A política portuguesa vive um momento ziguezagueante na forma de comunicar e atuar. Não há uma forma constante de atuação, nem como se comunica e muito menos na fase de prestação de contas. Esta parte, a dita “accountability”, então, é inexistente.
De um lado, temos um Governo que comunica de forma efetiva e em massa. Sabe como ter a melhor mensagem a ser ouvida pelos eleitores, ninguém duvida. Apresenta 4 e 5 vezes o mesmo projeto, a mesma ideia, invariavelmente sem cumprir. Este Governo, a par do anterior com a mesma liderança, ficará seguramente para a história como o que mais “cativou” no cumprimento do que prometeu. Porém, é evidente o compromisso dos seus dirigentes e governantes, seja em áreas da Cultura ou da Educação, é o que for, conseguem todos “vender” a mensagem que uma e outra vez acabam por não cumprir. No entanto, “vendem” e “vendem-se” de sobremaneira. É a comunicação e só a comunicação a funcionar, na vida dos portugueses nada há a comunicar de novo e pouco há de melhor face ao “extraordinário Mundo Novo” que o PS consegue apregoar.
Do outro lado, na oposição, a forma de comunicar é relativamente má. É obtusa por vezes. Outras tantas vezes, dentro do mesmo partido até, imagine-se, seja ele mais ou menos à direita, o porta-voz consegue contradizer tudo e mais um par de botas do que o líder do seu próprio partido disse horas ou dias antes. Soa sempre a falta de organização, mas, sobretudo, a falta de compromisso com o projeto. Fica também, por vezes, em partidos menores, a imagem de desunião entre eleitos e direções. É factual, basta ler. Pior, sempre será, é quando faz-se oposição internamente e deixa de se apresentar alternativas aos adversários que estão sempre “lá fora” e não “dentro” dos seus próprios partidos políticos.
Posto isto, há duas formas antagónicas: O Governo que comunica e não cumpre, e uma oposição que geralmente não comunica nada bem, mas até apresenta propostas significativas e projetos alternativos aos defendidos pelo Primeiro-ministro António Costa, que é o que se pretende de quem é escolhido para oposição pelos eleitores.
Basta vermos, sendo mais recente este exemplo, na gestão da pandemia. Temos ou tivemos um PSD – o exemplo e o mérito é maior neste caso – que trabalhou, ouviu profissionais de saúde e apresentou internamente (às bases) e em locais próprios (Assembleia da República e reuniões formais para o efeito) soluções alternativas. Estas soluções alternativas não significam que fossem melhores ou piores, eram diferentes pelo menos para o desconfinamento gradual da população e, inclusive, para a retoma económica. Ouviu o país? Acredito que pouco ou muito pouco.
Este é apenas um exemplo claro de uma falha evidente de comunicar. É uma falha na forma de fazer com que o país ouça e avalie o que há de alternativo.
No entanto, até dentro dos próprios partidos, de A a Z, nas estruturas locais e distritais há os mesmos erros. Comunicam mais (embora cada vez menos) do que cumprem. Como queremos, depois, que perante cargos de dimensão pública e nacional não se repetiam esses mesmos erros?
Por estes dias, que atire a primeira pedra aquele que saiba, quem sabe qual a taxa de cumprimento das moções aprovadas, por exemplo, numa Assembleia Municipal?
E num partido político, olhando para dentro das máquinas partidárias, os militantes portugueses têm como efetivar a sua satisfação ou insatisfação com o que as direções/coordenações/comissões políticas estão a desenvolver? Não.
Haverá sempre locais próprios para contestar e demonstrar alternativas – Plenários, Assembleias de Militantes – porém não é aí, globalmente que a prestação de contas se torna efetiva com base na avaliação de quem elege. Não é aí que se vai traçar caminhos colaborativos para ajudar quem lidera.
Num Governo, é igual. Há locais para discordar e propor alternativas, como ainda há a liberdade de expressão para assinalar discordâncias, mas isso não vai impactar no caminho que está a ser seguido.
Para exemplificar alterações que Portugal poderia ter, e não tem, olhemos para Itália.
Sim, o mesmo país que tem agora um Governo liderado pelo ex-Presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi. Itália que, desde o início deste milénio, teve a módica quantia de 11 primeiros-ministros, que transmite à partida uma instabilidade enorme, é o mesmo país que traz um bom exemplo evolutivo na vida política e que poderá estabilizar os partidos políticos de forma credível.
O MoVimento 5 Stelle (M5S), comummente dito em Portugal por “Movimento 5 estrelas”, nasceu apenas em 2009 com a liderança de um comediante, Beppe Grillo. Porém, embora muito contestado e pouco valorizado nos primeiros meses de vida, nasceu com um claro pendor positivo: Fazer democracia direta, usar as ferramentas digitais e recursos da internet.
Hoje, em 2021, o M5S já está muito mais comedido e moderado face ao que era em 2009. É quase um partido-partido político quando nasceu assumindo-se como “não-partido” político.
Elegeu logo em 2013, nas eleições nacionais para o Parlamento Italiano, mais de 25% na câmara dos deputados e ainda perto de 24% no Senado. E que dizer, posteriormente, em 2016, nas eleições autárquicas, quando o M5S conseguiu conquistar a capital Roma e também Turim?
Ou ainda, que dizer da vitória do seu líder, Luigi Di Maio, em 2018 quando foi sufragado com 33% dos votos e elegeu 229 deputados, que fez com que viesse a formar Governo de coligação com o Primeiro-ministro de então, Giuseppe Conte? Sinal de reconhecimento do eleitorado, goste-se mais ou menos.
Pois é. Um partido que cresceu baseado nesta forma de política digital (muito antes de confinamentos causados por pandemias) e na dita democracia direta e participativa.
Seguramente, nesta curta década e pouco de partido político, a forma de agir diretamente com os seus filiados e aferir sensibilidades localmente, regionalmente e nacionalmente, face às posições tomadas, fez com que o M5S se tenha sedimentado na democracia italiana. Sobretudo, porque sedimentou-se com ação permanente e consequente junto de militantes e eleitores.
No M5S, a nível local dos municípios, nas suas estruturas partidárias, há ferramentas digitais para sondagens internas (com fiabilidade e voto anónimo) sobre a atuação das coordenações políticas. Igualmente, durante a elaboração dos programas regionais, há forma de sondar os militantes – e os eleitores – sobre se a proposta A ou B tem recetividade nas bases e nas ruas. Tudo à distância de um clique ou de um smartphone.
Igualmente, neste partido que poderia servir de exemplo – não falo de ideologias, falo de formas de aproximar a democracia dos eleitores – nestas ferramentas de trabalho, o mandato dos líderes é ajuizado, sondado e… presta contas com frequência. Entre o que prometeu e o que cumpriu, internamente nas bases e externamente nos mandatos eleitos. Esta pressão e sensibilidade pode fazer tomar decisões mais próximas do que o eleitorado pretende e não com base em mesas redondas de meia dúzia que vivem numa bolha partidária.
E cá em Portugal? Será que um PS ou um PSD não teriam, nesta fase em que ambos perdem militantes dia após dias, em que têm estruturas locais e distritais amorfas, muito a ganhar com uma democracia participativa deste tipo? E para os eleitores, não haveria mais confiança e credibilidade se aquilo que se “prometeu” tivesse forma de viver numa espécie de “taxa de execução” para quem votou saber se se cumpriu ou não?
Tinha, claro que tinha.
Não sei se à maneira do que Beppe Grillo fundou ou da forma que outro qualquer pode vir a fundar. Seguramente, num país em que invariavelmente 1 em cada 2 eleitores não vota, a democracia que escolhemos tem de se adaptar para que não acabe por se tornar insignificante.
Seja via accountability ou seja via o-que-quer-que-seja, porém, a democracia precisa de um abanão. Um abanão para que os partidos, mas sobretudo os eleitos, venham a atuar com a opinião de cada vez mais eleitores. E, naturalmente, para não se viver eternamente o que se assiste na política portuguesa, e vivermos sim num país onde é preciso ter de prestar contas pelo que se diz e faz.
O exemplo de Itália, do M5S, pode ser uma boa forma de mudar o que começa a ser irreversível no afastamento dos eleitores pelos eleitos na nossa democracia portuguesa.
Carlos Gouveia Martins