Muitos jovens ambicionam ter uma carreira promissora no mundo da moda, sonhando com sessões fotográficas, desfiles em passerelles, entrevistas, capas de revista e tudo aquilo que é associado à fama de um modelo. No entanto, há quem se aproveite, no meio virtual, da ingenuidade e da paixão demonstradas por quem desconhece este universo. Os indivíduos interpretam o papel de scouters – termo anglo-saxónico que descreve as pessoas responsáveis por descobrir novos talentos – e têm as mais variadas intenções, desde a extorsão, passando pelo tráfico de seres humanos ou a obtenção de conteúdo de cariz erótico.
Antigamente, estes indivíduos abordavam possíveis vítimas na rua, num centro comercial ou num local em que a interação não parecesse dúbia. De modo habitual, quando a pessoa em questão chegava à primeira entrevista, numa agência, entendia que as promessas de uma vida glamorosa haviam sido feitas a outras dezenas. Assim, quando chegava a sua vez, a ou o aspirante a modelo apercebia-se de que, ao invés de estar numa entrevista de emprego, ser-lhe-iam vendidas aulas de atuação, um screen test – método utilizado para determinar se um ator ou uma é ideal para atuar num filme ou desempenhar um papel específico, sendo que o ou a artista geralmente tem um guião e é encorajado a atuar em frente a uma câmara – ou um book fotográfico. Hoje em dia, com o desenvolvimento das novas tecnologias, um falso agente entra em contacto facilmente com jovens aspirantes a modelos através das redes sociais.
“Esta situação não é nova. É das maneiras mais antigas de se fazer estas falcatruas. Os meus pais são engenheiros informáticos e alertaram-me para este perigo. Já tinham noção de que isto acontecia”, começa por explicar Inês Marinho, fundadora do movimento #NãoPartilhes – que luta pelo apoio às vítimas da partilha de conteúdos íntimos não autorizados e tenta consciencializar todas as pessoas para esta realidade – e que conta com mais de 38 mil seguidores na sua conta pessoal do Instagram.
Poses mais confortáveis “Já me abordaram várias vezes e com intuitos diferentes. Nunca tenho 100% certeza, mas parece um esquema e entendo isso através, por exemplo, de emails sem domínio específico, que não estão associados ao nome de uma empresa”, ilustra a jovem que, há cerca de um mês, recebeu o email de uma pessoa “que dizia ser de uma agência, costumava fazer sessões fotográficas e que queria combinar uma sessão informal”, precisando de fotografias da rapariga captadas em ângulos diferentes. “Disse que as poses podiam ser aquelas com as quais me sentisse mais confortável e que até podia enviar publicações que já tivesse feito no Instagram”, alerta.
Ainda que estes crimes ocorressem antes do surgimento da pandemia de covid-19, em Portugal, até ao início de dezembro do ano passado, as burlas informáticas e nas comunicações cresceram cerca de 20%, face a todo o ano de 2019. Já a 9 de fevereiro, no Dia Europeu da Internet Mais Segura, a PSP e a GNR alertaram os cidadãos para a necessidade de uma utilização segura e responsável da internet e dos telemóveis, especialmente os mais jovens. Em comunicado, a PSP lembrou que “a internet é quotidianamente utilizada de forma transversal por toda a população e todas as faixas etárias, especialmente através do acesso às redes sociais. Assim sendo, os perigos associados à internet ganham um alcance muito mais vasto, entrando no campo da ‘criminalidade virtual’”, adiantando também que a devassa da vida privada por meio da informática tem sido cada vez mais recorrente devido ao crescimento exponencial da utilização de redes sociais.
Cair na armadilha Na ótica de Inês, “nem toda a gente tem a maturidade suficiente e a personalidade formada para não cair neste tipo de armadilhas”, sendo que “estes burlões iniciam a conversa com um elogio, a dizer que as fotos, de modo geral, de uma rapariga são incríveis”. A influencer compreende que também sejam utilizados perfis femininos “porque se fossem de homens as meninas podiam desconfiar mais facilmente”. Reconhecendo que “por detrás de uma câmara, o sentimento de impunidade cresce ainda com mais rapidez”, salienta que “quando estes crimes passam para a vertente presencial, tornam-se ainda mais perigosos”.
Admitindo que a partilha de nudes – imagem em que uma pessoa se encontra totalmente nua ou seminua – ou de fotografias ousadas é o método mais usual a que os caça-talentos falsos recorrem para ludibriar adolescentes e jovens adultos, Inês esclarece que “devia haver uma educação prévia em relação a estes perigos porque não se anda a falar o suficiente dos mesmos porque ainda há muito tabu em relação à partilha de conteúdos eróticos”.
“Girl [miúda], tu és tão linda, eu não sei lidar! Juro, nem sei se és modelo ou se é uma área de que gostas, mas tens fotos incríveis”, enviou uma pessoa, usando a conta verdadeira de uma jovem, a uma rapariga, Diana (nome fictício), que partilhou os screenshots das conversas com Inês. “Já fizeste alguns trabalhos? Tens uma presença ótima nas fotos, querida, sem dúvida arrasavas. A minha mãe é consultora na Elite, então já lido com essa área desde nova, és incrível!”, avançou a burlona que explicou que havia recebido um convite da IMG Models, agência sediada em Nova Iorque, nos EUA.
“Sempre quis ser modelo” “Vi no Insta que trabalham com marcas muito boas e também têm imensa informação, além de email. Sempre quis ser modelo, mas, em Portugal, as agências pedem imenso dinheiro e é quase sempre scam [esquema], raramente tens trabalhos ou consegues elaborar um portefólio decente, e isso desmotiva-me bastante. Mas isto pareceu-me muito diferente, recebemos cerca de 1500 euros por mês pelo nosso trabalho, variando, claro, consoante a quantidade de sessões que fazemos e as marcas com as quais trabalhamos”, clarificou, afirmando que os castings ocorrem “via web” e a diretora “escreve tudo como temos de fazer, tanto poses como corpo, normal e interior, o que tem de avaliar, o dinamismo, etc”.
No site oficial da IMG Models, é possível ler que esta “considera a segurança e o bem-estar dos aspirantes a modelos uma prioridade”. “Temos orgulho de nosso profissionalismo, transparência e autenticidade e acreditamos que é importante aconselhar modelos sobre pessoas sem escrúpulos que se aproveitam de suas ambições”, constata-se na mensagem sobre impostores dirigida, acima de tudo, a adolescentes que almejam ganhar um lugar de destaque através da marca que já agenciou personalidades como Angela Lindvall, Bridget Hall, Carolyn Murphy, Gisele Bündchen ou Kate Moss. “Esteja ciente de que existem certos indivíduos na Internet que afirmam falsamente ser representantes (ou ‘olheiros’). Se for contactado por alguém que alega ser um representante da IMG Models, não responda sem primeiro verificar a identidade. Ligue-nos imediatamente para um dos nossos escritórios e teremos todo o gosto em ajudá-lo. Caso alguém afirmando ser um representante ou gerente de qualquer agência de modelos entrar em contacto consigo, alerte imediatamente os seus pais e/ou um adulto responsável”, informa. “A IMG Models não realiza entrevistas via Skype, nunca solicita nudes ou fotos de lingerie, e nunca exige pagamento em dinheiro”, conclui.
“És o maior arraso” “Eu ainda resisti, mas acabei por ceder” O golpe não é novo. Na madrugada de 20 de julho de 2019, no Twitter, Margarida (nome fictício), estudante universitária com então 20 anos, recebeu a mensagem “Tu és o maior arraso, meu, que linda” de uma seguidora, alinhando-se esta abordagem com aquela com a qual a seguidora de Inês foi confrontada. Respondendo da mesma forma entusiástica, enviou “Olá! Nada disso, tu é que és linda!” e recebeu de volta a resposta “Juro, tens fotos brutais, eu derreto. És modelo ou é uma área de que gostas? Tens mesmo jeito”. À época, pelas 2h30, a rapariga deixou-se levar. “Ela disse que íamos fazer o casting juntas, para uma empresa de modelos conhecida lá fora e que seria via Skype. Eu ainda resisti, mas ela – que supostamente não era ela, mas sim alguém que entrou na sua conta – levou a que cedesse porque parecia credível”, elucida a jovem.
“Fui convidada para uma agência inglesa chamada Premier Models, por isso é que estava a perguntar. A proposta é bué boa pelo que estive a ver no site e no Instagram deles e pareceu-me legítimo. Eles vão trabalhar com marcas portuguesas e estilistas e algumas outras marcas europeias como a Gucci e a Intimissimi”, escreveu a rapariga. “E, estando nesta agência, temos aulas com atores e músicos bastante conhecidos. Trabalham com bué bandas e atores como Tyga, Migos, entre outros. Fiquei mesmo interessada e acho que tens imenso jeito, juntas temos grande hipótese de conseguir”, incentivou a pessoa que terá hackeado o perfil de alguém que estará inocente.
“É preciso pagar?” “É importante termos uma noção se é mesmo fiável porque somos muito novas e há quem se aproveite disso! Então e o casting é feito como, fazemos juntas? Como é que se faz a inscrição? É preciso pagar para fazer o casting? Só para ter uma ideia”, questionou Margarida, desconfiando das oportunidades que surgiam tão súbita e surpreendentemente. “Pelo que a diretora me disse, o casting é online, via web, eles usam o Skype e fazem tudo num servidor apenas da agência para que seja tudo completamente anónimo e impossível de ser gravado ou algo do género. Senti-me mesmo segura porque, sendo uma agência internacional, fazem todos os tipos de trabalhos. Além disso, a PJ investigou a agência para ter 100% de certeza que é tudo verdade”. Mesmo com os esclarecimentos da interlocutora, Margarida continuou com medo e expôs os receios, pelas 3h, à pessoa que a acompanharia no casting por querer concretizar os mesmos sonhos que ela. “Tenho o email da secretaria se quiseres que te dê. Até te posso dar o Twitter de uma miúda da agência e falas com ela”, avançou a conta hackeada, sempre solícita.
Estou a receber 1200 euros “Olá, sim, estou na agência há dois meses. Mas que querias saber?” perguntou Ana (nome fictício), cuja conta já foi suspensa do Twitter, a Margarida, quando esta lhe enviou uma mensagem privada a pedir ajuda. “Olha, eu comecei a receber 750, e em dois meses estou a receber 1200 euros com comissões. Já fiz vários trabalhos que vão ser publicados em setembro. Estive no Somni, conheci o Tyga, tive backstage, e também vou conhecer Migos mais logo no Super Bock Super Rock. Portanto, para mim, está a compensar bastante, está a ser a melhor experiência da minha vida”. A seu lado, Margarida enviou “Eu soube agora do casting e, como é óbvio, queria saber mais sobre a agência porque hoje em dia nunca se sabe. E fazes os trabalhos onde?”. Seguindo sempre o mesmo modus operandi, Ana redigiu “Já tive alguns em Lisboa, outros em Coimbra, Porto. Depende um bocado das marcas. Soube que as nossas modelos vão ter sessões para a Calvin Klein, por isso, se passares, espero que consigas”.
Explicando que continuava ansiosa, Margarida recebeu um screenshot de uma mensagem que o rapper e compositor norte-americano Tyga havia enviado a Ana. “Sup girl. Any doubt about the Premier Models Agency or my work with them you can hit me up here or on my private account. Cya” o que, numa tradução livre para português, seria algo como “Olá, miúda. Alguma dúvida sobre a agência Premier Models ou o meu trabalho com eles, podes falar comigo por aqui ou na minha contra privada. Até breve”.
“Pode ser que isto te faça perder esse receio”, enviou Ana juntamente com a mensagem fictícia do artista, relatando que os castings terminariam às 6h, dali a somente duas horas e meia. “Tu tens alguma experiência em sessões normais ou em roupa interior ou assim? Estás à vontade com tudo, certo? É que no casting a diretora vê tudo e é rigorosa, aviso-te já, se estiveres nervosa ela nota. Pareces ter jeito, aproveita-te disso. Se pensares, por Skype, é muito melhor. Estás sozinha, na tua casa, é um sítio confortável, não tens bué pessoas nem câmaras, não tens pressão” e, às 4h15, Margarida entrou no Skype e deu início ao casting. “Olá! Sou a diretora de castings da Premier Models. Estás pronta?” e, com meia dúzia de perguntas, como “Estás interessada em fazer trabalhos na Europa ou só em Portugal? Tudo será pago, claro”, os burlões conseguiram que a estudante satisfizesse os seus desejos.
“Os burlões têm dificuldade em entender os impactos e prejuízos das suas ações nos outros. Este traço, característico de algumas perturbações de personalidade e, em especial da perturbação de personalidade antissocial e de personalidade narcísica – embora essa característica não constitua um diagnóstico por si só, surge como um indicador da estrutura de personalidade da pessoa – é reforçado por uma justificação e/ou racionalização do seu comportamento, um colocar a responsabilidade na vítima por ter ‘ido na conversa’”, partilha Bruno Caldeira, psicólogo clínico coordenador do Grupo de Saúde Mental da Rede Social de Lisboa. “Encontram vítimas que demonstram fragilidades, como por exemplo baixa autoestima, desejo de reconhecimento e de ser gostado, que facilmente conseguem fazer embarcar nas suas narrativas. As abordagens através das redes sociais, muito frequentes neste tipo de burlas, permitem-lhes chegar aos jovens por um canal em que o controlo é reduzido, envolvendo-os num discurso de grandiosidade, de fama que os seduz e os envolve nesta trama”, salienta o também vice-presidente da Associação de Mediadores de Conflitos.
Perceber as fragilidades das jovens “Podemos dizer que as perturbações de personalidade correspondem a estruturações de personalidade em que estão presentes alguns sinais de inadaptação social, em termos comportamentais, mas também em termos relacionais e afetivos, que se podem organizar, em função dos critérios que se observem nas pessoas”, argumenta o profissional de saúde que trabalha igualmente na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, deslindando que “tendo em conta esta característica, a comunicação e a distância potenciam este ‘desligar’ do impacto no outro”. Deste modo, “neste tipo de comunicação é muito fácil ‘despersonalizar’ o interlocutor, o que facilita a concretização do dano”, enquanto, “sob o ponto de vista da vítima, a expressão das fragilidades é ‘mais fácil’, o que permite que o outro consiga entender as fragilidades, os desejos e as expectativas do jovem e, desta forma, utilizá-las”.
“Infelizmente, percebi que tinha feito uma asneira ao mandar fotos minhas então consegui, a tempo, tirar prints a tudo caso as minhas fotografias fossem parar a algum site” e foram essas mesmas provas que Margarida partilhou com o i. À jovem foram pedidos dados como nome, a idade, o país de residência e “nada muito pessoal” até ao momento das fotografias. “Pediram-me fotos de roupa interior e eu mandei, mas sem mostrar a cara. Depois, com a cara visível e, como não estava completamente despida, mostrei”, recorda. “No fim, poses em vários ângulos e, mais uma vez, cedi e mandei de perfil também. Quando pediram sem uma das peças de roupa interior, aí já não tirei porque não estava disposta a fazê-lo”, confessa, sendo percetível através da conversa que Margarida enviou fotografias durante 14 minutos, exatamente entre as 5h05 e as 5h19. Quando entendeu que estava a ser enganada, Margarida ameaçou fazer queixa e, posteriormente, bloqueou a conta com a qual tinha falado.
A Premier Models é o nome da agência fictícia que os burlões criaram, esperando encarnar agentes da Premier Model Management, agência londrina responsável pela ascensão de modelos como Cindy Crawford ou Naomi Campbell. O i contactou a empresa e não obteve qualquer resposta, no entanto, quando se acede ao site oficial desta, surge um comunicado: “Algumas empresas e indivíduos declaram falsamente que trabalham com a Premier. Se for contactado por alguém que diz representar-nos, não responda sem antes verificar a identidade dessa pessoa. Se tiver alguma dúvida, por favor, telefone-nos ou envie-nos um email imediatamente”.
Enquadramento penal Se analisarmos o Código Penal português, compreendemos que os artigos que se prendem com os crimes de falsificação dizem respeito a ilícitos relacionados, por exemplo, com danificação ou subtração de documento e notação técnica, atestado falso, passagem de moeda falsa e outros em que os falsos agentes de modelos não se enquadram. Para David Silva Ramalho, advogado, associado principal na equipa de Contencioso Criminal, Risco e Compliance da Morais Leitão, “o primeiro ponto que importa sublinhar é que o Direito Penal não intervém, nem tem de intervir, necessariamente em todas as circunstâncias em que haja um engano dolosamente provocado sobre terceiro”, sendo que “o Direito Penal, enquanto único ramo do direito que pode resultar na aplicação de sanções privativas da liberdade, apenas deve intervir quando haja uma conduta cuja gravidade reclame efetivamente a sua intervenção e quando nenhum outro ramo do direito disponha de instrumentos eficazes para lhe fazer face”.
Deste modo, o profissional especializado em cibercrime e prova digital e assistente convidado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa acredita que “há certo tipo de condutas que, por mais imorais e incorretas que sejam, ficarão de fora do campo de intervenção do Direito Penal, o que não significa que não sejam tuteláveis por outros ramos do direito, como seja o civil” o que não invalida, porém, que “noutros casos existam condutas que efetivamente mereceriam tutela penal mas que, propositadamente ou por inércia do legislador, nunca foram tipificados como crime e, por isso, não encontram base legal expressa que permita a sua subsunção ao Direito Penal”. Por conseguinte, “neste caso muito dificilmente haverá um crime de falsificação porque esse crime pressupõe que a falsificação se materialize num documento, o que, pelo menos dos casos analisados, não parece ter sucedido”, diz sobre aquilo que sucedeu com as três entrevistadas com as quais o i conversou.
Sobre a possibilidade do crime de usurpação de identidade, avança que o mesmo “não existe na lei portuguesa” e “seria talvez um dos casos em que se justificaria que o legislador penal interviesse, como sucede noutros ordenamentos jurídicos, mas até à data essas condutas terão de ser subsumidas a outros crimes ou, em muitos casos, permanecer impunes”.
Naquilo que diz respeito à possibilidade de se verificar um crime de associação criminosa, Silva Ramalho elucida que tal pode ocorrer “se houver um elemento organizativo mínimo, uma duração e estabilidade tendenciais, e um objetivo comum de prática de crimes”, mas “é muito difícil dizê-lo em abstrato porque a associação criminosa exige uma verificação concreta do modo de execução individual e coletivo do facto e das várias circunstâncias que o rodeiam”.
Quando a vítima é menor de idade “Em 2018, tinha os meus 17 anos, quando um perfil supostamente de uma agência convidou-me para tirar umas fotos. No começo, desconfiei, pedi informações. A agência disse que era de Lisboa, que não precisava de pagar nada para as primeiras fotos, que eu era muito bonita e tinha um corpo ideal para ser modelo”, evoca Joana (nome fictício), hoje com 19 anos. “Achei estranho que não tocassem no assunto de eu ser ou não menor de idade, perguntei se gostariam de marcar uma reunião para que entrasse em contacto com as pessoas de uma forma mais física, porque por redes não sei quem está por detrás do ecrã”, revela, adicionando que a alegada agência lhe disse “que apenas precisava de enviar umas fotos normais, fotos de roupa de sair e com biquíni”. Naquele momento, a adolescente ficou alerta e tomou uma decisão. “Era muito menina de contar tudo aos meus pais. Felizmente, tenho essa abertura e conversei com eles. Pediram para eu parar de falar com a agência! Foi aí que fiz stories no Instagram a alertar as meninas para este esquema. E o perfil só tinha fotos de supostas modelos, nunca mostrou quem geria a página ou a agência”, acrescenta.
“Desde 2020, o conceito de material pornográfico passou a incluir todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo. A introdução desta segunda parte permite agora concluir que, se as imagens forem recolhidas com fins sexuais e se incluírem nudez de um menor, poderá ter-se por praticado o crime de pornografia de menores”, explicita Silva Ramalho, adiantando que “na medida em que o crime de aliciamento de menores pressupõe que o agente visa conseguir um encontro com um menor para diversos atos, nos quais se inclui a utilização em espetáculo ou material pornográfico, no sentido acabado de referir, poderá também ter-se esse crime por verificado”. Contudo, o advogado frisa que “é essencial que o agente recorra a tecnologias de informação para agendar um encontro pessoal para esse fim, e não apenas que o faça online”, pois “este crime pune apenas o aliciamento, eventualmente agravado se for seguido de atos materiais conducentes ao encontro, mas não pune a produção do material pornográfico”. Portanto, “se o agente passar à etapa seguinte, seja abuso sexual, seja produção de material pornográfico, a conduta não será punida pela norma que prevê o aliciamento de menores, mas sim de forma mais grave por outras disposições do Código Penal, designadamente o crime de atos sexuais com adolescentes – admitindo que não se trata de abuso sexual de crianças, aqui entendidos como menores de 14 anos – e a pornografia de menores”.
Ainda assim, nos casos de Diana, Margarida e Joana, “pode estar também em causa um crime de gravações ou fotografias ilícitas uma vez que o consentimento para a captação de imagens prestado pelos ofendidos é viciado e prestado sob um pressuposto propositadamente erróneo”, ou seja, a realização de um casting que, no fundo, não passa de uma mentira.
A seu lado, Inês Marinho defende que “uma pessoa com dinheiro não se afeta com uma multa e, provavelmente, vai continuar a cometer os mesmos crimes. Têm de ser sinalizados pela polícia, tem de se ter acesso às conversas. É o mínimo para que se houver algo fora do normal se possa agir logo porque já se sabe que é uma pessoa perigosa”, pede a rapariga que espera ingressar no Ensino Superior e focar-se numa área como a do Direito ou das Relações Internacionais em que aprofunde o seu conhecimento sobre direitos humanos. “Precisam de um tratamento para se reintegrarem na sociedade, tal como um violador ou um cleptomaníaco. Não deixam de ser criminosos, mas precisam de ajuda para serem elementos participantes na sociedade”, diz, rematando que “o meio digital está constantemente em mudança com novos problemas a aparecer, a lei tem de ser atualizada”.