Vivemos tempos complicados. E não se trata agora da pandemia.
Vivemos uma época de redefinição de conceitos, de revisão histórica e cultural, mas tudo isto feito com pouco debate – ou, pelo menos, debate sério – e demasiado radicalismo.
“Grita-se” nas redes sociais, palco de linchamentos e insultos, a maioria a coberto de cobarde anonimato. Fixam-se padrões sociais com base em preconceitos ideológicos.
Na verdade, numa época que se imaginava de maior diversidade, o “pensamento único” quer prevalecer.
Não é hoje possível, por exemplo, fazer um debate sério, sereno e fundamentado sobre temas como o racismo.
Vem isto a propósito do facto de três atletas portugueses terem ganho medalhas de ouro nos campeonatos europeus de atletismo, mas, dois deles serem originários de outros países. E os três são negros.
É verdade que constituem motivo de orgulho nacional, mas estes “heróis” não refletem a realidade nacional.
Apesar de tudo, ainda não apareceu ninguém, no espaço público, a contestar a nacionalidade de Pedro Pichardo ou de Auriol Dongmo. Quanto a Patrícia Mamona, nasceu em Lisboa.
Em 1998, quando a seleção francesa de futebol venceu o Mundial, Jean-Marie Le Pen, líder da Frente Nacional, afirmou que não se tratava de uma seleção “verdadeiramente nacional”, uma vez que 13 dos 22 jogadores era de origem africana ou árabe.
Aliás, aquela seleção, onde pontificaram Zidane, Thuram, Pires, Anelka, Vieira, Blanc e Thierry Henry, entre outros, ficou conhecida pela dos ““brancos, pretos e árabes”.
Por cá, confrontados hoje com a realidade da existência de um partido de extrema-direita com posições racistas e xenófobas, com implantação crescente na nossa sociedade – a acreditar nas sondagens – não é de estranhar que afirmações como a de Le Pen se repitam.
O jornal Record titulou na sua primeira página, a respeito das medalhas de ouro no europeu de atletismo, e com a foto dos três atletas: “Portugueses de bem”!
Percebeu-se a intenção, mas, de facto, são simplesmente portugueses.
Regressando a França de 1998, o jogador Lilian Thuran respondeu desta forma a Le Pen:
“Não sou negro, sou francês!”
Da mesma forma, confrontado com a pergunta se preferia que se referissem a ele como negro, ou preto, um cidadão português respondeu apenas: Basta que me chamem Fernando.
Jornalista