Um Homem Amargurado


Não posso deixar de recordar momentos de mordaça política patrocinados por Cavaco Silva na crise financeira que nasceu nos mercados financeiros americanos e assolou o mundo.


Aníbal Cavaco Silva foi uma das personalidades mais marcantes da democracia portuguesa reconquistada em abril de 1974. Por escolha dos eleitores, foi 10 anos primeiro-ministro e 10 anos Presidente da República. Não pretendo neste texto avaliar os seus desempenhos. Constato antes, sem alegria e até com alguma consternação, que o tempo foi acentuando a sua mundividência estrita e visão cinzenta e amargurada do mundo e dos estimulantes desafios que a vida coloca a todos e em particular aos que foram escolhidos para desempenhar funções de inegável relevo.      

Numa recente intervenção pública, proferida na Academia de Formação Política das Mulheres Sociais-Democratas, cada vez mais inconsolável com a derrota política que lhe foi infligida democraticamente em 2015 pela designada geringonça, desancou de alto a baixo a governação do país e concluiu que Portugal “se encontra numa situação de democracia amordaçada”.

Em 1972, Mário Soares publicou no exílio um livro/depoimento chamado Portugal Amordaçado. Nesse tempo a democracia portuguesa sofria, já há mais de quatro décadas, perante a mordaça da ditadura. Nos dias de hoje, o sofrimento causado pela pandemia é brutal e a resposta necessária para a mitigação dos seus impactos tem levado o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, após audição do Governo e autorização da Assembleia da República a decretar vários períodos de Estado de Emergência, para ajudar a democracia a resistir à ameaça sanitária, económica e social e para robustecer a vontade coletiva do povo português em resistir e recuperar.

Não usarei a palavra democracia em vão, ao reagir às inusitadas afirmações do ex-titular da mais alta magistratura da nação, mas não posso deixar de recordar momentos de mordaça política patrocinados por Cavaco Silva na crise financeira que nasceu nos mercados financeiros americanos e assolou o mundo, a União Europeia e Portugal. Nessa altura o então Presidente da República não decretou, por não aplicável, o Estado de Emergência, mas apoiou um governo e uma política, que voltou agora a elogiar, cuja estratégia para combater a crise foi o empobrecimento do país e a sua recolocação, dita competitiva, num patamar inferior nas cadeias de valor, baixando salários, cortando rendimentos, desperdiçando recursos humanos, desistindo de uma ideia para Portugal e substituindo-a por uma aplicação acelerada e aumentada das receitas da Troika. 

Em artigo recente no jornal Público, Pacheco Pereira traçou um retrato lúcido e clarificador das escolhas políticas de Cavaco, Passos e Portas, caracterizando assim o alvo dos cortes então tornados ferramenta de eleição – “o ataque aos mais velhos, à peste grisalha, à baixa classe média, aos direitos laborais, à sistemática tentativa de fazer políticas anticonstitucionais, num ambiente de revanchismo social contra todos os que tinham saído da pobreza por via do Estado, na Educação, na Saúde, na administração pública”. Constato a amargura de Cavaco, mas é a amargura dos portugueses que sofreram com as políticas que patrocinou e sofrem agora com o impacto de uma pandemia brutal, que nos deve preocupar e motivar para continuar a agir.  

             

Eurodeputado do PS


Um Homem Amargurado


Não posso deixar de recordar momentos de mordaça política patrocinados por Cavaco Silva na crise financeira que nasceu nos mercados financeiros americanos e assolou o mundo.


Aníbal Cavaco Silva foi uma das personalidades mais marcantes da democracia portuguesa reconquistada em abril de 1974. Por escolha dos eleitores, foi 10 anos primeiro-ministro e 10 anos Presidente da República. Não pretendo neste texto avaliar os seus desempenhos. Constato antes, sem alegria e até com alguma consternação, que o tempo foi acentuando a sua mundividência estrita e visão cinzenta e amargurada do mundo e dos estimulantes desafios que a vida coloca a todos e em particular aos que foram escolhidos para desempenhar funções de inegável relevo.      

Numa recente intervenção pública, proferida na Academia de Formação Política das Mulheres Sociais-Democratas, cada vez mais inconsolável com a derrota política que lhe foi infligida democraticamente em 2015 pela designada geringonça, desancou de alto a baixo a governação do país e concluiu que Portugal “se encontra numa situação de democracia amordaçada”.

Em 1972, Mário Soares publicou no exílio um livro/depoimento chamado Portugal Amordaçado. Nesse tempo a democracia portuguesa sofria, já há mais de quatro décadas, perante a mordaça da ditadura. Nos dias de hoje, o sofrimento causado pela pandemia é brutal e a resposta necessária para a mitigação dos seus impactos tem levado o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, após audição do Governo e autorização da Assembleia da República a decretar vários períodos de Estado de Emergência, para ajudar a democracia a resistir à ameaça sanitária, económica e social e para robustecer a vontade coletiva do povo português em resistir e recuperar.

Não usarei a palavra democracia em vão, ao reagir às inusitadas afirmações do ex-titular da mais alta magistratura da nação, mas não posso deixar de recordar momentos de mordaça política patrocinados por Cavaco Silva na crise financeira que nasceu nos mercados financeiros americanos e assolou o mundo, a União Europeia e Portugal. Nessa altura o então Presidente da República não decretou, por não aplicável, o Estado de Emergência, mas apoiou um governo e uma política, que voltou agora a elogiar, cuja estratégia para combater a crise foi o empobrecimento do país e a sua recolocação, dita competitiva, num patamar inferior nas cadeias de valor, baixando salários, cortando rendimentos, desperdiçando recursos humanos, desistindo de uma ideia para Portugal e substituindo-a por uma aplicação acelerada e aumentada das receitas da Troika. 

Em artigo recente no jornal Público, Pacheco Pereira traçou um retrato lúcido e clarificador das escolhas políticas de Cavaco, Passos e Portas, caracterizando assim o alvo dos cortes então tornados ferramenta de eleição – “o ataque aos mais velhos, à peste grisalha, à baixa classe média, aos direitos laborais, à sistemática tentativa de fazer políticas anticonstitucionais, num ambiente de revanchismo social contra todos os que tinham saído da pobreza por via do Estado, na Educação, na Saúde, na administração pública”. Constato a amargura de Cavaco, mas é a amargura dos portugueses que sofreram com as políticas que patrocinou e sofrem agora com o impacto de uma pandemia brutal, que nos deve preocupar e motivar para continuar a agir.  

             

Eurodeputado do PS