PCP. Coreia de Portugal ou festa da liberdade?

PCP. Coreia de Portugal ou festa da liberdade?


Estão inauguradas as celebrações do centenário do Partido Comunista Português. Pelas ruas do país, milhares de bandeiras exibem a icónica foice e martelo, que deram azo a críticas, da esquerda à direita.


Na manhã de sexta-feira, várias cidades de Norte a Sul do país acordaram num ambiente que se assemelhava a Moscovo, Pequim ou Havana. A Avenida dos Aliados, no Porto, a Avenida da Liberdade, em Lisboa, e a ponte de Santa Clara, em Coimbra, foram só alguns dos pontos emblemáticos do país decorados com bandeiras do Partido Comunista Português (PCP) de cima a baixo. Estavam iniciadas as celebrações do centenário do partido mais antigo em Portugal, que levariam 100 ações por todo o país, e que se vão estender ao longo de todo o próximo ano, de forma a compensar o cancelamento do comício, que deveria ter acontecido no Campo Pequeno, mas foi vítima das limitações impostas pela luta contra a pandemia.

Se alguns se regozijaram com a visão da foice e o martelo pelas ruas do país, e deram os parabéns ao partido, outros viram nesta campanha um momento de “destruição”, e de “glorificação” do comunismo. O primeiro-ministro, o presidente da Assembleia da República e o Presidente da República saudaram publicamente o centenário do partido, celebrando António Costa as “respostas comuns” encontradas entre o PS e o PCP para o país. Ferro Rodrigues e Marcelo Rebelo de Sousa, citados pela agência Lusa, deram também os parabéns ao partido pelo seu centenário, destacando tratar-se do mais antigo partido em atividade no país.

Por outro lado, o mar vermelho que invadiu as cidades portuguesas surtiu críticas da esquerda à direita, desde os centristas até Zita Seabra que, apesar de não mencionar diretamente a iniciativa do partido, recorreu, no sábado, ao Twitter para relembrar as vítimas desta ideologia. A antiga militante do PCP, afastada em 1988, fez as contas e relembrou a informação recolhida aquando da edição do Livro Negro do Comunismo, editado 10 anos depois do seu afastamento do comité central. “100 milhões de mortos vítimas do comunismo no século XX: China 65 milhões, URSS 20 milhões, Camboja 2 milhões, Coreia Norte 2 milhões, África 1,7 milhões, Afeganistão 1,5 e Vietnam 1, Europa Leste 1 milhão”, referiu Zita Seabra, acusada rapidamente por outros internautas de polémicas em torno do mesmo livro.

Também “à esquerda” estiveram os comentários de Marco Martins (PS), presidente da Câmara Municipal de Gondomar, que fez uso do principal palco de discussão sobre esta polémica: o Facebook. Num post, o autarca definiu a iniciativa do PCP, em maiúsculas, e portanto, a alto e bom som, como sendo “inqualificável”. As bandeiras vieram “destruir o que trabalhamos para embelezar”, começou por acusar o autarca, que foi taxativo para com o Partido Comunista: “Escudado pelos ‘direitos políticos’ não pode valer tudo”.

Bom senso e respeito pelo espaço público foram as exigências de Marco Martins, que classificou ainda o PCP como sendo “um partido que acha que pode fazer tudo”. Mas o autarca deixou o golpe fatal para o fim: “Felizmente, os Gondomarenses sabem que Gondomar não é a Coreia”.

Do outro lado do espetro, Francisco Rodrigues dos Santos, líder do CDS-PP, partiu para as redes sociais para criticar a iniciativa dos comunistas, acusando-os de “enfiar a glorificação do comunismo pelos olhos dentro em pleno espaço público”. ‘Chicão’ continuou o post, questionando os feitos do comunismo pelo mundo, e a resposta não poupa na dureza. “Instalou ditaduras ferozes, condenou milhões de pessoas à morte, ao medo e à fome, fez da Rússia uma imensa rede de campos de concentração, e colaborou com Hitler na divisão da Europa entre 1939 e 1941”. Por cá, afirmou, o PCP “tentou fazer da revolução de 1974 a substituição de uma ditadura por outra”, o que levou o líder centrista a rejeitar “celebrar outra coisa que não sejam todas as liberdades e as conquistas políticas, sociais e económicas que não permitimos que o comunismo nos roubasse”. “E fá-lo-ei confinado, ao contrário de quem hoje celebrou o comunismo, porque o confinamento é para todos”, disparou ainda.

Também José Pinto-Coelho, dirigente nacional do partido Ergue-te (antigo Partido Nacional Renovador) fez questão de expressar o seu desagrado com as bandeiras colocadas ao longo de toda a praça dos Restauradores, na Baixa lisboeta. “Qualquer turista que chegasse agora a Lisboa pensaria que estava na Coreia do Norte”, acusou Pinto-Coelho, que apontou ainda o dedo à Câmara Municipal de Lisboa pela “conivência” com estas celebrações, e fez questão de retirar pelo menos uma das bandeiras hasteadas nesta praça.

Na mesma onda de crítica esteve a Juventude Popular do Porto, que, também nas redes sociais, publicou uma imagem satírica, parodiando o famoso programa de concursos “Quem Quer Ser Milionário?”. O título, neste caso, seria “Quem Quer Ser Comunista?” e, ilustrada com duas fotografias da Avenida dos Aliados, decorada com bandeiras do PCP, questionava, “Em que cidade foram tiradas estas fotografias?”. As opções eram as cidades de Pequim, Moscovo, Havana ou Porto, sendo que a opção “Porto” seria a correta.

Uma força autónoma O centenário do Partido Comunista Português poderá ter levantado sobrancelhas em diferentes setores da política no país, mas foi também o momento de celebração dos seus militantes, simpatizantes e figuras da política nacional. Na Baixa da cidade de Lisboa, uma centena de membros do PCP e da JCP – simbolizando os 100 anos do partido – marcharam para fazer ouvir a sua voz e exibir os símbolos do partido, reunindo no Rossio, onde Jerónimo de Sousa, secretário-geral desde 2004, discursou. Sem abraços nem fraternidade, o ajuntamento deu-se para ouvir o líder do partido, que começou por declarar que “em Portugal não há avanço, conquista, progresso que não tenha contado com o esforço e luta do PCP”, admitindo ainda erros, “mas também aprendendo lições e corrigindo”. Jerónimo de Sousa aproveitou ainda para reforçar que o PCP não é uma “força de apoio ao PS”, nem um “instrumento ao serviço dos projetos reacionários do PSD, CDS e seus sucedâneos”, e fez um apelo à “intensificação de todas as lutas”. Foi um verdadeiro afastamento do PS, que acusa de se manter “no essencial, na defesa dos interesses da direita”. Mais, o secretário-geral do PCP apontou o dedo às “forças reacionárias, a ação revanchista do PSD e CDS e dos seus sucedâneos, Chega e IL, que visam a subversão da Constituição, e fomentam o medo, tensões racistas, xenófobas e racistas”.

Em entrevista à TSF/DN, Jerónimo de Sousa fez também duras críticas ao BE. Sobre uma possível coligação entre PS e BE, sem os comunistas, o secretário-geral do PCP admite achar que “houve um esforço nesse sentido”, mas reitera “uma posição muito autónoma” do partido. “Naturalmente, nós acompanhamos muitas coisas que o Bloco colocou. Acho que o Bloco, muitas vezes, pensou mais no poder do que na matéria de facto”, atirou ainda.

Palco de emoções Um dos sítios mais icónicos do país a ser decorado com os símbolos do PCP foi a Avenida da Liberdade, em Lisboa. O boulevard tem sido o principal postal deste movimento, com as bandeiras a dar a volta ao Marquês de Pombal e a servir de pano de fundo para tudo quanto foram posts e imagens repetidas nos meios de comunicação. Esta icónica avenida lisboeta, no entanto, não foi escolhida ao acaso para este gesto do PCP. Todos os anos, as celebrações do 25 de Abril decorrem neste local, e enchem a avenida de bandeiras das mais diferentes instituições e ideologias, desde a própria bandeira nacional portuguesa, até bandeiras das comunidades LGBT.