1. Cavaco Silva sempre geriu bem a palavra, sobretudo porque gere bem o silêncio. Não é propriamente um parlapatão, como muitos políticos que por aí andam. As suas mais recentes declarações a pretexto de uma ação de formação das mulheres sociais-democratas foram arrasadoras para o Governo e a ‘geringonça’. Substancialmente, Cavaco verberou o desinvestimento da ‘geringonça’ no Serviço Nacional de Saúde, denunciou a vergonha mundial para Portugal gerada pelos números do ressurgimento da pandemia. Apontou também o facto de estarmos a viver uma situação de asfixia democrática, que traduziu, simplificando, na substituição da procuradora-geral da República e a nomeação política de um procurador europeu. As palavras do ex-Presidente foram certeiras e objetivas. Serviram de denúncia, mas, vendo bem, tinham três destinatários. Por um lado, o Governo e a ‘geringonça’ passada e presente. Por outro, o seu próprio espaço político (PSD e CDS) que tarda em encontrar-se e em ser oposição eficaz e alternativa, estando mais virado para a sobrevivência a todo o custo, até que o poder lhe caia no colo. Finalmente, as palavras de Cavaco, feitas a dias de Marcelo iniciar o seu segundo mandato, não podem deixar de ser vistas como um conselho ou um recado para o Presidente reeleito, embora se duvide que elas suscitem qualquer tipo de alteração comportamental. Marcelo não é influenciável a esse nível e tem certamente um plano gizado para o segundo mandato. Marcelo é mais de pôr governos a fritar em lume brando do que de dar murros na mesa como Eanes, Soares, Sampaio e o próprio Cavaco. Marcelo prefere uma abordagem própria e relativamente solidária com o Governo, desde logo porque sabe que não há alternativa constituída e porque entende que a estabilidade é um valor essencial. Ora, nestes tempos, há que reconhecer que temos um Governo mau, mas estável. E temos também uma falta de alternativa à direita. E essa é uma condicionante para Marcelo. Mesmo assim, Cavaco deu um excelente contributo democrático para libertar a sociedade portuguesa da lenta asfixia democrática que a vem sufocando de forma sub-reptícia e inaceitável.
2. Enquanto aguardamos o plano de desconfinamento e vivemos uma situação oscilante de avanços positivos e indicadores mesmo assim preocupantes, convém lembrar que a vacinação contra a gripe, no ano passado, foi um caos jamais visto. Terá valido para limitar o surto gripal a circunstância da clausura e do uso de máscaras que diminuíram a transmissão habitual. Para que amanhã não se diga que ninguém lembrou o assunto, fica registado que é agora, em março abril, que os Estados devem fazer as suas encomendas. Dessa forma, as vacinas podem estar a ser distribuídas durante o mês de agosto para iniciar a vacinação em setembro. Cabe, pois, perguntar: o que já foi feito? Quem coordena o processo? Quantas vacinas são necessárias? Quem as fornece? Quanto custam? Quando chegam? Quem as dá e onde? E fica também a nota de que não vale a pena andar a levantar no Expresso o tema de uma hipotética futura supervacina contra a gripe. Falemos trivialmente da deste ano.
3. Se Carlos Moedas quisesse realmente ser líder do PSD, seria muito mais cómodo esperar sentado na Gulbenkian que Rio caísse, do que avançar para Lisboa. Tem passado e pergaminhos políticos mais do que suficientes para isso. A sua candidatura foi, no entanto, vista por muitos comentadores e políticos como uma estratégia tenebrosa para se posicionar como sucessor de Rio. Estes raciocínios ilustram bem a ideia que há da política. Não se acredita que as pessoas possam estar motivadas para servir populações e ideais. Moedas merece o benefício da dúvida e até se pode dar ao luxo de deixar de ganhar muito, porque esteve em lugares altamente remunerados durante anos a fio. Para ele, Lisboa não é um trampolim essencial. Mesmo que perca não deixa de ter futuro. Veja-se o caso de Marcelo. Perdeu para Sampaio na corrida à capital e está onde está. Ainda ontem iniciou o seu segundo mandato, legitimado por uma votação brutal.
4. No PSD, as comunicações andam mal. Há dias, José Silvano, Isaura Morais e Hélder Sousa Silva não souberam explicar em português escorreito que estavam, na sede de Lisboa, a apresentar apenas 23 novos candidatos a presidentes de Câmara e que os restantes 77 da lista apenas beneficiavam de um visto prévio, se quisessem recandidatar-se. O resultado foi uma confusão tremenda. A chamada trapalhada. Presidentes a dizer que não foram contactados e outros a informar que a decisão lhes competia a eles. Em vez de serenar os ânimos, Rio veio a público uns dias depois ameaçar que os que reagiram mal ainda podem ser excluídos. O processo de escolha autárquico foi feito em cima do joelho e contraria a ordem interna do partido, onde só para casos específicos a comissão política nacional tem poderes de veto. Outra situação desagradável ocorreu com a proposta de substituição de pessoas indicadas, há anos, pelo PSD para certos órgãos, sem lhes dar uma palavra de agradecimento. Aconteceu no Conselho Superior do Ministério Público e no de Opinião da RTP. Neste último caso, uma equipa de primeira divisão será substituída por uma das distritais. Já o PS apresentou uma lista de candidatos veteranos e conhecedores da comunicação social.
5. A Iniciativa Liberal (IL) avança sozinha para as autárquicas em Lisboa. Apresenta um candidato desconhecido. Repete o que fez com Mayan Gonçalves, o que permitiu lançá-lo. Passo a passo o IL vai-se impondo, apagando o CDS. A estratégia não ajuda Carlos Moedas, mas se o IL conseguir um vereador, será um aliado para o ex-comissário europeu. Resta agora saber quem será a figura escolhida pelo Chega, que tem obviamente um nicho eleitoral em Lisboa.
6. Seria cómica se não fosse dramática para o PCP, a notícia de que João Ferreira é candidato do PCP à Câmara de Lisboa. A criatura serve para todos os cargos. É o que vale ser um sedutor de discurso fluente, sempre a falar da c
Constituição. Como adversário, é um descanso, porque não conquista um voto fora dos ortodoxos. Melhor para Medina, só mesmo não ir ninguém do PCP. Mas as coisas podem mudar. A esquerda entrou em modo de alerta e estuda mesmo a Constituição de uma frente para combater a coligação liderada por Moedas. A existência de dois blocos de direita e de esquerda, deixa margem de crescimento aos partidos mais radicais de direita e de esquerda.
Escreve à quarta-feira