Meazza. Peppino, o rapazinho descalço da Porta Vittoria

Meazza. Peppino, o rapazinho descalço da Porta Vittoria


Foi, provavelmente, o melhor jogador italiano de todos os tempos. E conseguiu que os dois rivais de Milão dividissem um estádio com o seu nome.


No príncipio era a finta. Aquele gosto especial de ir para cima de um adversário com a bola colada no pé, fingir que ia sair pela esquerda e saindo pela direita, entortando olhos aos defesas, desesperando os marcadores impiedosos que o caçavam a patadas como se fosse uma ratazana. Aos 17 anos estava no Inter. Nascera em Milão, a 23 de agosto de 1910, nunca ninguém foi tão milanês quanto ele. Então chegaram os golos. Tornou-se sanguinário. No primeiro título dos nerazzurri marcou 31 golos. Já não eram apenas os defesas que perdiam a cabeça com os seus movimentos imprevisíveis. Eram também os guarda-redes.

Parecia que nada mudara no miúdo que jogava descalço nos baldios que rodeavam a Porta Vittoria, ignorando os gritos da mãe Ersília, logo ele, italiano, do país onde as mães são a coisa mais importante do mundo, sagradas como Madonnas. Dona Ersília era vendedora de frutas e legumes. Ficara viúva durante a I Grande Guerra. Os garotos sem sapatos fundaram um clube: La Costanza. Depois, Giuseppe foi para o Íris, outra equipa de fedelhos, mas mais a sério. O Milan vigia-o mas perde-o para o grande rival da mesma porta. Meazza dará o seu nome ao estádio onde ambos os clubes jogam e os adeptos veneram a sua memória por igual. Guiseppe Meazza: em italiano quer dizer calcio.

Arpad Weisz foi o treinador com coragem de o lançar às feras ainda com cara de quem usava fraldas. Os tifosi não perderam a oportunidade e passaram a chamar-lhe Balilla, o Pequenito. Inter era um nome inconveniente num universo de fascistas. Soava a ideiais comunistas. Então o Inter passou a ser Ambrosiana. Para Peppino era igual. Marcava golos na mesma. E tanto se lhe dava que Balilla o fizesse conotar com a Opera Nazionale Balilla, uma organização para jovens a partir dos 14 anos, pequenos legionários. Não precisou da política; mas a política precisou dele. A Itália campeã do Mundo em 1934 e 1938 era a Itália de Giuseppe Meazza e de Benito Mussolini. Balilla só tinha olhos para a bola. E para as balizas adversárias.

O ídolo. “Hoje vou deixar jogar o miúdo”, disse Arpad espantando toda a gente. O miúdo entrou em campo e marcou logo dois golos na vitória de 6-2 contra a Milanese Unione Sportiva para a Taça de Como. A partir daí nunca mais deixou de acertar com as balizas adversárias, sendo o melhor marcador do campeonato italiano em 1929, 1930, 1936 e 1938, tal como foi o melhor marcador da Copa Mitropa (a taça dos campeões da Europa central, entretanto desaparecida) em 1930, 1933 e 1936, carregando a Ambrosiana às costas até à final de 1933.

Tanta pancada tinha de fazer mossa num fulano fininho e sem grande estampa física como era Giuseppe. As épocas de 1938-39 e 1939-40 foram muito difíceis, carregadas de lesões e esfriaram o entusiasmo dos adeptos do Inter pelo seu herói. No dia 28 de novembro de 1940, assinava contrato com o Milan. Deixava as riscas pretas e azuis e passava para as riscas pretas e vermelhas. Amante da vida noturna, com sucesso entre as mulheres, Peppino abusava da sua estrela. Uma pequena trombose afetou-lhe o pé esquerdo e nunca recuperou totalmente. Fumava nos balneários até à hora de entrar em campo e punha os treinadores de cabelos em pé. No Milan, foi tratado com o respeito que merecia, mas em duas épocas só cumpriu 37 jogos, marcando nove golos, a milhas dos 240 que marcara no Inter. Foi operado. Já não era Balillo quando se arrastou pelos campos de Itália com a camisola da Juventus em 1942-43, mas mesmo assim fez melhor do que no Milan. Dez golos em 27 jogos. Estava acabado, mas teimou em não respeitar o próprio nome jogando no Varese e na Atalanta. No final da II Grande Guerra, em 1946, regressou ao Inter para encerrar de vez o tempo mágico em que a bola lhe obedecia como uma cachorrinha mimada. Ainda marcou mais dois golos. Dois dias antes de cumprir 69 anos morreu vítima de cancro no pâncreas. Nunca ninguém o esqueceu. Até hoje.