O quotidiano é uma espécie de baú do tesouro, dentro do qual podemos encontrar uma pérola espalhada aqui ou ali. Aliás, é nos charcos e pântanos mais sujos que encontramos com frequência os mais belos Nenúfares.
Porque estamos em confinamento, é natural que a nossa rotina se tenha alterado e, por isso, se resuma a idas para o trabalho, idas às compras e poucos mais. Foi durante uma dessas saídas necessárias que assisti a um episódio que quero hoje partilhar convosco: certo homem, desesperado, esforçava-se naquele dia por preencher os impressos pedidos pela Segurança Social àqueles que recebem o subsídio de desemprego. A intenção era clara – recolher assinaturas em diferentes lojas, demonstrando assim que tinha cumprido a sua parte no que respeita a apresentar-se para trabalhar. Entretanto, numa das lojas a que se dirigiu, alguém lhe disse que não precisava de sair de casa, explicando-lhe que bastaria enviar um e-mail para que fosse validada a sua obrigação. Porém, o homem respondeu que não tinha computador e muito menos um e-mail. Foi então que me recordei de uma história…
Certa vez, um homem desempregado candidatou-se ao lugar de funcionário da limpeza de um supermercado. O diretor dos recursos humanos entrevistou-o e submeteu-o a um teste – varrer o chão. Entretanto disse-lhe “O serviço é seu. Diga-me o seu e-mail e eu enviar-lhe-ei a ficha que preencherá bem como a data e a hora a que deverá apresentar-se”. O homem, desesperado, respondeu que não tinha computador e que muito menos tinha um e-mail. O diretor dos recursos humanos declarou lamentar o facto, porque, “não ter um e-mail nos tempos que correm, equivale a dizer que não existe”. Não existindo, não podia ser contratado.
Saiu. Desapontado e sem saber o que fazer.
Possuidor de apenas dez euros, decidiu ir ao supermercado. Comprou uma caixa de dez quilos de laranjas e, tocando de porta em porta, vendeu-as ao quilo. Em menos de duas horas conseguiu duplicar o dinheiro que trazia na sua carteira. Repetiu a operação três vezes e, no final do dia, regressou a casa com a carteira recheada.
Percebendo que poderia sobreviver pelo produto daquele trabalho, passou a sair de casa cada dia mais cedo, regressando cada vez mais tarde. Assim triplicou e quadruplicou o dinheiro a cada dia.
Pouco tempo depois comprou uma carrinha, mais tarde trocou-a por um camião e em breve se viu dono de uma pequena frota de veículos de distribuição, assim como empregou vários trabalhadores que consigo passaram a colaborar.
Dez anos depois, o homem viu-se proprietário de uma das maiores distribuidoras de alimentos do país. Pensando no futuro da sua família, decidiu fazer um seguro de vida. Ligou para uma mediadora de seguros, negociou um plano, e terminada a negociação, o mediador pediu-lhe um e-mail para lhe enviar a proposta. O homem declarou não ter endereço eletrónico. Curioso, o mediador respondeu-lhe que se não tinha e-mail e tinha conseguido construir aquele império, então que teria ele alcançado se tivesse um?! O homem refletiu e afirmou:
– Seria um empregado de limpeza de um supermercado.
Professor e investigador