Águas de março


Muito dinheiro para o Estado, muito dinheiro para negócios energéticos tendo o Estado como pivot, muito para tudo e só depois, muito depois, complementarmente para as empresas e para a economia exportadora.


A leitura do PRR – Plano de Recuperação e Resiliência, deixa uma certeza: há tanto Estado neste Plano que só a recreação de um “Novo Estado” será capaz de levar a cabo a tarefa com pleno sucesso.

Uma dívida pública estratosférica como pano de fundo e uma cultura de (in)decisão nos balcões da Administração, onde o particular, empresa ou pessoa singular são vistos como corpos estranhos, este plano irá confirmar em grande angular a incapacidade executiva dos anteriores planos cuja evidência está patente no grau de incumprimento executivo do Portugal 2020.

Num país de escassez de investimento público e de não-capitalização das empresas, em junho de 2020 Portugal atingia 50% de execução, segundo o Boletim de Fundos da União Europeia, naquele que teoricamente seria o último ano de aplicação dos fundos.

Há mesmo naquela data, valores inacreditáveis em Programas Operacionais como o do Alentejo (32%) e Centro (33%), mesmo que se considere a regra n+3 o que significa que Bruxelas aceita uma extensão de prazos por mais três anos. 
Mas como compreender que num país com carência de investimento, se constate a displicência do Estado numa missão que devia mobilizar em forma aperfeiçoada, face à decorrência de ajudas comunitárias desde a pré-adesão em 1986.

Voltemos então ao PRR – Plano de Recuperação e Resiliência (que nome mais pretensioso) que vai vigorar até 2026.
Salta à vista que o Estado e a Administração Pública, degradados com as cativações de Centeno no altar do défice, aparecem como ambição primeira deste plano, numa tentativa de tapar as manchas que o próprio Estado criou.
E é à volta da reconstrução financeira do Estado que se confina muito da ambição deste Plano. Muito dinheiro para o Estado, muito dinheiro para negócios energéticos tendo o Estado como pivot, muito para tudo e só depois, muito depois, complementarmente para as empresas e para a economia exportadora. 

Territorialmente, para o reequilíbrio sempre anunciado e nunca implementado do nosso país, no mínimo, Portugal devia ter neste plano uma ambição como meta: crescer mais com políticas territoriais em clusters, partindo do que já existe em ótimas condições de aproveitamento concorrencial pelo incentivo à especialização em núcleos de competências.
Dois exemplos.

O Centro de competências em Cloud Computing, criado junto da UBI, deve ser complementado com ações de incentivo à captação de investimento ajudado pelo PRR.

O mesmo se diga quanto à decisão que tarda da concentração no DataCenter da Covilhã, um dos cinco maiores do mundo, das bases de Dados da Administração Pública portuguesa, sem subterfúgios quanto a questões de contratação pública que tem sido obviada em toda a Europa pela natureza estratégica dos parâmetros de segurança exigidos e a que escassíssimas estruturas respondem plenamente, como ali se verifica. (Ademais quando estudos referem uma potencial poupança do Estado de 500 milhões de euros com esta concentração).

Também em Évora existe hoje uma dinâmica provocada pelo contributo do núcleo aeronáutico que não pode ser ignorado como ferramenta estratégica fundamental para o desenvolvimento do Alentejo.

Nestas cidades e em muitas outras, foram lançados embriões de ecossistemas apropriados para o efeito que esperam decisões de políticas territoriais para estas Regiões, com elevadíssimo potencial de sucesso. Diga-se a propósito que faltam áreas de fiscalidade concorrencial europeia negociadas com Bruxelas, que criem atração dedicada à captação de investimento nestes núcleos. 

Este plano, sem a vertente territorial é mais do mesmo, condenando gerações de portugueses a não aspirarem a mais nada que as mesmas (poucas) oportunidades de sempre, nenhuma mobilidade social, numa economia sem distribuição territorial adequada. Pagaremos caro – com mais emigração, e atrasos no conjunto dos países da União – este equívoco de afetação territorial de recursos.

Os planos valem sempre o que valem, isto é, dependem do trabalho organizado e do sonho a partir da liderança.
Alguns são cartas de anúncio da saída da estagnação, para a mudança e o desenvolvimento sólido de uma nação.
O país que sairá deste plano em 2030, terá seguramente a sociedade menos forte, mas o Estado e os seus apêndices empresariais mais prevalecentes.

(Nota final. Neste plano, o Governo anuncia que vai dar 100 mil cheques às famílias para combater a pobreza energética. Branco é galinha o põe. Quem duvida que haverá eleições legislativas este ano?)

Covilhã, março 2021

Jurista

Águas de março


Muito dinheiro para o Estado, muito dinheiro para negócios energéticos tendo o Estado como pivot, muito para tudo e só depois, muito depois, complementarmente para as empresas e para a economia exportadora.


A leitura do PRR – Plano de Recuperação e Resiliência, deixa uma certeza: há tanto Estado neste Plano que só a recreação de um “Novo Estado” será capaz de levar a cabo a tarefa com pleno sucesso.

Uma dívida pública estratosférica como pano de fundo e uma cultura de (in)decisão nos balcões da Administração, onde o particular, empresa ou pessoa singular são vistos como corpos estranhos, este plano irá confirmar em grande angular a incapacidade executiva dos anteriores planos cuja evidência está patente no grau de incumprimento executivo do Portugal 2020.

Num país de escassez de investimento público e de não-capitalização das empresas, em junho de 2020 Portugal atingia 50% de execução, segundo o Boletim de Fundos da União Europeia, naquele que teoricamente seria o último ano de aplicação dos fundos.

Há mesmo naquela data, valores inacreditáveis em Programas Operacionais como o do Alentejo (32%) e Centro (33%), mesmo que se considere a regra n+3 o que significa que Bruxelas aceita uma extensão de prazos por mais três anos. 
Mas como compreender que num país com carência de investimento, se constate a displicência do Estado numa missão que devia mobilizar em forma aperfeiçoada, face à decorrência de ajudas comunitárias desde a pré-adesão em 1986.

Voltemos então ao PRR – Plano de Recuperação e Resiliência (que nome mais pretensioso) que vai vigorar até 2026.
Salta à vista que o Estado e a Administração Pública, degradados com as cativações de Centeno no altar do défice, aparecem como ambição primeira deste plano, numa tentativa de tapar as manchas que o próprio Estado criou.
E é à volta da reconstrução financeira do Estado que se confina muito da ambição deste Plano. Muito dinheiro para o Estado, muito dinheiro para negócios energéticos tendo o Estado como pivot, muito para tudo e só depois, muito depois, complementarmente para as empresas e para a economia exportadora. 

Territorialmente, para o reequilíbrio sempre anunciado e nunca implementado do nosso país, no mínimo, Portugal devia ter neste plano uma ambição como meta: crescer mais com políticas territoriais em clusters, partindo do que já existe em ótimas condições de aproveitamento concorrencial pelo incentivo à especialização em núcleos de competências.
Dois exemplos.

O Centro de competências em Cloud Computing, criado junto da UBI, deve ser complementado com ações de incentivo à captação de investimento ajudado pelo PRR.

O mesmo se diga quanto à decisão que tarda da concentração no DataCenter da Covilhã, um dos cinco maiores do mundo, das bases de Dados da Administração Pública portuguesa, sem subterfúgios quanto a questões de contratação pública que tem sido obviada em toda a Europa pela natureza estratégica dos parâmetros de segurança exigidos e a que escassíssimas estruturas respondem plenamente, como ali se verifica. (Ademais quando estudos referem uma potencial poupança do Estado de 500 milhões de euros com esta concentração).

Também em Évora existe hoje uma dinâmica provocada pelo contributo do núcleo aeronáutico que não pode ser ignorado como ferramenta estratégica fundamental para o desenvolvimento do Alentejo.

Nestas cidades e em muitas outras, foram lançados embriões de ecossistemas apropriados para o efeito que esperam decisões de políticas territoriais para estas Regiões, com elevadíssimo potencial de sucesso. Diga-se a propósito que faltam áreas de fiscalidade concorrencial europeia negociadas com Bruxelas, que criem atração dedicada à captação de investimento nestes núcleos. 

Este plano, sem a vertente territorial é mais do mesmo, condenando gerações de portugueses a não aspirarem a mais nada que as mesmas (poucas) oportunidades de sempre, nenhuma mobilidade social, numa economia sem distribuição territorial adequada. Pagaremos caro – com mais emigração, e atrasos no conjunto dos países da União – este equívoco de afetação territorial de recursos.

Os planos valem sempre o que valem, isto é, dependem do trabalho organizado e do sonho a partir da liderança.
Alguns são cartas de anúncio da saída da estagnação, para a mudança e o desenvolvimento sólido de uma nação.
O país que sairá deste plano em 2030, terá seguramente a sociedade menos forte, mas o Estado e os seus apêndices empresariais mais prevalecentes.

(Nota final. Neste plano, o Governo anuncia que vai dar 100 mil cheques às famílias para combater a pobreza energética. Branco é galinha o põe. Quem duvida que haverá eleições legislativas este ano?)

Covilhã, março 2021

Jurista