O estado opinativo


Se vivemos num «Estado opinativo» em expansão, parece contraditório, e desconcertante mesmo, a tentativa de censurar, precisamente, a expressão de opiniões, livre e responsavelmente assumidas.


Vivemos um momento e num Estado que poderíamos classificar de «opinativos».

Toda a gente expressa opinião sobre tudo. Uns fazem-no com conhecimento, outros apenas porque «acham que sim».

Uns fazem-no pessoal, assumida e responsavelmente, outros por via anónima e através de pseudónimos, outros, ainda, através de entrevistas que comportam afirmações que não assumem.

Nada devemos ter contra a expressão de opiniões, mesmo que devamos ter, também, o direito a poder avaliá-las em público.

Num mundo em que todos se calam – em que todos são, ou aparentam ser, neutros –  é difícil falar de opinião pública, que é um fator determinante para que se possa conceber e acreditar viver numa sociedade democrática.

Em democracia, importante é, contudo, que possamos saber quem é quem; quem realmente expressa as opiniões difundidas.

Por isso, quem quer dar conhecimento público das suas opiniões, deve, também, querer assumir a responsabilidade pessoal do seu testemunho.

É, pois, essencial o conhecimento da autoria da opinião que – por qualquer veículo – se publicita, pois só ele pode contribuir para um juízo público e crítico sobre o seu rigor, credibilidade e intenção.

Na Alemanha, por exemplo, os juízes – ao contrário do que acontece na maioria dos países democráticos – podem, hoje, manter uma militância política pública.

Entenderam o constituinte e legislador alemães, no pós-guerra, que era preferível os cidadãos saberem quem de facto eram e como pensavam os juízes que se ocupavam dos seus casos, para, assim, melhor poderem controlar a objetividade das suas decisões.

A razão de ser de tal opção emanou da necessidade de contrariar a aparente, mas irreal, neutralidade de muitos juízes alemães que exerceram sob o nazismo e que, em alguns casos, em nome da aplicação pura da lei, excederam, até em crueldade, a vontade do regime.

A transparência é quase sempre boa: na justiça, na comunicação social, na universidade e na administração pública.

O anonimato na expressão de opiniões – e a irresponsabilidade a ela associada – é, também, na verdade, um vício cobarde e uma herança dos tempos da ditadura e, quando começa a ser vulgarizado, como hoje acontece entre nós, constitui um perigo para a democracia.

O anonimato na expressão de opiniões, e as denúncias feitas a coberto dela – trate-se dos media ou das caixas de denúncias judiciais e policiais – só excecional e controladamente devem ser moral, social e legalmente admitidas.

Uma recente polémica académica pública sobre os informadores da PIDE e o papel que tiveram é bem ilustrativa dos cuidados a ter nestes casos.

Embora num contexto politicamente diferente, hoje, a transmissão anónima, por via mediática, de calúnias, denúncias infundadas e até de opiniões encapotadas de perguntas podem criar situações tão danosas como as que eram provocadas pela «bufice» existente no anterior regime.

Mas, se vivemos num «Estado opinativo» em expansão, parece contraditório, e desconcertante mesmo, a tentativa de alguns de censurar, precisamente, as opiniões, livre e responsavelmente adotadas, em especial se elas foram expressas com honestidade e evidente transparência de propósitos.

Questão diferente, mas conexa, é a dos efeitos do «excesso de opinião», que parece assoberbar o país.

Por exemplo, a expressão pública de diferentes, contraditórios e sucessivos pontos de vista técnico-científicos sobre uma mesma e premente situação de ordem sanitária e social como a que vivemos, pode, inclusive, conduzir à desorientação cívica e a reações populares imponderáveis e, muitas vezes, não desejadas, mesmo por quem os difundiu.

O excesso opinativo – designadamente quando sistematicamente antinómico, difundido e ampliado pelos modernos meios de comunicação de massa – pode desestabilizar a sociedade e criar, até, condições para exacerbar contradições sociais que, não sendo em si mesmas fundamentais, podem aparecer e ser entendidas como tal por um grande número de pessoas.

Um tal excesso e a excitação que ele provoca, podem, assim, constituir-se como uma verdadeira forma de manipulação política da sociedade, impedindo-a de ter um olhar lúcido e responsável sobre os problemas que realmente a afetam e tem de resolver.

O método é conhecido desde há muito.

Se a censura mata a democracia, a opinião irrefletida e imprudente, e a verborreia anónima e gratuita podem, igualmente, causar-lhe males irreparáveis.  

O estado opinativo


Se vivemos num «Estado opinativo» em expansão, parece contraditório, e desconcertante mesmo, a tentativa de censurar, precisamente, a expressão de opiniões, livre e responsavelmente assumidas.


Vivemos um momento e num Estado que poderíamos classificar de «opinativos».

Toda a gente expressa opinião sobre tudo. Uns fazem-no com conhecimento, outros apenas porque «acham que sim».

Uns fazem-no pessoal, assumida e responsavelmente, outros por via anónima e através de pseudónimos, outros, ainda, através de entrevistas que comportam afirmações que não assumem.

Nada devemos ter contra a expressão de opiniões, mesmo que devamos ter, também, o direito a poder avaliá-las em público.

Num mundo em que todos se calam – em que todos são, ou aparentam ser, neutros –  é difícil falar de opinião pública, que é um fator determinante para que se possa conceber e acreditar viver numa sociedade democrática.

Em democracia, importante é, contudo, que possamos saber quem é quem; quem realmente expressa as opiniões difundidas.

Por isso, quem quer dar conhecimento público das suas opiniões, deve, também, querer assumir a responsabilidade pessoal do seu testemunho.

É, pois, essencial o conhecimento da autoria da opinião que – por qualquer veículo – se publicita, pois só ele pode contribuir para um juízo público e crítico sobre o seu rigor, credibilidade e intenção.

Na Alemanha, por exemplo, os juízes – ao contrário do que acontece na maioria dos países democráticos – podem, hoje, manter uma militância política pública.

Entenderam o constituinte e legislador alemães, no pós-guerra, que era preferível os cidadãos saberem quem de facto eram e como pensavam os juízes que se ocupavam dos seus casos, para, assim, melhor poderem controlar a objetividade das suas decisões.

A razão de ser de tal opção emanou da necessidade de contrariar a aparente, mas irreal, neutralidade de muitos juízes alemães que exerceram sob o nazismo e que, em alguns casos, em nome da aplicação pura da lei, excederam, até em crueldade, a vontade do regime.

A transparência é quase sempre boa: na justiça, na comunicação social, na universidade e na administração pública.

O anonimato na expressão de opiniões – e a irresponsabilidade a ela associada – é, também, na verdade, um vício cobarde e uma herança dos tempos da ditadura e, quando começa a ser vulgarizado, como hoje acontece entre nós, constitui um perigo para a democracia.

O anonimato na expressão de opiniões, e as denúncias feitas a coberto dela – trate-se dos media ou das caixas de denúncias judiciais e policiais – só excecional e controladamente devem ser moral, social e legalmente admitidas.

Uma recente polémica académica pública sobre os informadores da PIDE e o papel que tiveram é bem ilustrativa dos cuidados a ter nestes casos.

Embora num contexto politicamente diferente, hoje, a transmissão anónima, por via mediática, de calúnias, denúncias infundadas e até de opiniões encapotadas de perguntas podem criar situações tão danosas como as que eram provocadas pela «bufice» existente no anterior regime.

Mas, se vivemos num «Estado opinativo» em expansão, parece contraditório, e desconcertante mesmo, a tentativa de alguns de censurar, precisamente, as opiniões, livre e responsavelmente adotadas, em especial se elas foram expressas com honestidade e evidente transparência de propósitos.

Questão diferente, mas conexa, é a dos efeitos do «excesso de opinião», que parece assoberbar o país.

Por exemplo, a expressão pública de diferentes, contraditórios e sucessivos pontos de vista técnico-científicos sobre uma mesma e premente situação de ordem sanitária e social como a que vivemos, pode, inclusive, conduzir à desorientação cívica e a reações populares imponderáveis e, muitas vezes, não desejadas, mesmo por quem os difundiu.

O excesso opinativo – designadamente quando sistematicamente antinómico, difundido e ampliado pelos modernos meios de comunicação de massa – pode desestabilizar a sociedade e criar, até, condições para exacerbar contradições sociais que, não sendo em si mesmas fundamentais, podem aparecer e ser entendidas como tal por um grande número de pessoas.

Um tal excesso e a excitação que ele provoca, podem, assim, constituir-se como uma verdadeira forma de manipulação política da sociedade, impedindo-a de ter um olhar lúcido e responsável sobre os problemas que realmente a afetam e tem de resolver.

O método é conhecido desde há muito.

Se a censura mata a democracia, a opinião irrefletida e imprudente, e a verborreia anónima e gratuita podem, igualmente, causar-lhe males irreparáveis.