É uma Juventus arrasada que visita este domingo a ilha da Sardenha. A eliminação frente ao FC Porto, uma equipa com condições incrivelmente inferiores à dos policampeões italianos, na sequência de duas do mesmo estilo das das duas últimas edições da Liga dos Campeões – Ajax, Lyon – põe um ponto final no projeto que se iniciou com a contratação de Ronaldo e que apontava para depois de ganharem 10 scudetti consecutivos apontarem para algo mais elevado, como é o caso de conquistar a maior prova continental de clubes.
Na zona em que se luta desesperadamente pela manutenção, o Cagliari sabe que a cotação dos ponto na Série A está tremenda. Longe, muito longe, vão os tempos em que conquistou o seu único título de campeão italiano, 51 anos para sermos mais exatos. Casteddu: é o seu nome em sardo. Na época de 1969-70, surpreendeu a Itália e o resto da Europa. Comandado por um treinador quase desconhecido, Manilo Scopigno, contava, no entanto, com uma série de jogadores de categoria, alguns deles presentes na final do Campeonato do Mundo, no México, nesse mesmo ano, como foram os casos do guarda-redes Albertosi, do médio Angelo Domenghini e do avançado extraordinário que se chamava Gigi Riva.
Os adeptos do Cagliari falam dessa época com um termo que parece encaixar em toda a sua plenitude: la favola. A fábula de uma equipa insular ter a capacidade de deitar por terra os prepotentes gigantes do continente. No dia 12 de Abril de 1970, no antigo Estádio de Amsicora, abriram-se as cortinas para o dramático acto derradeiro. A três jornadas do fim do campeonato, os sardos tinham três pontos de avanço sobre a Juventus. No mesmo dia que venceram em casa o Bari por 2-0, a Velha Senhora caíra da tripeça em Roma. A festa saltou para a rua em San Bartolomeo, Sant’Elia e Calamosca.
Único. Os heróis eram saudados como conquistadores de antanho. A par de Gigi Riva, o goleador que conquistou pela terceira vez consecutiva o título de melhor marcador do campeonato, Albertosi, Domenghini, Cera, Nenè, Gori, Greatti e Brugnera eram elevados a um Olimpo que jamais teve repetição. Gianni Brera, jornalista e escritor italiano, afirmou: “A vitória do Cagliari no campeonato representa a definitiva inserção da Sardenha na Itália. A Sardenha precisava de um momento destes para se impor contra o centralismo do continente e fê-lo através do futebol, batendo os grandes de Turim e de Milão. Uma forma gloriosa de se libertar para sempre de qualquer complexo de inferioridade”.
De certa forma, foi mesmo assim. A vitória de um pequeno clube de uma pequena cidade de uma pequena ilha, acontecimento sem paralelo na história do calcio. Terminando a prova com apenas duas derrotas em 30 jogos – em Milão, frente ao Inter (0-2) e na Sicília, contra o Palermo (0-1) – o Cagliari deixou o Inter em segundo, a quatro pontos, e a Juventus em terceiro, a sete. Ninguém seria capaz de pôr em causa a legitimidade de uma conquista inolvidável.
Curiosamente, nessa época mágica, o Cagliari deixou nas gavetas a sua tradicional camisola cortada a meio entre azul e vermelho. Scopigno, o treinador, que os jogadores tratavam respeitosamente por Filósofo, resolveu que a sua equipa jogaria sempre com o equipamento totalmente branco. Segundo a sua ideia, e perante o futebol de triangulações que pretendia impor, era mais fácil para os jogadores reconhecerem-se uns aos outros. Logo na primeira jornada, o Cagliari foi a Génova desfazer a Sampdória por 4-0. Não foi preciso mais nada para que o Filósofo se considerasse dono da razão e o branco ficou até final da época. Um ano mais tarde, a infelicidade tombou aos trambolhões sobre o enorme Gigi Riva que partiu uma perna logo no início da época. Sem o seu comandante, o Cagliari terminou em sétimo. A história não se repetiria jamais.