Já não há concelhos no vermelho
André Peralta Santos, da Direção Geral da Saúde, deu início à reunião do Infarmed com o ponto de situação epidemiológico. Desde a última reunião manteve-se a tendência de descida de casos. A maioria dos concelhos regista agora uma incidência cumulativa inferior a 120 casos por 100 mil habitantes, indicou, apresentando o mapa mais recente que mostra que apenas na região de Lisboa se verifica uma incidência entre 120 e 240 casos por 100 mil habitantes.
"Para ter impacto na redução de utilização de cuidados intensivos teremos de esperar que a vacinação se alargue para mais de 50 anos"
André Peralta Santos assinalou a descida de casos em todas as faixas etárias e também nos internamentos. O técnico da DGS assinalou, no entanto, que se em enfermaria os idosos com mais de 80 anos representam a maioria das hospitalizações, no que diz respeito à ocupação de cuidados intensivos, a maior percentagem de doentes são pessoas entre os 60 e 69, faixa etária que ainda não está a ser vacinada. "Para ter impacto na redução de utilização de cuidados intensivos teremos de esperar que a vacinação se alargue para mais de 50 anos", indicou.
Baltazar Nunes: R com tendência crescente mas continua a ser o mais baixo da Europa
"Continuamos a descer a incidência mas essa tendência tem vindo a desacelerar com o tempo", afirma Baltazar Nunes, epidemiologista do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. Como o i já tinha noticiado, os relatórios do INSA assinalam há duas semanas que o R tem estado a aumentar. Nos últimos cinco dias situou-se em 0,74. O investigador salientou que o país continua a registar o R mais baixo da Europa e que desde a última reunião houve uma alteração no espaço europeu, com vários países a aumentar a incidência. Portugal, Reino Unido, Irlanda e Espanha estão em contraciclo. A mobilidade também tem estado a aumentar em todos os países, assinala.
Índice de confinamento a 62%
"O máximo de confinamento que tivemos foi no dia 28 de janeiro com 78% do máximo observado em abril e agora estamos com 62%", diz Baltazar Nunes, revelando que também a análise do INSA confirma o aumento de mobilidade dos portugueses antes do início de desconfinamento. É uma das notas de apreensão deixadas na reunião.
INSA prevê 239 doentes internados em UCI a meio de março, o objetivo traçado pelos intensivistas
As projeções feitas pelo INSA para a evolução dos internamentos eram mais pessimistas do que tem vindo a acontecer, assumiu Baltazar Nunes. O Instituto Ricardo Jorge prevê agora que a meio de março estejam internados em cuidados intensivos 239 doentes com covid-19, já dentro do limite de ocupação recomendado pelo coordenador da medicina intensiva na última reunião. Recorde-se que nessa reunião, há duas semanas, João Gouveia defendeu que no máximo o SNS pode ter 242 doentes com covid-19 internados em UCI para serem garantidos patamares de segurança e não ser preciso suspender atividade programada nos hospitais como cirurgias, como aconteceu nos últimos meses. No final de março, e mantendo-se a atual tendência de casos, o INSA prevê agora que haja pouco mais de cem doentes em UCI.
Variante inglesa já representa 65% dos casos e está de novo a aumentar mais depressa
João Paulo Gomes, responsável pelo estudo da diversidade genética do vírus no INSA, revelou que este domingo a variante inglesa representou 65% dos novos casos de infeção por SARS-Cov-2 diagnosticados no país. Recorde-se que esta variante é mais transmissível e tem-se tornado dominante em vários países europeus. As projeções eram de que a variante tivesse alcançado este nível de prevalência há três semanas. João Paulo Gomes assinalou que o processo foi mais lento, o que associou ao confinamento. Em janeiro, a variante inglesa chegou a aumentar 70% à semana e nas últimas semanas o crescimento foi de 10%. O investigador assinalou no entanto que agora está a aumentar a um ritmo maior.
Como sabem?
A partir de uma ferramenta desenvolvida com os laboratórios Unilabs, o INSA monitoriza os resultados positivos para o SARS-Cov-2 com uma falha de amplificação do gene S. Esses casos são suspeitos de corresponder à variante inglesa, que tem esta característica, o que permite ir estimando a prevalência ao dia, enquanto a sequenciação de amostras é feita de forma mais espaçada, agora mensalmente. Os dados têm sido sobreponíveis. Nas últimas sequenciações de amostras de vírus de pessoas diagnosticadas em fevereiro, 58% dos vírus correspondiam à variante inglesa. Em janeiro o peso da variante nos casos nacionais era de 16%.
João Paulo Gomes adiantou que vai manter-se o envio de amostras mensal para o INSA para sequenciação e que está a ser desenvolvido um sistema de pré-rastreio de mutações, tanto da inglesa como das sul-africana e brasileira, isto nos vários laboratórios do país.
"Testes rápidos não permitem monitorização das variantes do SARS-CoV-2"
João Paulo Gomes aproveitou a apresentação para sublinhar que os testes rápidos não permitem monitorizar as variantes, dizendo já ter sido alertada a autoridade nacional de saúde e que é preciso também manter e aumentar os testes PCR (as análises moleculares convencionais) por forma a manter a vigilância sobre as novas variantes.
277 introduções no país causaram o arranque da epidemia. "Isto vai voltar a acontecer"
Refletindo sobre o desconfinamento, João Paulo Gomes apresentou os resultados de um estudo feito pelo INSA que revelou que 277 introduções do vírus no início do ano passado levaram ao arranque da pandemia do país. A maioria das pessoas que chegaram infetadas vinha de quatro países: Reino Unido, Espanha, França e Itália, países com maior ligação turística e emigrantes, assinalou. "Isto vai naturalmente voltar a acontecer. Estamos todos a desconfinar, estas variantes continuam a circular e novas variantes surgirão, potencialmente tão ou mais gravosas. A população vai ganhando imunidade e o vírus vai continuar a adaptar-se. Sugiro uma atenção redobrada em todo o desconfinamento para com os países que estejam mais relaxados com a vigilância de variantes", defendeu.
O investigador lembrou ainda que nem todas as variantes têm o mesmo impacto em termos de saúde pública mas o controlo atempado pode fazer a diferença, recordando o caso da cerca de Ovar. No início da epidemia em Portugal, uma pessoa que terá chegado de Itália causou 4 mil casos em diferentes cadeias de transmissão que se geraram a partir daí. Os casos desta variante ficaram concentrados na zona Norte.
Henrique Barros apresenta proposta de desconfinamento
Henrique Barros, presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, apresentou o resultado de uma análise de 24 mil intervenções em 260 países para propor um guião de desconfinamento, defendendo que não deve haver uma abordagem simplista e considerando que pode haver diferentes tipos de medidas, mas um dos pontos assentes é que demoram 10 a 15 dias a ter o seu impacto visível.
A partir da análise do que foi feito nos diferentes países ao longo do tempo, começou por apresentar quatro grandes grupos de medidas, desde a limitação de eventos com mais de 50 pessoas ao fecho de cafés e restaurantes e depois o fecho das escolas. Comparando o que se passou em Portugal com o Reino Unido, Países Baixos, Suécia e Grécia, assinalou que há diferenças na intensidade das intervenções e no timing. No Reino Unido atuou-se mais sobre o comércio e menos nas escolas. Nos Países Baixos o contrário. Na Suécia as medidas foram menos intensas. Na Grécia as medidas foram mais precoces e Portugal respondeu nesta vaga com o fecho de escolas mais tarde. Outra conclusão: na primeira onda a incidência nos diferentes países era sete vezes mais baixa quando se tomaram medidas.
Henrique Barros defende que, com atual incidência, Portugal devia manter restrições a aglomerações mas não medidas mais duras
O modelo apresentado por Henrique Barros consiste numa árvore de decisão que com base na experiência natural dos diferentes países define assim as linhas de corte para a aplicação das diferentes medidas. Atualmente, se o indicador de análise for a incidência cumulativa a 14 dias por 100 mil habitantes, Portugal, que este domingo atingiu uma incidência de124 casos por 100 mil habitantes, estaria num patamar em que são aplicadas apenas restrições a aglomerações com mais de 50 pessoas.
Já se o indicador usado para decidir for o número de internamentos por milhão de habitantes, a esta altura 141, o país também se situaria no patamar para limitar apenas aglomerações. Já se o indicador for a ocupação dos cuidados intensivos, o país estaria ainda no patamar que leva a restringir cafés e comércio não essencial, mas em breve sairá também desse patamar.
O investigador ressalva ainda que esta análise resulta de um modelo conservador uma vez que quando os países tomaram estas decisões ao longo dos últimos não havia inicialmente o uso generalizado de máscaras nem vacinas. Por outro lado, considera que acomoda novos riscos como as variantes.
Segunda proposta da reunião: menos de 60 casos por 100 mil habitantes para aliviar medidas. 240 casos por 100 mil habitantes como linha vermelha
Baltazar Nunes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, apresentou de seguida a estratégia desenhada pelos restantes peritos que intervêm na reunião, não só o INSA mas DGS, Escola Nacional de Saúde Pública e também a equipa de Manuel Carmo Gomes da Faculdade de Ciências de Lisboa. E são estas as balizas que propõem:
– Para alívio de medidas defendem que o país deve ter uma incidência a 14 dias inferior a 60 casos por 100 mil habitantes. A linha vermelha para apertar medidas são os 240 casos por 100 mil habitantes. O RT deve ser menor que 1 ou próximo de 1. A taxa de positividade por outro lado deve ser inferior a 4%. Um quinto indicador é a percentagem de inquéritos epidemiológicos atrasados, que não pode ser superior a 10%, defendeu. 90% das pessoas infetadas têm assim de ser isoladas e ser alvo de inquérito para perceber quem foram os seus contactos no espaço de 24 horas.
Baltazar Nunes identifica ainda a capacidade de cuidados intensivos como indicador "major": não deve ultrapassar 85% das camas que foram abertas desde março do ano passado, garantindo-se continuidade de resposta para doentes não covid. Assim, o limite para aliviar ou reintroduzir medidas seria de 245 doentes com covid-19 internados nos hospitais.
Como se aplicaria? Um gráfico para posicionar o país a cada momento. Se estiver na zona vermelha, aplicar medidas
Baltazar Nunes apresenta o modelo desenvolvido e como se aplicaria: um gráfico que combina as diferentes variáveis mostraria como está o país em cada momento. Se o país estiver do lado direito do gráfico "é importante implementar medidas logo cedo para trazer o R abaixo de 1", defende. Para aliviar tem de chegar à zona verde.
Investigadores criam indicador para avaliar "urgência das medidas"
Baltazar Nunes apresentou de seguida um indicador criado por esta equipa para se perceber a cada momento, conforme a tendência atual, a quanto tempo se está de chegar à linha vermelha dos 240 casos por 100 mil habitantes, o que complementa o gráfico anterior. "É relevante para perceber a urgência das medidas", justifica.
"Se tiver um R de 1,2, em cerca de 30 dias partindo de 60 casos por 100 mil habitantes chego aos 240 casos por 100 mil habitantes. Se tiver um R de 0,5, preciso de 300 dias. Esta informação é relevante para a urgência de decisão e intensidade das medidas".
Como está o país no novo modelo
Baltazar Nunes conclui dizendo que os indicadores estarão já fora do vermelho a meio de março, com uma nota para regiões autónomas onde pode haver necessidade de escalar medidas. E adianta que a informação sobre estes indicadores passará a ser publicada periodicamente.
Novos patamares de risco por concelho
Óscar Felgueiras, matemático especialista em epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e colaborador da Administração Regional de Saúde do Norte, apresenta um terceiro modelo de análise, propondo cinco níveis de risco por concelho, passando a ser o mais elevado de 240 casos por 100 mil habitantes a 14 dias. Recorde-se que no ano passado, o patamar de risco mais elevado usado pelo Governo era quando se verificavam incidências cumulativas superiores a 960 casos por 100 mil habitantes por concelho.
O investigador que trabalhou neste modelo com a pneumologista e ex-secretária de Estado Raquel Duarte, depois de o Governo ter pedido a ambos uma proposta de plano para levantamento das medidas restritivas, explicou que os concelhos mudariam de patamar de risco em função não só da incidência mas da taxa de aumento ou diminuição de casos a 14 dias. "A zona de preocupação é quando temos incidência acima de 240 casos por 100 mil habitantes ou estando abaixo está com uma tendência de crescimento. A situação desejável é estar no risco 2, abaixo de uma incidência cumulativa abaixo dos 60 casos por 100 mil habitantes". Atualmente, indicou, o país estaria colocado no nível 3. Por outro lado, no ano passado, a 10 de outubro, estava no nível de risco mais elevado, o que segundo esta matriz justificaria uma decisão de confinamento.
Peritos propõem que risco por concelho tenha em conta estado da vizinhança
Óscar Felgueiras explica que outra nova variável na análise passa por ter em conta o estado epidemiológico nos concelhos vizinhos para calcular o nível de risco em cada município, calculando a incidência cumulativa a 14 dias tendo em conta o total de casos nos concelhos adjacentes. A diferença entre ter em conta apenas a incidência local ou a vizinhança seria a do mapa em baixo, referente à situação a 3 de março, com o lado direito a mostrar o impacto da vizinhança. O investigador defende que a saúde pública deve pronunciar-se, mas que por regra este efeito da vizinhança seria uma forma de medir melhor o risco a nível local.
Em baixo o indicador aplicado retrospetivamente. Óscar Felgueiras recordou como inicialmente em outubro a incidência aumentou no Vale do Sousa Norte e mesmo com medidas locais inicialmente nos concelhos de Felgueiras, Paços de Ferreira e Lousada, o contágio alastrou pelos concelhos vizinhos.
Peritos propõem inicio do desconfinamento a nível nacional pelo pré-escolar e infantil e regras diferentes consoante o patamar de risco
Raquel Duarte apresentou a segunda parte do plano de redução de medidas restritivas entregue ao Governo. Para esse efeito, foram feitos questionários que permitiram classificar o nível de risco de diferentes atividades em função do risco de incumprimento de regras de higiene, aglomerações, etc. A proposta é que o país comece a desconfinar pelo pré-escolar e infantil a nível nacional, com regras diferentes consoante o patamar de risco em que se encontram os concelhos. A avaliação deve ser feita a cada duas semanas, quer a nível nacional quer a nível local, seguindo-se a abertura do primeiro ciclo.
Quanto aos locais de trabalho comuns, o regresso ao trabalho presencial começaria por locais sem público. Passadas duas semanas, abertura de locais de trabalho com público sem contacto físico.
Propõem ainda regras comuns, de cumprimento de distâncias, limite de lotações, arejamento, promoção de atividades em exterior ou remotamente sempre que possível e que até ao nível II haja restrições de horário de funcionamento. De segunda a sexta até às 21h e sábados e domingos até às 13.
Nos concelhos em nível III, já seria possível abertura de esplanadas, defendendo no entanto que o recolher obrigatório à noite se mantenha até ao nível II.
"Não podemos ter horas de ponta"
Raquel Duarte apresentou ainda aspetos a ter em conta na preparação do desconfinamento. "Não podemos ter horas de ponta", disse, defendendo o alargamento da rede de transportes, mas também mais educação nos locais de trabalho e que seja "fácil" que alguém com sintomas não vá trabalhar. "Qualquer medida tem estar associada a uma redução do risco de transmissão, não pode haver inquéritos epidemiológicos atrasados e temos de estar permanentemente a monitorizar", defendeu.
Recorde-se que Governo anunciou que o plano de desconfinamento será apresentado na próxima quinta-feira. Em termos epidemiológicos, as diferentes análises apresentadas esta segunda-feira indicam que há condições para o país começar a reabrir na segunda quinzena de março.
Já para balizar essa reabertura e futura monitorização da situação epidemiológica houve ao todo três propostas apresentadas. Quanto aos setores de atividade que poderão reabrir, a proposta de redução de medidas restritivas feita por Óscar Felgueiras e Raquel Duarte, a quem o Governo pediu um desenho do plano de reabertura, propõe o desconfinamento em função do nível de risco e do risco inerente a cada atividade, defendendo o início pelo pré-escolar e creches a nível nacional, com reaberturas de restantes ciclos de ensino após uma avaliação da situação a cada duas semanas.
António Costa. "Sinto-me com ferramentas para ter um processo de decisão mais sustentado"
António Costa fez a primeira intervenção no final das apresentações, considerando as análises "tendencialmente convergentes" e defendendo que poderão "mapear" o processo de decisão.
"Sinto-me com ferramentas para ter um processo de decisão mais sustentado", afirmou António Costa, citado pela agência Lusa. "O decisor político fica a partir de agora habilitado a ter uma base científica mais sólida para tomar as suas decisões".