Maioria dos concelhos já não preenchem critério para testes em escolas e fábricas

Maioria dos concelhos já não preenchem critério para testes em escolas e fábricas


Estratégia de testagem revista há duas semanas deu orientações para testes regulares em fábricas e escolas de concelhos com mais de 480 casos por 100 mil habitantes. A ideia é despistar casos assintomáticos e evitar cadeias de transmissão, mas se há duas semanas ainda eram a maioria, agora, com a epidemia a ceder, são cada…


A maioria dos concelhos do país já não preenche o critério para avançar com testes regulares em escolas, prisões e locais de trabalho com maior contacto social (nomeadamente, fábricas, construção civil, entre outros) definido na estratégia nacional de testagem para a covid-19, revista pela Direção-Geral da Saúde há duas semanas.

O documento determina que a testagem regular, que tem vindo a ser defendida por vários especialistas para despistar casos assintomáticos – de resto como foi implementado nos lares a partir de outubro – passem a ser realizados a cada 14 dias nos concelhos que registem uma incidência de novos casos superior a 480 casos por 100 mil habitantes. Mas com a epidemia a ceder em todo o país, são cada vez menos os concelhos onde se aplica, isto numa altura em que a estratégia está ainda a ser operacionalizada.

Mantendo-se a redução de casos, ao longo das próximas semanas não deverá haver nenhum concelho neste patamar, já que as projeções apresentadas ao Governo são de que nas próximas semanas o país volte a registar uma incidência de covid-19 abaixo dos 120 casos por 100 mil habitantes, o que já não acontecia desde o verão.

Atualmente, segundo os dados disponibilizados pela DGS, que o i analisou, a incidência de novos casos a nível nacional situa-se nos 250 casos por 100 mil habitantes, já um sexto do que foi no pico da epidemia em janeiro. Nos últimos sete dias foram diagnosticados diariamente 1300 novos casos de covid-19, quando chegaram a ser 12 mil. Mapas apresentados por André Peralta Santos, da Direção-Geral da Saúde, na última reunião do Infarmed, com informação mais atualizada do que a foi publicada pela DGS no mesmo dia, mostram que só na semana passada diminuíram de mais de 100 para 30 os concelhos acima dos 480 casos por 100 mil habitantes (ver mapa). Na área metropolitana de Lisboa, apenas Amadora, Sintra e Lisboa estavam ainda nessa situação. Na margem Sul, Sesimbra, Setúbal e Palmela. Mas do último sábado (data a que reporta o mapa) até hoje a incidência continuou a baixar significativamente, basta ver que a 20 de fevereiro o país registava ainda uma incidência de novos casos a 14 dias de 330 casos por 100 mil habitantes e agora é 25% inferior, o que implica que mais concelhos já terão saído dos patamares de risco mais elevado.

O i tentou perceber junto da Direção-Geral da Saúde se o critério para avançar com testagem regular será revisto ou se fruto da melhoria da situação epidemiológica não irá avançar nesta fase. A DGS indicou apenas que a “nova estratégia de testagem está a ser delineada pelo Ministério da Saúde e outras áreas governativas”, não esclarecendo se este patamar se manterá. A operacionalização da estratégia, publicada a 11 de fevereiro depois de o Governo ter assumido como objetivo implementar uma testagem massiva no país, tem vindo a acontecer aos poucos.

Esta semana, informou a ministra da Saúde, o SNS24 passou a ter algoritmos para fazer a requisição de testes não só a contactos de alto risco de alguém infetado mas a todos os contactos, uma das principais mudanças já que até aqui os testes a pessoas assintomáticos só estavam recomendados quando havia um contacto de risco elevado e mesmo entre co-habitantes não era regra. Agora a ordem é testar todos. Quanto aos testes regulares em locais de maior exposição, outra incógnita que ainda se mantém é como serão custeados. Numa entrevista esta semana à RTP, o secretário de Estado António Lacerda Sales disse que esta era uma questão ainda a ser ponderada, não descartando uma eventual imputação dos encargos às entidades patronais. “É evidente que se as áreas setoriais tiverem capacidade para que possam ser-lhes imputados esses custos, obviamente que o Ministério da Saúde tem estado muito sobrecarregado do ponto de vista orçamental e de custos”, afirmou o governante. Os testes rápidos, recomendados neste tipo de testagem, têm vindo a ser adquiridos ao longo dos últimos meses por alguns municípios, com os preços a baixar. No Portal Base pode ver-se que por uma encomenda recente de mil testes, a autarquia de Vila Velha de Ródão pagou 8500 euros, cerca de 8,5 euros por teste. As associações empresariais já defenderam publicamente apoios ou pelo menos custos reduzidos.

“Tem de ser revisto para que tenha aplicação” Questionado sobre o atual patamar de testagem, Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, explica que numa lógica de testagem massiva por princípio faz sentido testar mais nos concelhos com maior incidência, por uma questão até de “utilização racional de recursos”. No entanto, sendo a expectativa que todos os concelhos continuem a evoluir para uma situação de risco moderado (menos de 240 casos por 100 mil habitantes) e considerando-se vantajosa a testagem regular em alguns contextos, admite que o patamar na estratégia acaba por surgir desfasado da atual situação do país. “Criar um limiar tão elevado pode fazer sentido num determinado momento e não fazer noutro. É uma determinação que terá de ser ajustada para que a medida continue a fazer algum sentido.”

O médico sublinha que a norma, que entrou em vigor no último trimestre de 2020, já previa testagem nas escolas, o que não se verificou. “Não é propriamente nova a estratégia, o que esperamos é que se materialize, portanto é algo que tem de ser revisto, para que a sua aplicação seja real e não seja uma norma sem implementação no terreno, como aconteceu em novembro”.

Não voltar a viver uma situação como a de janeiro Para o médico, antes de o país começar a desconfinar, também o recrutamento e formação de rastreadores de contactos deve ser acautelado. Mesmo acreditando que o país possa não voltar a viver uma situação como a que passou em janeiro ou novembro, o expectável é que os casos aumentem, diz. “Se não houver precipitação e tivermos um desconfinamento faseado e planeado, esperamos não voltar a viver uma situação como a de janeiro. Neste momento a pressão das equipas de saúde pública diminuiu porque estamos com menos casos, mas a própria estratégia de aumento de testagem implica que consigamos dar seguimento aos casos positivos, fazer os inquéritos. Precisamos de recrutamento atempado e treino para quando for necessário o sistema esteja pronto a responder. A sensação que me dá é que, fruto da diminuição da pressão, é algo que já não é tão valorizado.”

O número de testes no país diminuiu nas últimas semanas, acompanhando a descida de casos e esta semana não se nota ainda um reforço: estão a ser feitos em média 27 mil testes por dia, quando no pico da epidemia foram 70 mil. A positividade está agora também já perto dos 5%, o que já não acontecia desde setembro, depois de ter passado os 20% em janeiro. É outro sinal de uma situação agora muito mais controlada, mas a estratégia de testar, testar, testar, uma das balizas para o desconfinamento com maior segurança, ainda não descolou.

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