Desconfinar? Sim, mas…


Está a chegar a hora de desconfinar, num país cheio de situações surrealistas apesar de parado.


1. O atual confinamento está a resultar e coloca num horizonte curto a necessidade de aliviar a pressão, por ser essencial à sobrevivência da economia e de milhões de pessoas, que passam fome e perdem a saúde física e mental, somando-se às vítimas diretas da covid. Por outro lado, certos dados indicam que as variantes do vírus chinês são mais transmissíveis e perigosas. Simultaneamente, não é possível perceber, cá e no mundo, se efetivamente o plano de vacinação tem contribuído para diminuir a circulação do vírus ou se, pelo contrário, a regressão resulta principalmente dos confinamentos. É também fundamental perceber se a operação de vacinação vai ter de ser repetida anualmente e se vamos continuar a ter uma propaganda a dizer que é preciso testar cada vez mais e acontecer exatamente o contrário. Esta soma de situações torna crucial a existência de um plano (bem estudado, desta vez) que permita desconfinar e confinar, consoante a necessidade, atuando imediatamente, e não com vários dias de atraso, como tem sucedido. O exemplo de certas zonas da Austrália é relevante. Viu-se durante o Open de ténis que num ápice, por causa de dois casos de contaminação, foram proibidos espetadores nos courts durante dois dias, concretizando-se depois um cauteloso regresso de público. Soluções de alternâncias rápidas e cirúrgicas são um caminho a seguir, embora em Portugal não haja agilidade no Estado. Em contrapartida, a população é rápida a defender-se, pelo que pode ser possível passar por cima da burocracia e dar orientações claras e concisas através da comunicação social e de uma task force feita por governantes e técnicos operacionais, e não por teóricos. É verdade que é fácil debitar palavras como estas. Mas temos de fazer melhor. E temos gente competente. Falta-nos é organização e método.

2. Os comentadores e os jornalistas têm elogiado sistematicamente a campanha de vacinação em Israel, um país supostamente multicultural mas que, na verdade, caminha a passos largos para uma ortodoxia judaica. Por isso, seria interessante saber qual a percentagem da população árabe do país ou dos territórios ocupados que foi vacinada, comparativamente com a judia. E seria ainda mais interessante que os tais comentadores se pronunciassem sobre a ética política de trocar vacinas por prisioneiros que Israel pôs em prática.

3. Há dias, Ricardo Araújo Pereira expôs na SIC um podcast do PS em que o ex-jornalista Luís Osório entrevista a ministra da Cultura num exercício raro de bajulação, mesmo num programa partidário. Osório sucedeu nesta tarefa e foi ainda mais longe no “lambe-botismo” a Filipe Santos Costa, ex-Expresso, onde basicamente atacava o PSD e de onde saiu quando passou a ter de fazer a cobertura do PS (et pour cause). Santos Costa estará agora em vias de ser comentador da TVI. Alimenta ainda um podcast do MAAT (EDP) e outro da FLAD (Fundação Luso-Americana). O programa de Araújo Pereira teve imensa graça e deixou Osório de rastos. Mas teve também um toque de autorretrato quando se vê os enormes fretes que o cómico faz aos convidados presenciais. Já se é à distância, o verbo é diferente.

4. Já se sabia que o deputado Ascenso Simões era dado a excessos verbais. Há dias caiu no ridículo de sugerir a demolição do Padrão dos Descobrimentos e lamentou que o 25 de Abril não tivesse causado mortes para refundar o país. Por muito que se tolere o uso de imagens fortes, há limites de bom senso. Há palavras que são incitações ao ódio e desrespeito pelo passado de um país que, evidentemente, tem fatores controversos. Uma nação e um povo são feitos da sua história. O que aconteceria em França se alguém se lembrasse de destruir os Invalides, que Luís xiv construiu para ser um hospital de combatentes e onde está sepultado Napoleão, que procurou invadir e governar todas as nações europeias? É coisa que não passa pela cabeça de nenhum francês de gema. Napoleão é um orgulho para todos eles, como para nós é tê-lo derrotado.

5. O PAN e o Bloco de Esquerda querem chamar ao Parlamento o recém-eleito presidente do Tribunal Constitucional, João Caupers, para clarificar textos que escreveu há anos enquanto académico provocador. Um deles referia a existência de um possível lóbi gay, coisa que alguns dizem existir, outros negam e outros nem sequer se interrogam quanto à sua efetiva implantação. Chamar um juiz ao Parlamento é um atropelo à separação de poderes, como desde logo lembrou Manuela Ferreira Leite na TVI24. Ainda por cima quando se trata do Tribunal Constitucional, a quem compete fiscalizar as leis, mesmo as saídas do Parlamento. PAN e BE melhor fariam em solicitar uma comissão de inquérito rigorosa à atuação de lóbis, sejam eles de gays, de heterossexuais, corporativos, políticos, ambientais ou das muitas maçonarias existentes. Isso sim, era interessante. Tão interessante que jamais acontecerá.

6. Rui Rio assinalou três anos de liderança do PSD com uma entrevista à Rádio Observador. Rio não avançou nenhuma proposta substancial para o país, ao contrário do que fazem os dirigentes máximos dos partidos que são alternativas de poder. Rio está embrenhado nas autárquicas e sem soluções concretas em termos de candidaturas para os grandes centros, como aqui se referiu várias vezes. Na entrevista, parecia uma enguia que os entrevistadores nunca conseguiram agarrar. Ficou-se apenas a saber que o líder social-democrata fará uma avaliação dos resultados na altura própria, para decidir se fica ou sai. Todavia, não deu dados porque sabe que há muitas maneiras de fazer contas aos resultados autárquicos. Uma coisa é ter mais votos. Outra é ter mais câmaras. Outra é ter mais vereadores. Outra é contar os deputados municipais. Outra é contar freguesias e membros das assembleias respetivas. Enfim, é uma panóplia tão grande que cada um apresenta o que mais lhe dá jeito. O PCP, por exemplo, é perito em transformar derrotas em vitórias e é certamente uma fonte inspiradora. Basta ir aos arquivos.

 

Escreve à quarta-feira