direitos humanos, visando combater a pandemia – curiosamente sempre invocando os dados de cientistas, especialistas, epidemiologistas, etc. – vêm agora alguns desses mesmos Governos – ignorando agora os dados de cientistas, especialistas, epidemiologistas, etc.- suspender uma vacina para a COVID-19, rejeitando a prévia análise que tomaram sempre como base para decisão política (ou deviam ter tomado). Irónico, ou apenas a política dos nossos tempos.
Devemos, e repito que é legítimo, esclarecer sempre as dúvidas em torno de matérias associadas à saúde de cada um e de todos.
A saúde é uma prioridade e a ciência não se prende em questões de dogma ou de fé, a ciência resolve-se com factos e funciona quando se esclarecem as dúvidas legítimas da população. Assim, saibamos que, dizer-se igualmente que “os problemas são raros” por si só não vem resolver nenhuma questão de confiança em torno da vacinação. É outro erro.
Então, como se pode resolver? Fácil. Esclarecendo com factos. Vamos elencar 5 pontos breves de matéria de confiança na Ciência.
Primeiro: Quando há casos de reações adversas ou meramente indícios de dúvida, esse problema é levantado e comunicado. Nada é escondido, em ciência, e a este nível global de resposta em saúde pública.
Segundo: Por precaução, e apenas isso, nos países que receberam o lote de vacinas da AstraZeneca sob suspeita, foi legitimamente suspensa essa administração de vacina para a devida apreciação de estudos e análises dos epidemiologistas e comunidade científica. Com factos e números, não com suspeitas e suspeições.
Terceiro: Ter consciência real – e não aplicar ou replicar demagogia como a comunicação social tem feito – que esta suspensão de administração de uma das vacinas vem colocar em causa a execução do Plano Nacional de Vacinação. O processo não vai parar. Há outras vacinas disponíveis em Portugal e nos demais 23 países em questão.
Vamos continuar a percorrer o caminho para a imunidade de grupo.
Quarto: Informar (e isto é que devia abrir noticiários!) que vão ser realizados estudos entre amostras populacionais de quem foi administrado com a vacina da AstraZenca; estudos em amostras populacionais entre quem foi administrado com doses da AstraZenca versus quem foi administrado pela vacina da Pfizer; … e, claro, mesmo que foi administrado com qualquer vacinação face a quem não teve vacina.
Estes números são muito importantes e serão fundamentais para o futuro científico em torno do coronavírus que 2019 nos trouxe.
Quinto: Haverá o estudo de “Causalidade”, ou seja, o balanço causa-efeito entre as administrações de vacina e efeitos adversos. Caso, como se espera, venha a ser comprovado que não há razão para suspeita clínica de reação adversa comprovada, deverá então ser comunicado de forma clara à população para que haja mais confiança neste processo.
Em suma: Nada é, foi ou será escondido.
Será feita uma averiguação clínica destes casos de incidência associados a um dos tipos de vacina que estão no mercado. Os resultados serão conhecidos pela população após serem trabalhados pela comunidade científica.
A junção destas três etapas será o garante de aumento, novamente, como se quer, de confiança na vacinação.
Que se conclua o óbvio: As vacinas passaram com distinção nos estudos e ensaios clínicos, como qualquer fármaco introduzido no mercado europeu, britânico ou americano. É inquestionável que todas demonstraram ser seguras e eficazes na resposta imunitária face à doença COVID-19.
Que não nos deixemos vencer pelo barulho das luzes políticas e pelo mediatismo desmedido a casos que são alvo de estudo e reflexão clínica e científica. Saibamos que foi a evolução científica que nos encaminhou para a esperança média de vida que hoje temos, para as curas de inúmeras doenças que eram letais há poucas décadas e, sobretudo, para uma maior dignidade humana a cada momento da sua vida.
A vacina e a vacinação são seguras. Que todos venhamos a cumprir a nossa parte para “curar” o Mundo do vírus SARS-CoV-2.