As moratórias têm sido uma lufada de ar fresco para muitas famílias e empresas que, devido aos prejuízos da pandemia, podem deixar de pagar temporariamente as respetivas prestações dos empréstimos contraídos. No entanto, com o passar do tempo, são muitas as moratórias que veem o seu prazo chegar ao fim, o que pode ser uma verdadeira dor de cabeça. Aliás, a prorrogação das moratórias tem vindo a ser pedida por responsáveis dos vários setores afetados pela pandemia.
É que o fim deste apoio pode vir a ser um problema. Ainda esta segunda-feira, o presidente da comissão executiva da Caixa Geral de Depósitos (CGD) avançou que o fim deste apoio vai representar “um grande desafio” para as empresas que estão em maiores dificuldades financeiras. Na opinião de Paulo Macedo, devem ser criados apoios para os setores mais afetados pela pandemia de covid-19.
“As moratórias vão ser um desafio grande, designadamente para as empresas que não têm cash flow”, disse o responsável na conferência “As mulheres e o emprego: desta vez um debate com homens e mulheres”, promovido pela Confederação Empresarial de Portugal (CIP).
No entanto, a banca já tinha afastado uma catástrofe com o fim de moratórias privadas este mês. “Temos feito um acompanhamento muitíssimo de perto das moratórias. Mais de 98% dos clientes com moratória não pioraram a sua situação financeira e, por isso, não antevemos, para já, um problema significativo”, disse João Pedro Oliveira e Costa, presidente executivo do BPI.
Já Miguel Maya, presidente executivo do BCP, chegou a dizer que só se podem “retirar os apoios à economia quando a economia voltar a alguma normalidade”, avançou em entrevista ao Eco e à TVI24. “Porque é que estamos preocupados em sair do processo da moratória quando devíamos estar todos focados em resolver o problema da pandemia?”, questionou.
Ao i, o porta-voz da Expense Reduction Analysts, João Costa lembra que as empresas que estão a beneficiar da moratória pública desde o ano passado e que a partir de 1 de abril “terão de retomar o pagamento dos juros sobre os empréstimos contraídos”, acrescentando que estão, claro, de fora as empresas dos setores mais afetados pela pandemia como os transportes, turismo ou cultura.
Mas, no caso de entidades que aderiram à moratória antes de 30 de setembro do ano passado e que não fazem parte desta exceção, “a entrega de prestações de capital em dívida mantém-se suspensa, mas terão de começar a pagar juros”.
De acordo com o responsável, não há dúvidas: “Para muitas organizações esta situação vai criar um cenário muito dramático, não lhes restando outra solução senão o encerramento”.
No entanto, o fim dramático pode não ser o mesmo para todas e João Costa garante que muitas podem optar por soluções. “Reduzindo custos, tornando-se mais lean, procurando novos modelos de negócio e novos clientes, renegociando com os fornecedores e com a banca, tentando diversificar os fornecedores, nos casos em que há dificuldades ou encarecimento das matérias-primas, é possível que consigam sobreviver”, sugere.
E vai mais longe ao considerar que é crucial que, neste momento, as empresas repensem os seus custos, de modo a obter mais liquidez, “e isto pode ser conseguido, por vezes, através da negociação planificada dos contratos com fornecedores”.
Ainda assim admite que, cada empresa deverá optar pela sua estratégia “adaptada à sua dimensão, volume de faturação, impacto e dificuldades detetadas, de forma a conseguir responder de forma acertada aos desafios que enfrenta. E obviamente que aguardar pelas novidades do governo sobre a tão falada bazuca e suas repercussões para as empresas”.
Questionado sobre quais as principais consequências económicas do fim deste apoio, João Costa garante: “Vão ser notadas principalmente nas pequenas e médias empresas, com menor margem de negociação e menores reservas. Muitas não conseguirão sobreviver a mais um embate, e isto pode representar uma alteração no atomizado tecido empresarial (99,9% das empresas portuguesas são de pequena ou média dimensão, diria mesmo que micro quando olhadas à escala europeia), que já se tem vindo a verificar como consequência da pandemia, mas que será agravada. A sua consolidação é desejável e, nesta situação, poderá ser oxalá acelerada”.
Para o responsável é óbvio que muitas empresas vão precisar de um apoio quando as moratórias terminarem, “seja através do prolongamento das mesmas ou de outras soluções que deverão (e/ou deveriam) constar do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]”.
João Costa relembra os “sucessivos decréscimos” na criação de novas empresas e, por isso, considera “crucial manter o tecido económico atual”. No entanto, “isto parece cada vez mais utópico com as moratórias a terminar e muitas empresas sem uma perspetiva clara do que serão os próximos meses”.
O que pode fazer o Governo?
João Costa lembra que Portugal “tem um modelo económico típico dos países subdesenvolvidos, cujo PIB é suportado, maioritariamente, pelos setores do turismo, do comércio e por serviços de baixo valor acrescentado”.
Por isso, para acelerar o crescimento do país, o foco do Governo deve passar por “apoiar mais as empresas e menos o setor público do Estado”.
Para o responsável o porta-voz da Expense Reduction Analysts não há dúvidas: “O plano para o futuro deve ser focado na reindustrialização e deve promover o aumento da dimensão das empresas”, diz ao i. Mas não só. Deve passar pela competitividade, tanto ao nível da produtividade e das exportações, na atração de investimento estrangeiro e ainda por “privilegiar a formação e as qualificações dos recursos humanos; incentivar a poupança, a sua utilização eficiente e investir em infraestruturas para a digitalização, que permitem ao país participar na economia do futuro”.
“O que se verifica é que a debilidade financeira do país acrescenta problemas a há já difícil tarefa de reestruturar profundamente a economia. Por isso, a disponibilidade de fundos europeus é apresentada como a oportunidade”, sugere.
O responsável desta ainda que o PRR deveria complementar incentivos financeiros e fiscais que impulsionem as fusões e aquisições de empresas, “uma vez que o processo de crescimento orgânico exige demasiado tempo, e este pode ser utilizado para aproveitar as oportunidades que a reorganização das cadeias de valor globais e locais nos proporcionam”.
De uma coisa, João Costa não duvida: “O que parece estar a acontecer é que os governantes estão a aproveitar a crise sanitária e a consequente crise económica para implementar programas centrados na descarbonização, na digitalização e numa economia mais verde, o que deixa de fora setores, como o turismo e a exportação de produtos agroalimentares – que foram decisivos no aumento das nossas exportações nos últimos anos – e que não podem voltar a crescer só com base em descarbonização e/ou digitalização”.