TAP e Altice: duas faces de moedas diferentes


Os fins não justificam todos os meios. E o Governo, este como qualquer outro, não pode ter uma atitude de omissão ou de ação sem critério, clareza e transparência.


As sociedades, que são cada vez mais complexas, não podem ser recetáculo de soluções simples, determinadas pela impreparação dos decisores, por formatações ideológicas sem nexo com a realidade ou por circunstâncias alheadas do que é cada vez mais essencial: as pessoas e a sustentabilidade das soluções.

O mercado funcionar não tem de significar que seja sempre de forma selvagem, impessoal e sem sentido da relevância económica e social dos protagonistas. O mercado funcionar com regras, infelizmente em Portugal significa amiúde que os reguladores decidem em função de parâmetros que impõem decisões distantes da salvaguarda das pessoas e da defesa do interesse geral. Pode ser arrogância, teimosia ou simples incompetência, mas a realidade está pejada de situações em que isso acontece, sendo que em Portugal entrou-se há uns anos numa perigosa deriva da mudança das leis em função do caso concreto. A lei que é suposto ser geral e abstrata na sua aplicação, pode ser concreta na sua alteração em função dos humores de circunstância ou em ordem à obtenção de determinados fins. Os fins não justificam todos os meios. E o Governo, este como qualquer outro, não pode ter uma atitude de omissão ou de ação sem critério, clareza e transparência.

O mesmo Governo que decidiu intervir na TAP com o argumento da salvaguarda estratégica da companhia aérea de bandeira é o que se acomoda com sucessivos disparates do regulador das telecomunicações, a ANACOM, em sucessivas intervenções no mercado que, sob a capa heroica da defesa dos interesses dos consumidores, impõe soluções que afetam a sustentabilidade dos operadores e se posicionam muito distantes do interesse nacional. Há muito que digo, em termos públicos, há uma exigência de critério que tem de ser transparente e inteligível. Infelizmente muito do que se passa não é nem uma coisa nem outra, comprovando que a narrativa política não bate certo com a ação, no presente e quando se confronta com o que os protagonistas vigentes disseram no passado.

O Governo interveio na TAP, no quadro dos brutais impactos da pandemia no transporte aéreo, mas poderia ter sido no âmbito da dimensão ideológica presente no aconchego dos parceiros de solução governativa ou na observância de convicções profundas, individuais ou coletivas, e abriu o sorvedouro de injeção de dinheiro público sem salvaguardar os postos de trabalho ou o tratamento das pessoas como a dignidade destas impunha, por não serem responsáveis pelos desmandos de anos de gestão desfasada das dinâmicas e com fraco compromisso com a coesão territorial ou a afirmação internacional dos interesses nacionais.

O Governo, que se diz da transição digital, entregou-se nas mãos do regulador para a concretização de uma transição estratégica importante para o país, deixando que se impusesse orientações, metodologias e soluções que não defendem o interesse nacional, por exemplo, da coesão territorial pela cobertura de rede, e impuseram aos operadores incontornáveis modelações dos perfis das empresas. Ainda assim, partindo de uma realidade de 1909 trabalhadores diretos na NOS (fonte: relatório anual 2019), 1396 Trabalhadores diretos na Vodafone Portugal (fonte: relatório março 2020) e de 8000 trabalhadores diretos Altice Portugal, as soluções de modelo laboral adotadas por esta última para se ajustar às regras impostas pelo Governo, através da ANACOM, são muito diferentes das aplicadas na TAP. Entre os despedimentos na TAP e o programa de Saídas Voluntárias da Altice Portugal, que contempla modalidades de Pré-Reforma (PR), para colaboradores com 55 anos (ou mais) e pelo menos 15 anos de antiguidade, com manutenção de 80% do vencimento-base, diuturnidades, planos de saúde e de telecomunicações, podendo acumular com a celebração de novos contratos de trabalho com outras empresas não concorrentes, há toda uma diferença que importa: o respeito mínimo pelas pessoas. O fim da sustentabilidade é o mesmo, os caminhos escolhidos divergem no humanismo.

A exigência da realidade, condicionada pela pandemia e pelos seus impactos negativos e por processos contínuos de necessidade de concretização de transições e de inovações para corresponder às necessidades e às dinâmicas, vão impor impulsos contínuos em busca da sustentabilidade, sem perder de vista a necessidade de serem desenvolvidos e concretizados com critério e com preocupações em relação às pessoas. O que não foi feito na TAP pelo Governo, o que está a ser feito pela Altice para responder também às imposições da ANACOM, em nome de um Governo que se demitiu de agir. Crítica agora insuficiência e resultados da ANACOM, por exemplo, no 5G, mas ficou-se, quando era de agir, em defesa do interesse nacional e dos portugueses, de todos, não apenas das cidades e do litoral. Como diria alguém, “É a vida”, mas não tinha de ser.

 

NOTAS FINAIS

COMÉDIA. A putativa apresentação de candidatos autárquicos do PSD transformou-se num espetáculo de gargalhada, pelos desmentidos, na substância e no momento.

TRAGICOMÉDIA. O PCP fez 100 anos. Tanta história, boa e menos boa, não justificava o impulso norte-coreano de pejar as cidades com bandeiras do PCP e de reiterar ajuntamentos dispensáveis em renovadas afirmações de “quero, posso e mando”, neste caso faço o que os cidadãos não podem.

DRAMA. Este PS, pelo poder, tudo permite. Catarina Martins (BE) reiterou a acusação de permeabilidade do PS ao poder económico e não houve uma alminha que a rebatesse. A aquiescência com a acusação, confirmada em factos, mas não generalizável, é uma vergonha. Logo vinda de quem é vocacionada para transformar o acessório em central, sempre com a infinita convicção de que os recursos públicos são um poço sem fundo para os seus nichos eleitorais ou de oportunidade.

MONÓLOGO. Cavaco Silva reapareceu, Passos Coelho paira, Carlos Moedas tem pista própria e Rui Rio está cada vez mais entregue a si próprio e ao diálogo de segunda escolha com o Governo quando a esquerda falha. Por regra, em monólogo.

 

Escreve à segunda-feira