Arsenal-Benfica. Os atiradores ingleses abateram a águia no Jamor

Arsenal-Benfica. Os atiradores ingleses abateram a águia no Jamor


No dia 4 de maio de 1948, as duas equipas enfrentaram-se pela primeira vez. A superioridade dos ingleses foi inequívoca (4-0).


A visita do grande Arsenal de Londres a Portugal, no início de maio de 1948, foi um acontecimento do quilé. Campeão de Inglaterra, carregado de jogadores cujos nomes tinham atravessado fronteiras, como Lionel Smith, John Wade, Don Roper ou Ian McPhearson, fazia com que os adeptos lusitanos esfregassem as mãos de contentes por poderem estar na presença de gente tão ilustre. A história viria a registar uma famosa vitória do FC Porto sobre os arsenalistas, num dos jogos da digressão, um momento que ainda hoje é vivido com orgulho na capital do Norte, mas a estreia deu-se em Lisboa, no Estádio Nacional, frente ao Benfica.

Ambos os clubes voltam a encontrar-se esta tarde, em Atenas por via dos tratos de polé que o vírus tem dado ao mundo, mas nessa tarde de 4 de maio havia que aceitar que o Benfica se preparava para defrontar os mestres dos mestres. Tavares da Silva, esse enorme jornalista que assistiu à partida, ficou fascinado: “Sucederam-se os golpes preciosos porque os homens do Arsenal ofereceram-nos a todos os instantes belos presentes: aqui, um terceiro golo de cabeça, verdadeira joia de brilhantes; ali, a pesca da bola com os pés, enganchando o catechu e arrastando-o preso; acolá um remate de longe, a bater na quina da trave, um autêntico diamante”.

Os ingleses ganharam sem esforços exagerados por 4-0, entusiasmaram a malta que foi de longada até ao Jamor, e não houve quem não tenha saído de lá consolado, a despeito da derrota dos portugueses. A verdade é que, ao longo dos 90 minutos, os moços das camisolas vermelhas – no caso, os visitantes – pareciam em número superior aos das camisolas brancas, envergadas pelos benfiquistas.

O físico Voltemos às palavras exaltadas de Tavares da Silva. “O Arsenal é uma equipa de jogadores fortes, mas nem todos corpulentos. E o futebol exige homens aptos fisicamente; a força muscular domina em muitas situações, sempre que surgem os inevitáveis choques do jogo, na guerra da perna contra perna. Nessa guerra nunca levámos a melhor e fomos normal e regularmente batidos”.

Metidos em sarilhos neste combate fisicamente desigual, os lisboetas não viraram a cara à luta. Não fazia parte da sua filosofia. Apesar dos quatro golos sofridos e de ter ficado a zero, o Benfica não saiu humilhado do Estádio Nacional. Procurou utilizar a habilidade de jogadores como Rogério Pipi, Julinho e Melão, assentou a sua estrutura coletiva na força e na valentia de Francisco Ferreira, fez os possíveis e impossíveis para que o resultado fosse o mais estreito possível. Mas não havia muito mais a fazer e Tavares da Silva deixou-o francamente escrito: “A superioridade do Arsenal, nítida, está principalmente no domínio da técnica. De jogadores perfeitos sai um conjunto de qualidade, e é tudo. Todos os homens do Arsenal são modelos. Quando apertados, certamente, mostrar-se-ão alguns melhores do que outros. O jogador-fenómeno da linha média é tão bom como o excelente extremo-esquerdo. É assim a equipa campeã de Inglaterra. Um plano inteiramente bem ordenado conduz à harmonia, não havendo possibilidade de grandes espaços sem jogadores plantados. A semeadura não é por acaso. O Benfica sofreu quatro bolas e fez figura digna: batalhou dentro da sua maneira, insistiu e reagiu, procurou libertar-se do colete de forças do Arsenal. Pena que os extremos se tenham apagado. A falta de remate benfiquense, o mal geral, ainda se afirmou mais do que de outras vezes em virtude de estarem do outro lado rematadores terríveis, desferindo o golpe sempre para cá da grande área”.

Assim se fazia o desenho do primeiro Benfica-Arsenal da história do futebol. Lisboa tinha visto uma das melhores equipas do futebol do mundo e, no Porto, dois dias depois, a surpresa foi gigantesca quando os campeões ingleses caíram aos pés do FC Porto (2-3). Já lá vão 73 anos e o Benfica volta a medir forças com os gunners de Londres, tal como já sucedeu noutras situações, uma delas com uma brilhante vitória em Highbury por 3-1. Resta agora saber se todas as fragilidades exibidas pelo conjunto de Jorge Jesus aguentarão a previsível avalanche ofensiva dos britânicos ou se, como se receia, um Benfica claramente menor tombará com estrondo perante um adversário que, apesar de vogar tristemente pelo meio da tabela do seu campeonato, tem, tal como em 1948, jogadores técnica e fisicamente evoluídos. Daqui a pouco se verá.