Jardins zoológicos. “Os animais dependem de nós”

Jardins zoológicos. “Os animais dependem de nós”


Fechados durante meses, os jardins zoológicos viram-se com dificuldades em continuar a dar o mesmo tratamento aos animais. As doações feitas pelo público foram como uma boia “salva-vidas” para os parques, fazendo com que fosse possível continuar a alimentar os seres.


“Os animais, se lhes faltassem alimentos e cuidados de higiene, seriam os primeiros a sofrer porque não são autossuficientes e dependem dos humanos para sobreviver”, assume Francisco Simões de Almeida. O gerente do Badoca Safari Park, em Vila Nova de Santo André, mostra-se orgulhoso por “felizmente”, nunca lhes ter faltado nada.

Desde 16 de março do ano passado que os mais variados estabelecimentos, parques de diversões e educativos se encontram numa incerteza constante entre abrir e fechar a atividade. É verdade que qualquer negócio depende dos seus clientes para sobreviver, mas os jardins zoológicos e semelhantes encontraram-se numa situação especialmente difícil porque, além de terem trabalhadores a necessitar de emprego para sobreviver, tinham de garantir a sobrevivência e bem-estar dos seus animais.

Num espaço com cerca de 90 hectares, 75 espécies e mais de 400 animais, o Badoca Safari Park esteve pela primeira em 22 anos fechado durante a primavera em 2020. O parque, onde os animais se deslocam livremente dentro do espaço disponível, tem por hábito fechar nos meses de inverno e voltar a abrir em março. No entanto, no ano em que pandemia do novo coronavírus atingiu o mundo, isso não aconteceu: “Era suposto termos aberto o parque a 13 de março, mas acabamos por abrir apenas dia 1 de junho e operar até meados de novembro”, explica o gerente do espaço.

 

As visitas de estudo

Os quase três meses em que estiveram fechados devido ao estado de emergência traduziram-se numa perda de um número indeterminado de visitantes aos fins de semana e de “cerca de 20 mil alunos de escolas” que visitam anualmente o parque entre março e junho.

A mesma situação é relatada por Teresa Guedes, a diretora do Jardim Zoológico de Santo Inácio, em Vila Nova de Gaia. No caso deste espaço no Norte do país, o “público escolar” garantia cerca de 40 mil entradas por ano, sendo que a queda de 22% dos visitantes relativamente ao ano de 2019 foi sentida sobretudo pela falta de estudantes.

Este ano, o cenário repete-se. Francisco Simões de Almeida acredita que será possível abrir o Badoca Park depois da Páscoa, no início de abril. Mas não têm visitas de estudo marcadas. E mesmo que tivessem “seriam canceladas garantidamente”. Sem a presença das crianças, os meses que antecedem o verão serão provavelmente pouco movimentados. O gerente do espaço não acredita que os visitantes aos fins de semana possam fazer com que a abertura do parque compense.

 

Um Verão cá dentro

Mas nem tudo são más notícias. Se por um lado obrigou os zoos a fechar, a pandemia fez também com que um maior número de portugueses optasse por passar férias dentro do país, fazendo-se notar um aumento “simpático” de visitantes no verão relativamente aos anos anteriores, explica Francisco Simões de Almeida. “Passados três meses de confinamento, as pessoas tinham a necessidade de sair e, tendo em conta que somos um espaço de 90 hectares ao ar livre que tomou todas as medidas de contenção obrigatórias e ainda mais algumas”, os visitantes não foram poucos.

Esta situação também foi sentida por Teresa Guedes em Gaia: “Dia 07 de Maio um alívio entra nos nossos corações com a reabertura de portas. Fomos logo surpreendidos por vários visitantes a elegerem o Zoo Santo Inácio como o local a passar um dia, num período pandémico”.

Em ambos os espaços, a reabertura de portas após o primeiro período de confinamento, trouxe mais “pessoas que, por vontade própria, se manifestaram” e “quiseram apoiar financeiramente, de forma a garantir que nada faltaria aos animais” que lá habitam, adianta a diretora do Zoo de Santo Inácio. O número de novos padrinhos também aumentou. É uma “forma de poder contribuir para a Preservação de Espécies Animais”, esclarece a responsável.

O Badoca pôde, “felizmente, contar com a solidariedade dos portugueses, que fizeram questão de doar comida para os animais como rações, feno e palha”, conta o gerente do parque.

 

Os animais dependem de nós

Apesar da quebra nas receitas, tanto o Badoca Safari Park como o Jardim Zoológico de Santo Inácio conseguiram evitar o que mais se temia: que o fecho de portas afetasse o bem-estar dos animais. Em nenhum deles faltou comida ou cuidados de higiene àqueles que são o motivo de atração das visitas, mesmo com os esforços que isso exigiu.

Em Gaia, todos os custos relativos aos animais foram suportados pelo próprio Zoo, sendo que dos 42 trabalhadores que estão efetivos nos quadros, 50% foi obrigado a ficar em lay-off simplificado.

Por outro lado, no Safari, mantiveram-se os cerca de 50 postos de trabalho e “acima de tudo, toda a coleção animal”. Francisco Simões de Almeida apressa-se a esclarecer que não considera que os animais estejam primeiro que as pessoas mas que “os animais são 100% dependentes” do parque e, os trabalhadores, caso estivessem numa situação de desemprego ou de grandes necessidades, conseguiriam procurar outros apoios. “Os animais dependem de nós, dos humanos, para sobreviver e nós tivemos essa preocupação e correu-nos muito bem”, garante o gerente do espaço.

 

Tudo em segurança

Como muitos outros espaços abertos ao público, os jardins zoológicos tiveram de fazer um investimento extra na segurança e proteção dos visitantes, desta vez, não relativamente aos animais, mas sim ao vírus.

Nos quase 100 hectares alentejanos, a aposta foi tanto na desinfeção – “uma empresa internacional com garantia de segurança que desinfetava mensalmente as nossas instalações exteriores e interiores – como numa maior repartição dos grupos de visitantes nos locais mais pequenos. O parque, além dos espaços onde se pode andar a pé, tem na sua maior atração o comboio aberto que percorre a zona de safari. Nesse caso, a viatura, que tinha espaço para cerca de 75 passageiros, leva apenas 40. Também no “rafting africano”, uma espécie de barco redondo que desce cascatas artificias de modo a imitar a experiência no seu meio natural, tinha capacidade total para nove pessoas e agora leva só uma família de cada vez, independentemente de ser apenas com dois ou mesmo com nove membros.

 

Preservar e continuar

O objetivo dos jardins zoológico e quintas pedagógicas sempre foi, acima de tudo, proteger animais que estivessem em perigo no seu meio natural ou em risco de extinção. Durante a pandemia, esse objetivo nunca foi perdido de vista e a prova disso foi que os animais continuaram a reproduzir-se sendo que os mesmos “têm uma autodefesa que faz com que só se reproduzam quando sentem que têm condições de bem-estar, alimentação e segurança” para tal, explica ao i Francisco Simões de Almeida.

No Badoca o mais recente nascimento foi o da Kenya, uma pequena girafa cujo nome foi escolhido através de uma sondagem publicada na página de Facebook do zoológico. A cria é a mais recente filha de Kimani, e vem fazer companhia à irmã Nissa e ao irmão Malawi. Rui Cunha, o coordenador do departamento animal do Badoca Safari Park, conta ao i que o nascimento ocorreu no final do dia 2 de março e que estava “no escritório, onde existem câmaras de vigilância e” e viu “que se tinha dado o rebentar das águas da Kimani”. Nesse momento, o técnico deslocou-se o mais rápido que pode na carrinha do parque até às girafas e assistiu ao parto natural de trinta minutos. “Assim que cheguei ao pé da Kimani meti o meu telefone em modo de voo para ninguém me ligar e meti a gravar, tenho o parto todo gravado e foi transmitido na página de Facebook do parque”, conta Rui com entusiasmo.

A Kenya nasceu com cerca de um metro e setenta e pouco mais de cinquenta quilos. Para que “seja capaz de aguentar algum encontrão sem se magoar”, a cria vai ficar com a mãe num espaço fechado até atingir os cem quilos, o que acontecerá cerca de um mês após o nascimento”.

Com o chegar da Primavera, os nascimentos no parque alentejano passarão a ser “praticamente semanais”, avança o gerente do Badoca, mostrando-se com pena de não ser possível para as crianças das escolas assistirem a este momento mágico. O mesmo afirma ainda que sentir que o parque está sob uma responsabilidade acrescida visto que é responsável por “vários animais exóticos que fazem parte de programas de recuperação, bem-estar animal e reprodução e de coleções europeias e internacionais de preservação de espécies, algumas delas em estado de ameaça grande”.

No Zoo de Santo Inácio, também se registaram vários nascimentos e inclusive um acasalamento, provando assim que o comportamento dos animais não alterou muito relativamente ao período pré-pandemia. A falta de visitantes, assume Teresa Guedes, afetou mais o staff do Zoo do que os próprios animais, confessando que a equipa sente falta da “gargalhada de uma família a chegar ao Zoo, uma corrida de uma criança para ver o leão a comer, ou o excitamento a ver o pinguim a nadar ou, até, o choro de uma criança que não quer ir embora”.

Com a primeira fase do desconfinamento a iniciar, os jardins zoológicos começam a preparar-se para abrir portas e receber visitantes. Apesar de as visitas escolares estarem em suspenso, os fins-de-semana deverão começar a levar famílias a visitar os animais e, ao fim de meses de confinamento, a procurar este mergulho na natureza.