O que a discussão sobre o funcionamento regular das escolas acaba por esconder


Todos sabemos, neste momento, do inultrapassável papel de suporte que as escolas portuguesas desenvolvem na educação e, também, na manutenção das crianças mais necessitadas, mas …


Do que tenho visto e entendido da Holanda, onde vivo, já aqui dei, várias vezes, testemunho.

Como confessei já, o que, ao princípio, mais me espantou foi o facto de, a partir das quatro e meia da tarde, os serviços e quase todas as lojas se prepararem para fechar. O comércio de rua fecha, em geral, pelas cinco.

Por outro lado, sempre vi, também, que os parques públicos estão, a partir dessa hora, cheios de pais e mães, de todas as condições sociais e idades, acompanhando os filhos saídos cedo das escolas e com eles brincam alegremente, sem se distraírem – como no nosso país quase sempre acontece – com os telemóveis.

E esta atenção aos filhos e o acompanhamento às brincadeiras que estes têm nos parques, acontece, mesmo com a pandemia e com um regime bem apertado de confinamento que, neste país, dura há meses. O atual recolher obrigatório, por exemplo, começa aqui às nove da noite e dura até às quatro e meia da manhã.

A verdade é que, na Holanda, os horários de trabalho são respeitados e pensados por todos – Estado patrões e trabalhadores – para que a vida familiar e social se desenvolva com normalidade e conforto geral.

As escolas servem, no essencial, como devem, para ensinar, e não funcionam como depósitos, fora de horas, de crianças e jovens.

Os pais dedicam verdadeira atenção aos filhos pequenos, transportando-os sempre nas suas bicicletas e brincando, de facto, com eles nos parques, que abundam em todas as cidades.

Mesmo aos sábados e domingos, é normal vê-los levantar-se cedo para acompanhar os filhos às atividades ao ar livre e por eles esperar, tantas vezes ao frio e à chuva.

A Holanda é, também, um dos países ocidentais com maior taxa de natalidade.

Li, há anos, um artigo de jornal em que se dava conta da preocupação das autoridades inglesas com o insucesso escolar dos filhos da comunidade portuguesa, que obtinham os piores resultados de todas as comunidades emigrantes nesse país.

A conclusão apontava para o desinteresse que – em comparação com os de, por exemplo, comunidades de países orientais – os pais portugueses manifestavam em relação ao acompanhamento e à evolução escolar dos filhos.

Vem tudo isto a propósito da quase histeria que, entre nós, se desenvolve em torno do fecho das escolas no período de confinamento e da exigência da sua abertura rápida.

Todos sabemos, neste momento, do inultrapassável papel de suporte que as escolas portuguesas desenvolvem na educação e, também, na manutenção das crianças mais necessitadas.

Por tal razão – em tempo de guerra não se limpam armas – compreende-se que, agora, mais do que a preocupação com o relativo atraso no ensino que o confinamento origina – mas que pode sempre ser recuperado – seja necessário pensar no apoio social que as escolas também são chamadas a prestar.

Todavia, o que parece resultar, verdadeiramente, de muitas críticas ao encerramento das escolas é a dificuldade – ou a relutância – que muitos pais têm de lidar, normal e regularmente, em casa ou fora dela, com os filhos que fizeram e têm.

Na verdade, parece ter-se criado uma cultura – egoísta – de entregar os filhos às escolas públicas e privadas para que os eduquem, alimentem e entretenham: em casa, só para dormir.

O tempo livre que muitos pais têm nem sequer é parcialmente dedicado aos filhos, que, não raro, são, afinal, entendidos como um estorvo: valha-lhes a santa televisão.

As saídas tardias à noite de sexta-feira, frequentemente bem regadas, são, por vezes, mais importantes para muitos pais – de todas as condições e idades – do que o levantar cedo, ao sábado, para levar os filhos ao desporto ou a atividades lúdicas na natureza. 

Por isso, cada vez mais, muitos casais optem pelos animais de companhia: é mais fácil.

Que os que têm empregos em fábricas, oficinas e limpezas de escritórios distantes, e necessitam de gastar mais tempo em demorados e superlotados transportes públicos para continuar a trabalhar presencialmente, possam preocupar-se com o fecho das escolas – mesmo que, mais recentemente, com verdadeiros contratos de trabalho, lhes seja possível optar por receber um subsídio para acompanhar os filhos menores, em casa – é compreensível.

Todavia – não nos devemos iludir – não são eles que mais protestam com o fecho das escolas e com o tempo que, infelizmente, queiram ou não, sobra hoje a muitos pais para se dedicarem aos filhos.

O fecho das escolas constitui um dificuldade social real, mas só é assim porque os verdadeiros problemas sociais não estão resolvidos: o respeito rigoroso pelos horários normais de trabalho dos pais, a manutenção de uma precariedade inaceitável nas relações laborais, a necessidade de salários dignos para que os pais possam proporcionar, desde logo, uma alimentação salutar aos filhos e os artigos de que necessitam para a sua educação, a qualidade, preço, isolamento térmico e o tamanho da habitação, a qualidade, limpeza e frequência dos transportes públicos para que se encurte o tempo que se gasta entre o trabalho e a casa, a educação cívica para que os pais compreendam e aceitem a responsabilidade de ter filhos e tomar conta deles.

Muito do discurso sobre o fecho das escolas, não nos iludamos, esconde, – ou quer esconder, infelizmente -, os problemas reais da maioria dos portugueses.

E estes não nasceram com o Covid.

No fundo, é mais fácil e menos subversivo falar do fecho das escolas e dos resultados que ele origina do que dos problemas que a sua abertura e normal funcionamento sempre encobriu.


O que a discussão sobre o funcionamento regular das escolas acaba por esconder


Todos sabemos, neste momento, do inultrapassável papel de suporte que as escolas portuguesas desenvolvem na educação e, também, na manutenção das crianças mais necessitadas, mas …


Do que tenho visto e entendido da Holanda, onde vivo, já aqui dei, várias vezes, testemunho.

Como confessei já, o que, ao princípio, mais me espantou foi o facto de, a partir das quatro e meia da tarde, os serviços e quase todas as lojas se prepararem para fechar. O comércio de rua fecha, em geral, pelas cinco.

Por outro lado, sempre vi, também, que os parques públicos estão, a partir dessa hora, cheios de pais e mães, de todas as condições sociais e idades, acompanhando os filhos saídos cedo das escolas e com eles brincam alegremente, sem se distraírem – como no nosso país quase sempre acontece – com os telemóveis.

E esta atenção aos filhos e o acompanhamento às brincadeiras que estes têm nos parques, acontece, mesmo com a pandemia e com um regime bem apertado de confinamento que, neste país, dura há meses. O atual recolher obrigatório, por exemplo, começa aqui às nove da noite e dura até às quatro e meia da manhã.

A verdade é que, na Holanda, os horários de trabalho são respeitados e pensados por todos – Estado patrões e trabalhadores – para que a vida familiar e social se desenvolva com normalidade e conforto geral.

As escolas servem, no essencial, como devem, para ensinar, e não funcionam como depósitos, fora de horas, de crianças e jovens.

Os pais dedicam verdadeira atenção aos filhos pequenos, transportando-os sempre nas suas bicicletas e brincando, de facto, com eles nos parques, que abundam em todas as cidades.

Mesmo aos sábados e domingos, é normal vê-los levantar-se cedo para acompanhar os filhos às atividades ao ar livre e por eles esperar, tantas vezes ao frio e à chuva.

A Holanda é, também, um dos países ocidentais com maior taxa de natalidade.

Li, há anos, um artigo de jornal em que se dava conta da preocupação das autoridades inglesas com o insucesso escolar dos filhos da comunidade portuguesa, que obtinham os piores resultados de todas as comunidades emigrantes nesse país.

A conclusão apontava para o desinteresse que – em comparação com os de, por exemplo, comunidades de países orientais – os pais portugueses manifestavam em relação ao acompanhamento e à evolução escolar dos filhos.

Vem tudo isto a propósito da quase histeria que, entre nós, se desenvolve em torno do fecho das escolas no período de confinamento e da exigência da sua abertura rápida.

Todos sabemos, neste momento, do inultrapassável papel de suporte que as escolas portuguesas desenvolvem na educação e, também, na manutenção das crianças mais necessitadas.

Por tal razão – em tempo de guerra não se limpam armas – compreende-se que, agora, mais do que a preocupação com o relativo atraso no ensino que o confinamento origina – mas que pode sempre ser recuperado – seja necessário pensar no apoio social que as escolas também são chamadas a prestar.

Todavia, o que parece resultar, verdadeiramente, de muitas críticas ao encerramento das escolas é a dificuldade – ou a relutância – que muitos pais têm de lidar, normal e regularmente, em casa ou fora dela, com os filhos que fizeram e têm.

Na verdade, parece ter-se criado uma cultura – egoísta – de entregar os filhos às escolas públicas e privadas para que os eduquem, alimentem e entretenham: em casa, só para dormir.

O tempo livre que muitos pais têm nem sequer é parcialmente dedicado aos filhos, que, não raro, são, afinal, entendidos como um estorvo: valha-lhes a santa televisão.

As saídas tardias à noite de sexta-feira, frequentemente bem regadas, são, por vezes, mais importantes para muitos pais – de todas as condições e idades – do que o levantar cedo, ao sábado, para levar os filhos ao desporto ou a atividades lúdicas na natureza. 

Por isso, cada vez mais, muitos casais optem pelos animais de companhia: é mais fácil.

Que os que têm empregos em fábricas, oficinas e limpezas de escritórios distantes, e necessitam de gastar mais tempo em demorados e superlotados transportes públicos para continuar a trabalhar presencialmente, possam preocupar-se com o fecho das escolas – mesmo que, mais recentemente, com verdadeiros contratos de trabalho, lhes seja possível optar por receber um subsídio para acompanhar os filhos menores, em casa – é compreensível.

Todavia – não nos devemos iludir – não são eles que mais protestam com o fecho das escolas e com o tempo que, infelizmente, queiram ou não, sobra hoje a muitos pais para se dedicarem aos filhos.

O fecho das escolas constitui um dificuldade social real, mas só é assim porque os verdadeiros problemas sociais não estão resolvidos: o respeito rigoroso pelos horários normais de trabalho dos pais, a manutenção de uma precariedade inaceitável nas relações laborais, a necessidade de salários dignos para que os pais possam proporcionar, desde logo, uma alimentação salutar aos filhos e os artigos de que necessitam para a sua educação, a qualidade, preço, isolamento térmico e o tamanho da habitação, a qualidade, limpeza e frequência dos transportes públicos para que se encurte o tempo que se gasta entre o trabalho e a casa, a educação cívica para que os pais compreendam e aceitem a responsabilidade de ter filhos e tomar conta deles.

Muito do discurso sobre o fecho das escolas, não nos iludamos, esconde, – ou quer esconder, infelizmente -, os problemas reais da maioria dos portugueses.

E estes não nasceram com o Covid.

No fundo, é mais fácil e menos subversivo falar do fecho das escolas e dos resultados que ele origina do que dos problemas que a sua abertura e normal funcionamento sempre encobriu.