Habituámo-nos aos silêncios da noite, mas são estranhos os silêncios do dia. Se paro com o ruído mecânico das teclas do qwerty, às vezes nem as vozes dos pássaros sobram, mesmo que já tenham chegado as andorinhas, essas avezinhas aflitas que vivem numa pressa de Primaveras, este ano tão apressadas que chegaram ainda no fim de Fevereiro e se têm mantido sob os beirais, recuperando os ninhos deixados do ano anterior, mas sem desafiar a teimosia da chuva.
De repente, não se ouve uma voz, não se ouve um grito de criança, não se ouve um carro deslizar pela marginal, não se ouve o marulhar das águas do Sado, não se escuta o badalar dos sinos da igreja de Santiago, e parece que fico sozinho no mundo por inteiro e debruço-me na varanda com a necessidade de ver outro alguém que não eu. Talvez, como escrevia Brecht, o Diabo tenha vindo buscar os seus melhores fregueses. Toda a gente sabe que os melhores fregueses do Diabo são aqueles que calam por dentro a maldade que carregam.
O mal, esse, fazem-no em mudez e dormem de consciência tranquila como anjos negros de baquelite. Lembram-se da história do ratinho que saiu da toca sozinho pela primeira vez? Deparou-se cara a cara com um morcego, provavelmente de cabeça para baixo, e fascinou-se. Voltou para a toca com o coração a bater de alegria e gritou: “Mãe, mãe, vi um anjo!”
Do parapeito vejo nuvens ao longe que prometem trovões. É uma promessa de som, pelo menos. Devagar prosseguem o seu rumo de travessia do céu e irão chover em algum lado, provavelmente já não aqui tanta é a distância que nos separa. O silêncio também pode ser uma companhia. Simplesmente não dizer. As palavras são apenas ar que nos sai da boca em forma de som. Não tenho nada para dizer a ninguém nem ninguém a quem dizer qualquer coisa. Quando preciso de falar comigo mesmo, escrevo. Ou seja, calo-me por entre vogais e consoantes que moram na quietude das minhas teclas…