Muito se tem falado e escrito nos últimos dias sobre qual será o papel e a atitude do presidente da República, no mandato que agora se inicia.
Os vaticínios são variados e respondem a todos os gostos e expectativas.
Alguns são imediatamente desmentidos pelos factos, como aconteceu no que se referiu à inicial falta de uma alocução ao país sobre a política de desconfinamento do governo.
Ao contrário desses vaticínios, o Presidente falou, depois, em Roma, reafirmando a sua posição colaborante e dizendo que ela se manteria, quanto a essa matéria, até ao fim da crise sanitária.
Outros assentam, porém, mais diretamente, nas pretensões, estratégias e sugestões de quem os formula: mais do que vaticínios são recados.
Sofrem, todos, de uma debilidade: a realidade é, hoje, muito mais movediça do que a conseguem conceber e, daí, não ser possível, a não ser revisitando o passado, prever como vai o Presidente agir e reagir no futuro; e o passado, neste caso, não ajuda muito.
Há duas categorias de pessoas: as que, com a idade, refinam as suas piores caraterísticas – e azedam – e as que, com a experiência da vida, vão ganhando em qualidade, feita de bom senso e de serenidade.
O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa pertence a esta segunda categoria: é hoje, reconhecidamente, um político muito melhor do que já foi.
O bom senso e a serenidade com que geriu o seu primeiro mandato foram as características que os portugueses destacaram e mais apreciaram nele: por isso o reelegeram da forma como o fizeram.
E, como todos sabemos, reelegeram-no cidadãos das mais variadas e antagónicas tendências políticas, o que, acontecendo raramente, não foi, neste caso, estranho.
Marcelo – recorde-se – foi um dos deputados que votou a Constituição, sendo que esta constituiu um compromisso político único e, ainda hoje, capital para a coesão do nosso país.
Um compromisso cujo projeto de sociedade é, hoje e mais do que nunca, fundamental para que Portugal possa passar a progredir com mais justiça e maior igualdade.
Um compromisso de que muitos dos portugueses, que nele votaram, não esquecem.
Tendo em consideração a repartição atual das preferências políticas dos portugueses, creio, por isso, que – independentemente das ideias próprias que o Presidente também tem e sempre procura concretizar – a sua eleição constituiu, dadas as circunstâncias atuais, um fator de inegável estabilidade.
Ora, a estabilidade gera confiança e desta é, neste momento, o que o país mais precisa para enfrentar os enormes desafios que se avizinham.
Referi, num texto recente, publicado neste jornal, que os alemães preferem que os seus juízes deem a conhecer as suas preferências partidárias, de modo a que todos os cidadãos possam controlar melhor a isenção com que exercem a sua função de intérpretes e aplicadores da lei.
Suponho que terá sido mais ou menos isso que os portugueses de todas as tendências políticas que votaram em Marcelo Rebelo de Sousa para este segundo mandato pensaram.
Os portugueses conhecem-no já – conhecem-no hoje melhor do que antes – e votaram nele acreditando que, no essencial, o Presidente prosseguirá com o mesmo bom senso e igual serenidade o caminho que iniciou quando foi eleito da primeira vez.
Votaram nele porque se identificaram com essa sua maneira de exercer funções – de ser Presidente – e não porque concordem, necessariamente, com as ideias que tem e defende.
O Presidente, que é, e sempre foi, um homem inteligente – e é hoje, além disso um homem mais sábio – sabe-o igualmente.
O que os portugueses mais apreciaram no seu exercício – e por isso nele votaram reforçadamente – foi, como disse, o contributo que deu para reduzir a crispação que, anteriormente, se ia desenvolvendo na sociedade portuguesa, restituindo-lhe estabilidade e confiança.
Uma crispação que era fruto da crise político-económica, geradora da intervenção da Troika, das medidas por esta impostas e, também, das opções àquelas acrescentadas por voluntarismo ideológico.
Hoje, por causa da pandemia e da nova crise económica que ela vai provocando e que, infelizmente, tudo indica, se agravará, as condições para, de novo, se crispar e radicalizar a sociedade portuguesa, crescerão.
Isto, se não houver, mais uma vez, uma intervenção construtiva e socialmente abrangente que controle e detenha os que querem romper o compromisso constitucional.
É essa intervenção, no fundo, o que a grande maioria dos portugueses que o elegeram – e também muitos outros – esperam, de novo, do Presidente.
Por tal motivo, o escrutínio cívico do exercício do seu segundo mandato será, agora, política e socialmente mais fácil, mas também mais apertado.
O Presidente sabe-o, e não serão, por isso, os constantes vaticínios sobre as possíveis mudanças do seu exercício futuro que moldarão a sua maneira de atuar.
Sem ela deteriorar-se-iam a imagem de isenção e palavra de confiança que ele quis – e, por certo, quer ainda – projetar na sociedade portuguesa.