Um em cada três profissionais de saúde apresenta níveis de burnout severo, revela um estudo da Universidade Portucalense, desenvolvido pelo Research on Economics, Management and Information Technologies (REMIT).
“Sou enfermeira há dezanove anos e nunca experienciei um nível de cansaço tão elevado”, começa por explicar Ana Maria, de 44 anos, que não quis revelar o apelido por medo de represálias.
“A depressão ainda não é encarada com normalidade entre os profissionais de saúde e nem aos meus colegas revelo os sintomas que tenho tido”, admite a trabalhadora de um hospital da região de Lisboa e Vale do Tejo, que está nas Urgências, desempenhando a profissão de 73% dos inquiridos, sendo 24,5% médicos.
“Antes, tinha crises de ansiedade que se intensificavam quando não tinha tempo para estar com os meus filhos e achava que era má mãe ou quando tratava de doentes que sabia terem poucas horas de vida, mas agora não consigo acalmar-me e agir normalmente”, esclarece, transtornada, a mulher que tem consultas de psiquiatria há dois anos.
“Comecei por tomar coisas leves como o Valdispert, mas não surtia efeito. O médico prescreveu-me o Lexotan, em maio do ano passado e, atualmente, já tomo o Xanax e o Prozac porque, quando termino os meus turnos, não consigo ‘desligar’ e descansar, somente penso em x ou y doente e sinto pânico de levar o vírus para casa, para além de chorar quase todos os dias”, admite a profissional casada com um professor e mãe de dois adolescentes, tal como os 53,1% inquiridos que têm filhos
Contudo, o desespero de Ana Maria não é de estranhar. De acordo com o estudo anteriormente referido, “os altos níveis de contágio, e consequente rutura do setor de saúde provocam efeitos colaterais para além da exaustão física em quem está na linha de frente, é o caso de síndromes emocionais, como o burnout, em que um em cada três profissionais de saúde apresentam níveis severos do sintoma”.
“Não sei dizer se sofro de burnout porque, por norma, os psiquiatras não falam das patologias com os doentes, mas, efetivamente, apesar de vestir a camisola do hospital com todo o amor e querer ser sempre melhor, tenho cada vez menos força para fazê-lo”, diz a enfermeira que tem esperança “devido à melhoria da situação epidemiológica”.
De acordo com as conclusões do estudo, à semelhança de Ana Maria, 54,6% apresentam uma elevada perda de realização pessoal – sentimento de insucesso profissional – e 33,7% dos inquiridos apresentam um elevado nível de despersonalização – atitude mais distanciada na prestação de cuidados.
“Estamos – não somente eu – física e psicologicamente exaustos. Se o resto da população já se sente modificada pela pandemia, o que dirão os profissionais de saúde? Temos vivido as nossas agruras e as do país inteiro. Torna-se complexo”, declara, integrando os 58,2% que apresentam elevada exaustão emocional – esgotamento emocional traduzido por um grande cansaço no trabalho, acompanhado de uma sensação de vazio e pela dificuldade em lidar com as emoções dos outros.
O estudo inquiriu 196 profissionais de saúde, entre novembro de 2020 e janeiro de 2021 – 77% são mulheres, 73,3% tem menos de 40 anos.
Dos profissionais, 55,6% exercem a sua profissão há mais de 11 anos e nos últimos seis meses trabalharam em média 47,6 horas, em que o número máximo registado foi de 140 horas semanais.