FC Porto – Sporting. Dez golos foram caindo como frutos maduros azuis

FC Porto – Sporting. Dez golos foram caindo como frutos maduros azuis


Dois frangos de Dyson deram avanço precoce ao Sporting nesse jogo de 1936. Depois o keeper lesionou-se e Rui Carneiro foi para a baliza.


Pobre Artur Dyson. Moço afável, educado, nascido em Lisboa a 9 de janeiro de 1912, passara dois anos a defender as balizas do Benfica até se mudar para o rival Sporting, onde se manteve entre 1931 e 1936 para, em seguida, encerrar a carreira no Belenenses. No campo do Ameal, no Porto, no domingo dia 22 de março de 1936, o céu caiu-lhe em cima da cabeça, para citar aquele grupo de irredutíveis gauleses que, na velha Armórica, resistiam ainda e sempre ao invasor. Não. Nessa tarde, Dyson não resistiu aos ataques furibundos de Carlos Nunes e Pinga que, só à sua conta, marcaram sete dos dez golos do FC Porto. Dez?! Sim, sim! Dez! Sem tirar nem pôr. Jornada oito do campeonato nacional de 1935-36: FC Porto, 10 – Sporting, 1. Onde é que já se viu coisa assim? Nunca! Nem nunca se voltará a ver se o mundo não se virar, por ganas de um qualquer deus maldisposto, de pernas para o ar.

Amanhã, quando dragões e leões entrarem em campo, não haverá memória de quem esteja no estádio, tão tristemente sem público, que se recorde deste jogo disputado num campeonato que até viria a ter o Benfica como vencedor. Mas o ataque portista foi, sem dúvidas, o melhor da prova, com 50 golos apontados. Não foi apenas o Sporting a sentir o peso ofensivo de um grupo que contava com António Santos, Artur de Sousa (o Pinga), Lopes Carneiro e Waldemar Mota. O Belenenses, por exemplo, saiu vexado da Invicta com 9-1, Boavista, Carcavelinhos e Académica levaram 4-0, os dois primeiros, e 5-1.

O Sporting, treinado por um romeno chamado Wilhelm Possak, tinha uma belíssima equipa, há que dizê-lo. Possak também jogava, além de orientar gente fina como Adolfo Mourão, Pedro Pireza, João Jurado ou Vianinha, por exemplo. Imaginar esta rapaziada a levar dez não é fácil mas, muitas vezes, a realidade consegue ultrapassar a ficção.

 

À pedrada

“O comboio especial de Lisboa chegou à Estação de São Bento às 13 horas, sendo os passageiros agredidos à pedrada, do que resultou três feridos”. Que diacho! E, no entanto, era assim que um vespertino de Lisboa dava a notícia da chegada dos adeptos do Sporting às margens do Douro. Daí para diante, a crónica do jogo tem tantas descrições de movimentos ofensivos portistas que se torna quase entediante. Entre os dez e os 13 minutos iniciais, o FC Porto marca dois golos. Que golpe! Primeiro foi Pinga, com um remate que Dyson tinha obrigação de defender, depois foi Nunes, a centro de Lopes Carneiro. Mas o Sporting reagiu de imediato, aproveitando um canto a seu favor: Rui Carneiro mete a bola na grande área e Possak, alto, confiante, reduz para 1-2.

“Temos jogo! Temos jogo”, terão pensado adeptos de ambos os grupos, por muito mal que se tratassem uns aos outros, a valer pedras e tudo.

Dyson levou com uma bola em cheio na cara. Ficou entontecido. É assistido, como não poderia deixar de ser, mas parece desnorteado demais para continuar em campo. Durante alguns momentos será Rui Carneiro a ocupar o seu lugar na baliza do Sporting. Falta-lhe jeito para o posto a que está obrigado. Vivos, os portistas começam a chutar de longe, percebendo rapidamente que há ali um filão a explorar. Pinga (25 m) e Waldemar Mota (30), de longa distância, visam a baliza lisboeta e marcam golos inacreditáveis para um jogo daquela categoria. Os adeptos portistas já não atiram pedras. Atiram gargalhadas, que são mais certeiras e mais dolorosas. António Santos e Carlos Pereira mandam o jogo para o intervalo com um impressivo 6-1. Ninguém imaginaria tal coisa em tempo algum. Só a desgraçada tarde de Artur Dyson, misturando dois frangos com uma perda de sentidos, poderiam ferir os leões tão profunda e fatalmente.

O keeper, ajudado pelo médico e presidente do Sporting, dr. Oliveira Duarte, faz os impossíveis para não deixar os seus camaradas inferiorizados. Mas não resta outra solução a não ser conduzi-lo ao hospital. Com dez jogadores contra 11, sobrava agora saber até onde chegaria o resultado.

Sorte para os leões: os portistas vêm com ganas de somar golos, mas também são trapalhões no trato da bola. Em 45 minutos chegam à dezena, graças a três pontapés certeiros de Carlos Nunes (60, 70 e 85 m) e um de Pinga no fecho da partida (90 m). O enxovalho é grande, mas tem motivos reais que o expliquem. Apesar disso, Dyson não resistiu. Sairia no final da época com destino às Salésias.