A morte do CDS não será lamentada, sobretudo à direita


O CDS nasceu invocando a democracia cristã, aspirando a seguir as homónimas italiana e alemã mas sem arriscar o uso do nome DC.


Alguma direita teria preferido o PDC (Partido da Democracia Cristã), cuja actividade política foi suspensa ope legis a seguir ao 11 de Março, sendo proibido de concorrer às eleições para a Constituinte. Esta circunstância obrigou ao desfazer da frente eleitoral que o CDS constituíra com o PDC e acabou com a concorrência partidária à direita. A destra mais assertiva reuniu os órfãos de Spínola em torno do MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal) e das redes bombistas que dele emanaram, mas nunca conseguiu formar um partido político.

As contradições entre o novo tempo e o modo do partido tornaram-se evidentes logo em 1978, quando o CDS se coligou com o PS, entrando pela primeira vez para o Governo. O descontentamento de alguma direita com a brandura do CDS ainda permitiu ao MIRN (Movimento Independente para a Reconstrução Nacional) ver a luz do dia. O MIRN coligou-se com o ressuscitado PDC (que obtivera 29 876 votos nas legislativas de 1976) e com a Frente Nacional, tendo a coligação obtido 23 819 votos nas legislativas de 1980. A concorrência à direita do CDS ficou, sem consequências, entregue entre 76 e 89 ao PDC até à extinção deste partido, em 2004. Pela extrema-direita continuou, também sem expressão eleitoral, o PNR (Partido Nacional Renovador), entretanto rebaptizado Ergue-te.

A história do CDS é a história dos desencontros com a direita portuguesa, (in)conformada com o quadro de valores trazido pela Constituição. A tentada invenção de uma direita partidária permitiu diversos programas políticos. Os liberais portugueses, que cabiam numa casa em Ofir, puderam sonhar com a liderança de Lucas Pires. Os indígenas, incapazes de os acompanhar na ambição, consideraram o liberalismo um produto de exportação e limitaram-no às eleições para o Parlamento Europeu.

Com Manuel Monteiro, o CDS, agora hifenizado PP, teve um presidente, uma ideia, um programa: combater a integração europeia num país que sonhava com “os dinheiros” de Bruxelas.

Paulo Portas trouxe, ao arrepio da guerrilha de O Independente, o CDS para as alcatifas do Governo, de mão dada com o PSD e sem exigências programáticas. Fê-lo por duas vezes, em bi-Governos, sendo cada vez mais curta a duração do segundo Governo de cada ciclo. Não conseguiu conquistar o PSD como não conseguiu (“irrevogavelmente”) ser oposição ao PSD, mesmo em coligação.

A passagem pelo poder engordou o CDS em quadros e mordomias, numa endogamia autista, comum aos partidos do arco da governação, tanto mais perigosa quanto mais pequeno for o partido.

No Largo do Caldas continuaram as emissões televisivas a preto e branco quando havia já notícias de emissões experimentais a cores em diversas televisões-piratas à direita. As eleições de 2019 confirmaram a adesão dos eleitores às novidades partidárias.

Alguns quiseram ver no toque de finados do CDS a concretização do sonho húmido da lusa intelligentsia de direita: um partido conservador, nacionalista, capaz de ganhar eleições com um programa liberal em matéria económica e tradicional em matéria de costumes.

O Chega não corresponde a este anúncio de casamento e muito dificilmente será possível enfarpelar o noivo com as vestes sonhadas. Ventura garante a união da esquerda ou, na ausência dela, o medo de eleições antecipadas e da redução de Bloco e PCP à expressão que os respectivos candidatos presidenciais tiveram nas eleições de Janeiro.

Numa vicissitude eleitoral posterior, o Chega poderá ser o novo PRD, esgotando-se como transferidor de votos. Resta saber se para o PSD ou para o PS.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990